A Esquerda sempre imaginou a revolução como um movimento de massas, que tem lugar quando a maioria oprimida toma consciência da sua condição e age em consonância. No entanto, não são poucas, quiçá até maioritárias, as vezes em que uma revolução ocorreu não porque a maioria a apoiou activamente, mas sim porque simplesmente desistiu do regime anterior, recusando defende-lo de quem ousou colocá-lo em causa. A razão para que tal aconteça resulta das condições necessárias à revolução, e estas resumem-se a pouco mais do que a uma única palavra: crise. Esta pode ser entendida como uma situação onde a perspectiva de evolução futura é negativa. E testes cognitivos confirmam o que a história nos ensina: quanto maior for a crise que um indivíduo, e portanto também entidades colectivas como uma sociedade, enfrenta maior é a sua predisposição para arriscar, para escolher caminhos que o afastam do "senso-comum" ou paradigma social dominante. Ora, antes duma crise chegar ao ponto de levar a maioria a optar pela via da revolução, já antes terá passado pelo ponto onde o apoio ao regime dominante tornou-se demasiado fraco para este conseguir suster o impacto da ira da minoria já revoltada.
Quando um indivíduo opta por arriscar, pela fuga para a frente em alternativa à resignação, os caminhos que escolhe são predominantemente aqueles que, parecendo diferentes dos até então experimentados, na realidade assentam em narrativas que aproveitam os preconceitos socialmente mais enraizados. Deste ponto de vista, não é de espantar o crescimento da popularidade de movimentos de extrema-direita um pouco por toda a Europa, em contraste com a dificuldade que a esquerda radical encontra em ampliar a sua base de apoio de modo sustentado. Alterar a situação requer necessariamente um trabalho de proximidade, desafiando as pessoas a colocar em causa as verdades que lhe foram inculcadas, a criação de modos alternativos de comunicação social ao aparelho de reprodução da verdade oficial, e a perturbação da mensagem deste último através da inserção de elementos que criem dúvida sobre a sua veracidade (será mesmo verdadeira?) e autenticidade (terá sido mesmo produzida por aqueles que sabem?), ridicularizando-a.
O esforço requerido é enorme, pois equivale à criação duma paradigma ou narrativa que consiga efectivamente rivalizar e destronar aquele que é cultural e socialmente dominante. Pelo menos numa minoria social suficientemente grande e predisposta a arriscar (tanto mais provável quanto mais jovem se for...) em tempo de crise. Mas, o esforço não se esgota no que atrás foi mencionado. Pois requer também o desenvolvimento de estruturas de governação (assembleias locais) e acção colectiva (nomeadamente, a nível social e económicoco, co-geridas por trabalhadores e comunidade local), que possam substituir-se às estruturas dum regime em decomposição. A existência destas estruturas tem ainda a vantagem não só de reforçar a percepção da viabilidade prática da narrativa proposta, mas também de fomentar a criação dos espaços de proximidade atrás mencionados.
A revolução é um processo, não é um acontecimento.
09/05/12
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2 comentários:
Muito bom post!
Mas não foi isso que fez o movimento operário e socialista histórico?
O crescimento das correntes anti-capitalistas no século XIX e começo do século XX (socialistas, comunistas e anarquistas) não esteve sempre vinculado à luta social e simultaneamente à criação de uma contra-cultura onde predominavam valores antagónicos aos da ordem conservadora e capitalista?
O problema actual(após o desmoronamento da preversão leninista, da conversão da social-democracia em gestores do capital e o apagamento do anarquismo) é que as minorias ditas anti-capitalistas partilham grande parte da cultura dominante abdicando dos seus valores, utopias e esperanças, a favor de um conformismo quotidiano onde só alguns rituais como as manifestações e greves ordeiras e o voto parecem indicar algumas diferenças em relação à massa conformada apoiante do Sistema...
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