20/06/12

Cosmopolis



"Cosmopolis" afinal não é bem um filme. É mais um codicilo, um acrescento a "Crash". Nem Pattinson nem Sarah Gadon fazem de actores; apenas de manequins hieráticos que ecoam o pathos exangue de James Spader e de Deborah Kara Unger. 
 O automóvel, que era em “Crash” um potente vector de agressão e sexualidade, vê-se mais do que nunca sacralizado: no seu habitáculo, o trono de Eric Packer domina uma galeria de ecrãs que crepitam com a energia malévola e insondável dos dados, sussurrando as fatias de milissegundos de realidade que levaram Benno, o candidato a assassino, à demência. A informação surge aqui como uma segunda instância da velocidade terminal de “Crash”, metastizada ao ponto de atrofiar vontades, afectos, vidas. 
O sexo já não encena a celebração das possibilidades sensuais da própria viatura; se Ballard/Spader o usava como interface com as zonas erógenas da tecnologia automóvel, agora surge também despido de élan vital, parecendo servir a Packer apenas como processo de marcação no território do seu voluntário resvalar para o abismo. 
O momento-chave para oficializar esta geminação com a obra-prima de 96 surge quando a limusina/casulo se arrasta em slow-motion, carregando as marcas tribais com que o tumulto do mundo a desfigurou: ouvimos claramente acordes do tema musical de “Crash”. 
Quanto ao resto, não entendo mesmo a embirração de tanto crítico com este filme: se parece coisa fria e remota, é porque assim deveria ser. E mesmo a multiplicidade de pistas que o argumento vai deixando atrás de si já representa uma grande simplificação face à matriz da novela de DeLillo. Certo é que a elisão do constante trânsito entre as realidades de Packer e do tresloucado Benno acaba por deixar aqueles 22 minutos finais como um corpo estranho: uma longa catarse a dois, pejada de sugestões religiosas – da chaga crística de Packer ao diálogo através de uma espécie de confessionário acidental. 
Mas é do fado das obra-primas a contaminação por um qualquer foco de desequilíbrio, da tal "assimetria" que tanto atormenta Packer.

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