11/12/11

Ruptura

Este documento da Comissão Política do BE voa baixinho. Não tenho nenhuma simpatia pelas posições do Ruptura-FER, diga-se, e, mesmo quando coincidimos em certas posições, há qualquer coisa no modo de lá chegar, às posições, que me remete invariavelmente (ou quase) para outros caminhos. Temo, além do mais, que a discussão entre a Ruptura-FER e a direcção actual do BE é ainda sobre quem seria o melhor treinador para o plantel, se o Francisco, se o Gil, uma discussão tanto menos interessante na medida em que o plantel vai sangrando... Mas o que eu queria comentar mesmo é o documento da Comissão Política do BE. Porque ele é particularmente desapontante no tom, na forma, no gosto, naquilo que é também fundamental na vida política. Não vale de muito não instruir processos disciplinares para resolver divergências políticas e depois utilizar conversa de processo disciplinar para debater divergências políticas. Dou um exempo irritante: o da referência no comunicado a uma proposta do Ruptura em organizar brigadas para ir lutar contra o exército norte-americano no Afeganistão. Não tendo eu nenhuma tolerância para com a condescendência que parte da esquerda demonstra face ao radicalismo islâmico, condescendência pronunciada em nome de o ter como aliado no combate ao imperialismo norte-americano, devo dizer que a proposta de formar brigadas para ir combater no Afeganistão contra o exército norte-americano (convirá saber o sentido de "ao lado" dos Talibãs) só pode ser atirada para ao ar em forma de boca por uma direcção mais interessada em patologizar o adversário do que em debater e criticar esse adversário. A tentativa de vencer o debate procurando colocar o Ruptura como pertencendo ao simples domínio dos "loucos" repete o mesmo tipo de estratégia de escárnio de que é alvo a própria direcção do BE quando, por exemplo, alguém diz que "vejam lá, os tipos querem até nacionalizar a banca" ou "querem proibir a malta de comer um bife com aquela conversa contra os matadouros" . Um documento de uma Comissão Política não manda bocas, bocas que lembram, aliás, o modo como alguns desprezavam os que se alistavam nas Brigadas Internacionais para combater em Espanha durante a Guerra Civil. Confesso que o mais alarmante, neste momento, em relação ao BE, não são os maus resultados eleitorais ou a justeza ou não das posições políticas que tem assumido em relação à vida política institucional cá do burgo (no essencial, parecem-me justas). Mas o que assusta é o sectarismo da direcção. Um sectarismo que é o sectarismo do centro, ora dá no cravo, ora dá na ferradura, mas que nem por isso é invisível. Um sectarismo que se vira contra a esquerda e contra a direita, contra Gil Garcia e contra Rui Tavares, contra os anarquistas e contra os Ladrões de Bicicletas. E digo isto com o particular à vontade de, à excepção dos famigerados anarquistas, estar muito mais próximo ideologicamente de Francisco Louçã do que de qualquer um dos campos políticos anteriormente referidos. Um sectarismo que faz com que não se acredite no debate como forma de mudar as posições que temos aqui e agora de modo a não cristalizarmos a cabecinha com os textos "irresponsáveis" e "sectários" em que o Luís Fazenda se tem especializado. Um sectarismo que gera desconfiança atrás de desconfiança. Posso estar a exagerar, mas, mesmo no período mais aceso de confrontação político-ideológica que vivi no interior do PCP, havia uma dialéctica na discussão superior ao jogo de espelhos e sombras que tem marcado o debate político-ideológico no interior do BE por estes meses, isto apesar da orgânica estatutária e afins do BE ser infinitamente mais favorável a um debate são do que a do PCP. Há que mudar alguma coisa no clima de debate instalado no interior e à volta do que um dia pretendeu ser um partido-movimento.

2 comentários:

ivan disse...

Ze,
Estas a descobrir o obvio. De qualquer forma, o pior nesta troca com a Ruptura eh o facto de ela nao ser mais do que a continuacao de uma guerra civil inter-trotskista que dura ha para ahi 30 anos. Todos os lados desta historia se conhecem, e ja trocaram argumentos deste tipo antes. Nao ha nada de novo. A Ruptura nunca "acreditou" na chamada corrente maioritaria do Bloco, nem a chamada corrente maioritaria tratou os Ruptura como camaradas. Isto, no fundo, estah tudo a voltar ao principio, ainda que por agora nao se note muito porque ainda ha representacao no parlamento.
Mas, ah medida que o Bloco seja consumido por sectarismos, e ah medida em que se esfrangalhe eleitoralmente, vai notar-se cada vez mais. E nao contes com o Louca ou o Fazenda para arrepiar caminho.

Anónimo disse...

Aparentemente não tem nada a ver, mas acho que há no fundo algo que liga estas duas situações. Tenho assistido entre gente de esquerda, e a propósito de várias temáticas, discussões idiotas e o uso argumentos extremos quando não injustos. Fazem-no de forma radical e chega a pontos de ódio.

E o que acho que liga com esta história do BE é a esquerda estar no meio duma crise de dimensões imemoriais e não tem qq tipo de guião, por mais mísero que seja, cada um puxa para seu lado. Estamos só, sem noção do que fazer, sem narrativa alternativa e irritamos com a nossa família. A pergunta que deixo é se não serão os tempos que vivemos os maiores responsáveis por estentipo de atitudes.

Meia-noite e picos