07/10/10

Da decomposição


As declarações de Henrique Neto, aqui citadas pelo João, concorrem para a ideia cada vez mais forte de que a crise colocou, nas bocas mais insuspeitas, afirmações que ainda não há 10 anos eram consideradas populistas, irresponsáveis ou simplesmente lunáticas. Os Ladrões de Bicicletas escrevem, cada vez mais, como se fossem reencarnações de bolcheviques executados nos anos 30 (a melhor cepa, como se sabe) e Neto vem agora falar, como se de um carbonário se tratasse, da oligarquia e do nepotismo das instituições. Esta frase, por exemplo, assemelha-se bastante a um epitáfio: 
É inegável que existe um bloco central inorgânico na política portuguesa, que defende interesses privados ilegítimos e permite a acumulação de altos e bem pagos cargos na administração do Estado e nas empresas do regime.
 A Internacional Situacionista tinha, para épocas como esta, um termo que possui admiráveis capacidades descritivas. E embora se teçam, aqui e ali, votos para uma longa vida a semelhante regime, torna-se cada vez mais evidente que o seu lento apodrecimento transporta em si os germes de algo que está para lá do imaginável. Antigamente, escreveu Debord em 1988, conspirava-se apenas contra a ordem vigente. É uma novidade absoluta da nossa época que se conspire tão abertamente a seu favor.

2 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Insigne e Contundente, Fogoso e Lúcido, Camarada Ricardo,

a citação de remate do Debord é certeira, sobretudo, ao indicar como o mesmo poder que descobre ou procura descobrir, quando não forjar, conspirações por todo o lado, e faz do combate à conspiração sua legitimação e alibi, usa a conspiração como arma privilegiada, e tanto mais quanto mais reforça a sua posição. Os exemplos, muito díspares, da recente Guerra do Golfo e das purgas estalinistas dos anos 30 provam-no bem.
O acerto desta ideia é, contudo, o que exige que qualifiquemos prudentemente como excessiva a outra ideia do mesmo Debord: a da novidade da conspiração a favor do poder. Sugere-nos, pelo contrário, a existência de uma afinidade electiva entre o culto conspirativo do segredo - que subordina a contestação à "racionalidade" da ordem contestada -e o culto dos arcana imperii (segredos do poder, ou do imperium), consagrados sob o nome corrente de "segredos de Estado".
Um dia destes, se tiver tempo e inspiração para tanto, voltarei ao assunto. Para já, fica o desafio a que outros o façam a partir desta questão que aqui se levanta e que, apenas a título de exemplo, formularei nos termos provisórios seguintes: como pensar e promover a pública conspiração dos iguais que nos permita combater ao mesmo tempo o poder do segredo e o segredo do poder? Como conspirar antecipando a ecclesia (assembleia dos cidadãos governantes) a cada lance do jogo instituinte da democracia?

Abraço para ti

miguel (sp)

Justiniano disse...

Caro Noronha,
A aplicação da citação de Debord é, como bem diz o caro MSP, certeira, e muitíssimo bem enunciada, no todo, mas não me parece que o alvo a que o Noronha a queria apontar seja, no caso, também certeiro!!!
Cordiais saudações a todos!!