o meu artigo no i da última quinta-feira
Um boi não é um elefante, tal como um tigre não é um
elefante, mas estes dois factos não permitem concluir que um boi e um tigre são
uma e a mesma coisa. Lamentavelmente, é algo tão elementar como isto que a
maioria dos comentadores políticos tem dificuldade em compreender, como mostrou
a sua reacção às eleições gregas do último fim-de-semana. Os votos gregos, é
sabido, permitiram à chamada Esquerda Radical (Syriza) obter um extraordinário
resultado eleitoral e também permitiram a um partido neonazi entrar pela
primeira vez no parlamento. Ora, a coincidência entre estes dois factos bastou
para que a generalidade dos comentadores políticos viesse a terreiro alertar
contra o perigo do extremismo, procurando meter a Esquerda Radical e os
neonazis num mesmo saco.
Filiados numa tradição liberal que se tornou hegemónica nos
últimos vinte anos e que, do centro-esquerda ao centro-direita, acreditou que o
parlamentarismo político e o liberalismo económico norteariam a humanidade até
ao fim dos seus dias, os nossos comentadores políticos parecem ter simplesmente
perdido o norte. A actual crise mundial e a diminuição da credibilidade das
narrativas liberais levam a posições terroristas que deveriam simplesmente
envergonhar quem as assume. Porque o que os nossos comentadores nos estão a
dizer sobre o extremismo dos gregos é, e traduzindo para a realidade
portuguesa, que um Francisco Louçã e um skinhead Mário Machado sãao uma mesma e
a mesma coisa.
Peço desculpa aos nossos comentadores, mas eu não compro
esta argumentação. Bem sei que o debate em torno do totalitarismo fez o seu
caminho durante o século XX. E até acrescentaria que nesse debate existem contributos
importantes para quem, à esquerda, pretende travar um combate radical contra o
liberalismo reinante e o fascismo emergente. Mas, e dito isto, é para mim claro
que depois da queda do Muro de Berlim o debate em torno do totalitarismo acabou
por ser cada vez mais reduzido a uma simples vulgata que tem servido quase
simplesmente para combater a pluralidade de pontos de vista políticos. Nomeadamente,
os pontos de vista de uma Esquerda Radical que os comentadores tentam
sistematicamente desautorizar apresentando-a como expressão do tal monstro
totalitário.
Existem, além do mais, efeitos particularmente preocupantes
que resultam do sucesso da vulgata anti-totalitária que hoje parece resumir a
essência dos liberalismos. Um desses efeitos é a diminuição da capacidade de auto-crítica
dos liberais. A tese de que os extremos se tocam tende a impedi-los de ver quão
próximo o liberalismo esteve dos próprios extremos que denuncia. A tese não
deixa que os liberais vejam a estreita colaboração entre grandes pensadores
liberais como o economista Milton Friedman e regimes ditatoriais de
extrema-direita como o de Pinochet. Não deixa também que os liberais se lembrem
das relações de proximidade entre vários grupos e correntes liberais e as
ditaduras de Hitler ou de Salazar. E, last
but not the least, não deixa os nossos liberais recordarem que foi muitas
vezes sob o signo do liberalismo, fosse ele de índole mais autoritária ou de
tonalidade mais democrática, que teve lugar a aventura colonialista que
aterrorizou uma grande parte do planeta. Não foram poucas as vezes que os
liberais sacrificaram por completo os valores da democracia em nome da salvação
do sagrado respeito pela propriedade privada.
Mas a vulgata anti-totalitária produz ainda um outro efeito
não menos preocupante. Ao não hesitarem em dar como iguais a Esquerda Radical
grega e o partido neonazi grego, mostrando tanto empenho na defesa do
liberalismo económico (fortemente atacado pela Esquerda Radical) como na defesa
do liberalismo político (fortemente atacado pela extrema-direita), os liberais
de hoje não vêem os seus próprios erros actuais. Ávidos de irmanar a Esquerda
Radical e a extrema-direita, os nossos liberais ignoram, por exemplo, que um
dos pontos mais relevantes para a actual ascensão dos neonazis gregos (ou da
extrema-direita francesa) é a crescente popularidade da sua mensagem de ódio
aos imigrantes. E esquecem que neste particular aspecto, como em vários outros,
as políticas levadas a cabo pelos partidos liberais do centro-esquerda e do
centro-direita, na Grécia como na generalidade da Europa, estão bem mais
próximas das políticas de repressão da extrema-direita. E se quem desta se
demarca claramente é pelos nossos comentadores tido como radical, pois que
então sejamos todos radicais.
2 comentários:
Bom post! Porque motivo nunca se ouve falar em liberalismo radical? A ausência total de regras excepto aquelas que protegem a propriedade privada dos mais poderosos?
Nazis - maus
Syriza - bons
Ponto assente. finito. Eu, que sou de esquerda, estou totalmente de acordo.
A questão é: O que pretende o Syriza? Não, não. A questão é: como vai o Syriza governar?
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