Geert Wilders, líder ultraderechista holandés y apoyo indispensable del nuevo Gobierno de centro derecha, se sienta hoy en el banquillo acusado de incitación al odio, discriminación e insultos al islam. El proceso en su contra será decisivo para marcar los límites a la libertad de expresión. El propio Wilders lo invoca como derecho sin restricciones.
Se da la circunstancia de que los fiscales no han visto indicios de delito en las soflamas del político, que califica de "ola islamizadora que atenta contra nuestra cultura, corazón e identidad" la presencia de inmigrantes de dicha fe en el país. Tampoco el hecho de que llamara al Corán "un libro fascista como el Mein Kampf", de Hitler, les pareció extremo. Los jueces, por el contrario, consideran dicho símil excesivo y ordenaron que siguiera adelante la instrucción. La acusación particular del caso la forman asociaciones de inmigrantes turcos, antillanos y marroquíes y el grupo antirracista Holanda Bekent Kleur (Holanda reconoce la diversidad).
Escuso de dizer que as ideias políticas de Geert Wilders são abomináveis e inquietante a audiência de que gozam num país como a Holanda. Mas há que distinguir as coisas, se não quisermos, cedendo ao utilitarismo táctico imediato, deixar a defesa da liberdade de expressão aos que a prazo, se levassem a sua por diante, seriam seu coverios e algozes. Ou melhor, talvez: se não quisermos sofrer a apagada e vil tristeza do destino que Kundera mostra bem nalgumas páginas de A Imortalidade ser irremediavelmente os dos (mais ou menos) "brilhantes aliados dos seus próprios coveiros".
Assim, não podemos equiparar o recurso ao que é blasfémia aos olhos de quaisquer crentes — as afirmações ofensivas contra os livros sagrados de qualquer religião, a sua caricatura, ou sátira e rejeição ainda que sumárias e grotescas — ao incitamento à perseguição racial ou à violação da liberdade de consciência.
Pouco importa que a comparação do Corão com a bíblia hitleriana seja disparatada, monstruosamente anacrónica e o mais que se queira dizer. O que atenta contra a liberdade de consciência e de expressão, o que corrói e abre precedentes graves, podendo facilitar o caminho à legitimação de restrições ao debate político e das ideias — do tipo das advogadas, por exemplo, e cada vez mais insistentemente, por Ratzinger — não é a possibilidade de se exprimirem opiniões ou convicções blasfemas e desrespeitosas em relação a uma fé, mas a mistificação que consiste em fazer pensar a sua censura por garantia da liberdade ou defesa de direitos fundamentais.
A ideia, muito badalada, de que "devemos respeitar as ideias dos outros" é, além de piamente estúpida, uma ameaça particularmente insidiosa à racionalidade democrática. O que devemos respeitar é a liberdade de cada cidadão, liberdade de dizer o que pensa, de expor e propor as suas ideias, de declarar o que considera justo ou, pelo contrário, aberração supersticiosa ou irracional. O que implica a recusa de argumentos de autoridade — de índole religiosa ou outra — e do reconhecimento de limites confessionais à palavra de cada um.
Só a liberdade pode defender a liberdade. Já se terá pensado bem no que seria termos de respeitar as ideias de Geert Wilders? Talvez os tempos que vivemos comecem a justificar que façamos da blasfémia um exercício cívico e uma obrigação democrática.
04/10/10
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2 comentários:
A forma, claro, tem importância.
Advogar a redução de fluxos migratórios parecem-me perfeitamente legítimo (incluindo a expulsão de imigrantes ilegais), outra coisa é a presença de imigrantes legais (seja qual for a sua definição) ser fonte de apelos de discriminação legal.
Muito bem, MSP.
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