01/10/10

Dois ou três pontos preliminares para a construção de uma plataforma alternativa — a partir de um post do Rui Bebiano

O Rui Bebiano publica no seu A Terceira Noite um post que vale a pena ler na íntegra e discutir mais amplamnete. Antes de lhe acrescentar dois ou três comentários, transcrevo aqui a sua parte final e que sugere alguns pontos cujo debate deveria ser integrado na reflexão interna à luta contra as desigualdades e o reforço oligárquico promovidos à escala europeia - e não só - pelas políticas dominantes.

[Q]uem está no poder, moldado no compromisso, não é já capaz de vislumbrar outras medidas que não as agora impostas. E a saída, para quem procure combater este plano com uma alternativa capaz, não pode ser a da «luta» pela luta, gaguejada num sonoro mantra por essa grande fatia da esquerda que sabe desmantelar mas não construir.
O seu problema é que não consegue gerar uma alternativa. Apesar de ainda precisar crescer politicamente, o BE tem-se esforçado por denunciar e encontrar soluções, dentro do que é possível integrar no âmbito de uma intervenção essencialmente reivindicativa. Mas é necessário muito mais: é preciso romper, mudar, alterar o paradigma dominante de desenvolvimento e de gestão, e não se vê quem o possa fazer de maneira programática. O PS apenas gere medrosamente a «política do possível», o PCP continua a ser um partido meramente reivindicativo, sem um modelo atraente e mobilizador de sociedade, os «alegristas» só jogam à defesa. O drama é este: não existe uma opção forte capaz de agregar sinergias para descobrir uma saída governativa que não seja a da capitulação perante o universo da especulação financeira. É este o desgraçado, o dramático, ponto a que chegámos. «A luta» possível tem pois, necessariamente, que procurar reduzir os danos mais gravosos sobre a vida dos trabalhadores. Mas precisa acima de tudo, urgentemente, desesperadamente, de se associar a uma alternativa credível e agregadora. Um projecto que traduza uma mudança de prioridades e de políticas. «A luta» e a rua podem até ser um caminho, podem até dar um empurrão, mas jamais serão a solução. É preciso mais: pensar, falar, unir e propor para mobilizar as pessoas comuns. Uma tarefa que não pode ser para amanhã mas sim para já
.


Uma observação preliminar: a concepção - aos diversos níveis da consciência e da acção - de uma alternativa passa, como de resto outras passagens do post sugerem, por algo mais do que "uma saída governativa". Toda a argumentação do Rui indica que é de uma transformação das relações sociais, da democratização das relações de poder instituidas e, portanto, de uma mudança de regime, no sentido mais forte, que se trata.
Dito isto, limitar-me-ei por agora a precisar dois ou três elementos decisivos a integrar por qualquer plataforma alternativa e democrática.
Em primeiro lugar, será necessário assumir a natureza política profunda do poder económico que hoje vincula e molda o conjunto das instituições governantes. E daqui partir para uma repolitização radical das instituições e dispositivos de direcção da esfera económica.
Em segundo lugar, a democratização da economia assim equacionada tem de ser assumida como a extensão (re)instituinte dos direitos políticos, liberdade, responsabilidade e participação igualitária dos cidadãos no exercício quotidiano e comum do seu próprio governo. O que, entre outras coisas, implica à partida medidas de igualização anti-categoriais dos "salários" e rendimentos, bem como a desmistificação intransigente das justificações "técnicas" e em termos de "eficácia" ou "racionalidade económica" da(s) desigualdade(s).
Em terceiro - e provisoriamente - último, mas não menos importante lugar, é evidente a necessidade, para qualquer alternativa do tipo aqui visado, de superar o "quadro nacional", de denunciar a lógica das "questões nacionais" e do Estado-nação. Teremos de assumir em todas as suas consequências que as vias de facto da democratização não passam pela salvaguarda de "centros nacionais de decisão", ou, menos ainda, pela devolução aos Estados das prerrogativas erodidas em benefício das instâncias (também políticas, ainda que apresentadas como sedes de funções técnicas ou direcção racional neutras acima das ideologias e interesses particulares) do poder económico. A democratização e o exercício do autogoverno comum das instituições normativas e económicas pelo conjunto dos cidadãos organizados reclamam a transferência das responsabilidades e prerrogativas governantes, a transferência do poder político, para a esfera da participação quotidiana e não para esta ou aquela variante de autoridade detentora da representação ou da competência especializada da interpretação dos interesses nacionais.

5 comentários:

tempus fugit à pressa disse...

meu deus querem mudar o mundo

admirável

nos últimos 50 mil anos

essas alterações não tem funcionado grande coisa

não custa sonhar

mas sonhar custa


geralmente avalia-se em vidas

Niet disse...

Hello, caro MS. Pereira: Castoriadis invoca no texto - Proletariado e Organização "-como P.Mattick o fez num texto sublime sobre Espontaneidade e Organização- alguns pontos prévios que, didactica e informalmente,transcrevo, onde ele defende o modelo puro dos Sovietes: " O proletariado deve lutar contra o capitalismo como contra a burocracia. E essa luta só poderá ser realizada com os operários e militantes que passaram pela experiência burocrática, ou com a Juventude que a rejeitou frontalmente como uma forma da sociedade estabelecida; e só nesses dois campos se pode recrutar. A sua função será a de se constituir como um instrumento do proletariado na sua luta, mas jamais a sua direcção. Terá uma concepção da teoria revolucionária radicalmente oposta não só ao trotsquismo como à que predominou nos últimos 100 anos. Rejeitará categoricamente a ideia de uma " ciência da sociedade e da revolução " elaborada por especialistas e de onde se deduziriam as conclusões práticas correctas, uma política que só seria uma técnica". Égalité et fierté ! Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Salut, Niet.
De acordo, claro. No entanto, os sovietes são apenas um caso histórico, de importância excepcional, da luta pela democratiuzação que hoje se impõe. A exigência profunda é a mesma, mas as modalidades e vias de formação dos órgãos da auto-organização governante do conjunto dos cidadãos terão de ser criadas e não podem ser prescritas de antemão.
Não é uma objecção ao que dizes, mas uma simples precisão com a qual concordarás.

Vento propício

msp

Niet disse...

M.S. Pereira: Os Sovietes originais integraram cinco tendências agrupadas nos Socialistas Revolucionários, três tendências Mencheviques, os discípulos de Plekhanov, os maximalistas, os anarquistas...Isto prolongou-se das catacumbas heróicas de 1902( segundo R. Luxemburg) até 7 de Julho de 1918. Detesto fugir a responder a questões/interpelações. Faço-o sempre com aquela raiva de contestar a ordem estabelecida, com muito gosto e igualdade! Liberté,fierté et égalité! Avanti! Niet

Anónimo disse...

De acordo com o Rui Bebiano, com o MSP e com o Niet.

Venha essa plataforma, - que eu aceito que chegue ao actual parlamento, mas não através de eleições: apenas através de assalto.

abraço

nelson anjos