15/11/13

A insurreição global




Hoje, tem início a conferência Global Uprisings, em Amesterdão, Holanda. As várias palestras e painéis de discussão previstos prometem aprofundar a reflexão sobre as insurreições que recentemente tiveram, e continuam a ter, lugar um pouco por todo o mundo. Mais importante ainda, será a troca de experiências, e a criação de canais de comunicação que potenciem as próximas insurreições. É preciso tornar a instabilidade mais virulenta, criando condições para que, (ainda) mais facilmente, insurreições locais/nacionais se propaguem globalmente, inflamando outras.

Pelo que percebo, algumas das palestras e discussões serão transmitidas pela internet. Estejam atentos à informação aqui colocada. O Ricardo Noronha (The Euro Crisis: Reports on Crisis and Revolt - sábado, 13.00-14.30) e o Luhuna Carvalho (Networking Resistance in the Mediterranean - sábado, 15.30-17.00) vão intervir, partilhando a sua percepção do que se passa em Portugal.

Num recente e interessante texto de opinião, Mehmet Döşemeci, contrasta os movimentos contestatários das últimas décadas com a mais recente vaga insurreccional. Onde antes havia (literalmente) movimento, que rapidamente se dissipava sem chegar a colocar em causa a legitimidade do Estado, aliás frequentemente tinha como objectivo obter concessões do Estado; agora existe (tentativa de) permanência, em claro desafio à autoridade do Estado, em particular sobre o espaço físico e os fluxos que por ele passam. Ainda mais fundamental, nos recentes processos insurreccionais tem-se procurado também demonstrar que é possível, supremo sacrilégio, viver em sociedade sem um Estado, revelando no processo a verdadeira natureza deste: um aparelho repressivo e manipulador cujo objectivo é perpetuar a dominação por uma oligarquia.

P.S. Transmissão ao vivo pela internet.

5 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, Pedro, meu caro, é com entusiasmo que sublinho no teu post a ideia fundamental de que quem diz "Estado" diz distinção - estrutural e permanente - entre governantes e governados, de onde resulta a necessidade de um poder político, que terá de começar por ser um contra-poder, uma acção de ruptura organizada, alternativo e democrático, sem dirigentes nem dirigidos, ou melhor empreendendo a instituição do poder governante nas mãos dos governados.
Mas basta olharmos para a esquerda que nos rodeia para vermos como esta está longe da ideia de democracia contra o Estado, de poder político anti-hierárquico, que te inspira. As discussões sobre a crise e as saídas da crise limitam-se invariavelmente na grande maioria dos casos a reclamar melhores governantes, chefes mais competentes, pastores mais eficazes na condução do rebanho. E os resultados estão à vista.
Quanto à "insurreição global" e à federação das insurreições locais ou regionais, tudo dependerá da capacidade que tiverem de se organizar de outro modo, de prefigurarem no regime das lutas que adoptarem, a alternativa às relações de poder oligárquicas que nos governam. Ou seja, "só há saída pelo fundo".

Abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

Tenho evoluído, tenho evoluído… Sim, cada vez me parece mais evidente que o Estado, o aparelho de Estado que foi-se desenvolvendo ao longo dos últimos séculos um pouco por todo mundo, não é reformável num sentido radical. As funções de coordenação social que (também) assegura terão sempre que existir a algum nível. Mas no seio duma estrutura organizacional radicalmente diferente: aberta, transparente, descentralizada, participativa, democrática. Parece-me, no entanto, que contínuamos a discordar no que toca ao modo de participação da população nesta(s) nova(s) estrutura(s) de coordenação, a que poderíamos chamar, porque não, conselho(s). Tenho defendido que a decisão última deve residir em todos afectados pela decisão dum dado conselho (local, regional, etc). Haverá, no entanto, necessidade de alguma forma de representação, que tenho defendido deve resultar duma forma de sorteio, ou seja escolha aleatória. Até aqui, parece-me que não diferimos muito. Mas, também acho que as estruturas de gestão (da causa pública) não devem ser preenchidas apenas por cidadãos escolhidos aleatoriamente. Acho que é necessário haver um corpo suficientemente estável de "servidores da causa pública" que sirva de repositório de conhecimento adquirido, evitando o contínuo re-inventar que resultaria se a gestão da causa pública estivesse apenas nas mãos de cidadãos sorteados para o efeito para curtos períodos de tempo.

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,

é possível que divirjamos em muita coisa, mas não na necessidade técnicos ou especialistas nos órgãos de intendência (e outros) de uma sociedade democrática. Não é sequer necessário que sejam "representantes": podem ser nomeados por este ou aquele órgão político, em função das suas competências específicas, contanto que permaneçam politicamente enquadrados pelos "conselhos" e seus delegados ou magistrados. Não nego que esta arquitectura possa ser fonte de problemas ou tenha fórmulas que possamos antecipar de uma vez por todas. Mas não me parece que tenhamos a este respeito divergências de maior.
Noutra altura, teremos de discutir uma questão mais séria, que aqui apenas aflora: a da ncessidade de auto-limitação da democracia e do próprio poder político democrático. Mas não será hoje nem aqui que o faremos.

Forte abraço para ti

miguel(sp)

Anónimo disse...

A experiência paradigmática anti-Estado foi a Revolução Cultural chinesa que, de facto, se voltou contra o aparelho de Estado e seus representantes. Então, a meu ver, sem passar por este evento toda a conversa anti-Estado não chega a ter dignidade teórica séria.

João.

Anónimo disse...

Pode ter interesse para quem quer ler Castoriadis. Dois alfarrabistas londrinos On Line estão a saldar diversas obras em inglês de Castoriadis. Woburn Books( London. GL. U. Kingdom) e Valley Books, também de Londres. Preços fabulosos de saldo. Niet