28/12/11

"Salvar o euro sem mudar a sua arquitectura e sem democratizar a União terá o mesmíssimo efeito que deixá-lo"

Embora divergindo do Daniel Oliveira em muitas ocasiões e nalgumas questões de fundo, e com a ressalva de me parecer, ao contrário do que ele sugere, que a democracia é mais importante do que a paz e razão suficiente, senão — ao nível colectivo — a única razão suficiente, para justificar a luta de morte, também eu, como a Joana Lopes, concordo plenamente com este seu juízo:

Mas a Europa vive um dilema: salvar o euro sem mudar a sua arquitetura e sem democratizar a União terá o mesmíssimo efeito que deixá-lo. Se alimentarmos a ilusão que podemos salvar a moeda destruindo a economia e as democracias nacionais o fim será o mesmo, mas ainda mais destrutivo. Quem julga que pode sacrificar tudo em nome do euro não percebe o que tem de salvar ao salvar o euro. Só uma reconstrução das instituições europeias e da política económica e monetária da União poderá salvar a Europa do buraco em que se enfiou.

Não se trata de salvar o euro para salvar a Europa e manter o seu status quo sob uma versão agravada do seu presente regime oligárquico; trata-se de "salvar a Europa" porque isso é um momento da via da construção de uma ordem política assente, tanto ao nível económico como aos dos lugares de decisão colectiva em geral, no governo dos cidadãos e pelos cidadãos.

6 comentários:

Anónimo disse...

O Daniel Oliveira afirma-se orgulhosamente social-democrata. Para ele, a democratização era podermos votar todos num governo económico, sim, mas com a banca privada e no fundo sem se mudar uma palha naquilo que tem sido o conceito de "democracia ocidental": uma sociedade assente no mercado. Sei que é muito bonito ir pescar frases a gente que se pode radicalizar, mas o problema é que acabamos por ser engolidos por eles. Basta ver que foi isso que aconteceu no BE, que nas próximas eleições (que é o que conta para os partidos que se dão bem na democracia burguesa) estará mais perto de ser muleta do PS do que dar um salto em frente na luta anti-capitalista.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
embora concorde com boa parte da sua argumentação, creio que é necessário ter em conta a outra metade do problema.
Por economia de tempo, permito-me citar o que escrevi noutro lugar a este respeito: "(…) a questão “reforma ou revolução” adquiriu com o tempo fatais ressonâncias teológicas e míticas, que confundem mais o problema do que podem ajudar a abrir caminho. Tenho visto muitas definições da revolução que “nem para atacadores”, e a redefinição das formas institucionais e do exercício do poder que podemos incluir na ideia de “reforma” pode implicar o tipo de ruptura – depende das reformas propostas – que associamos ao “nome de revolução”. Digamos que não é por aí – pela oposição dicotómica – que o gato vai às filhoses ou, melhor, tiraremos nós as castanhas do lume.”
Ou ainda:

'Dois textos consistentemente argumentados, do José Castro Caldas e da Sandra Monteiro, mostram bem, nas perspectivas que lhes são próprias, o que, também eu, mais improvisadamente, tenho vindo a repetir aqui, uma e outra vez: ou seja, e nos meus termos, que a absolutização tendencial do poder económico que politicamente nos governa requer a tendencial absolutização antidemocrática do poder político formal e das suas instituições explícitas.
A divergência entre nós começa quando, tanto o Zé Maria como a Sandra, sugerem a possibilidade de combater esta tendência de fundo através de, à escala da Europa, uma mudança de governos e do pessoal político dos partidos, bem como da composição partidária das forças governantes. Com efeito, do meu ponto de vista, a necessidade de obter o mínimo — travar a ofensiva oligárquica tão convincentemente descrita pelos meus dois interlocutores — requer mais do que a simples modificação da distribuição dos lugares da cena política existente. Se, sem dúvida, quem quer o mais, não pode deixar de querer o menos, é também verdade que o mínimo que podemos querer com verosimilhança exige, mais do que uma mudança de governos, a transformação do regime.
Mas se esta diferença é de peso, não impede, do meu ponto de vista pelo menos, a acção comum e a formulação de objectivos solidários. Na medida exacta em que, assente na participação igualitária e na auto-organização dos trabalhadores e do conjunto dos cidadãos, a extensão do exercício das liberdades e o aprofundamento da democracia entendida em termos inseparavelmente políticos e económicos — e uma coisa porque outra — de que falam o Zé Maria e a Sandra forem conseguidos, será de facto uma mudança de regime de exercício do poder o que teremos, muito para além da simples mudança dos governos e da composição partidária dos governos, ainda que complementada por uma renovação do pessoal político dos partidos. As reformas que defendem a Sandra e o Zé Maria serão uma democratização radicalmente instituinte — e, por isso, se assim quisermos chamar-lhe, mas sem abusar da palavra, revolucionária — ou não serão.
Esta breve conclusão sugere um ponto de partida prometedor: a democratização como plataforma necessária e suficiente tanto da resistência à oligarquia como da ousadia de explorarmos e aprofundarmos a "crise" desenvolvendo as capacidades governantes da cidadania política comum' .(http://viasfacto.blogspot.com/2010/11/da-democratizacao-como-plataforma.html)

Cordiais saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Por causa destes v.textos,ando há mais de 48 horas a reestudar o tremendo dossier da múltipla crise- política e económica- que sacode a União Europeia.Hoje, Paul Jorion tem o cuidado de nos dar a ler alguns artigos-saga do WS. Journal sobre as coulisses e os ditos da " guerra " que grassa na liderança dos 27.Pobre Europa e pobres PIIGS...Nos artigos do WS Journal, em filigrana, vem a real e crua determinação da eng.a Merkel: queria implicar o FMI na operação de prevenção e salvação das economias do Club Med, desde o começo do agudizar da crise grega no Verão...Táctica que acabou por se impôr, embora ninguém saiba o que vai acontecer com o pagamento da prestação da dívida soberana italiana, a rondar os 450 biliões de Euros,a vencer na próxima Primavera...Há,efectivamente, perigo(s)na " tendencial absolutilização antidemocrática do poder político " gerado pela absolutilização tendencial do poder económico. Mais uma vez, Castoriadis tinha razão ao frisar: " Há uma guerra histórica, iniciada pelo demos grego e pelos primeiros filósofos da Jónia, que conhece prolongados eclipses, que se reanima periodicamente, e que é, no nosso período histórico, retomada pelas secções pariseenses de 1792 e 1793, pelos operários ingleses que fundam as primeiras Unions, pela Comuna de Paris, pelos operários e pelos intelectuais de Budapeste. Guerra contra a subordinação a um grupo dominante,contra os mitos,contra todas as ideias simplesmente já feitas, contra a instituição estabelecida da sociedade enquanto instituição da heteronomia. Enquanto a sociedade continuar dividida assimétrica e antagónicamente esta guerra não acabará. Cabe a cada um escolher o seu campo. (...) Não existe omnipotência dos Estados instituídos. O seu poder não é senão a outra face da crença das pessoas nesse poder.(...). Trata-se de lembrar aos homens a seguinte verdade elementar, que conhecem bem,mas que esquecem regularmente quando estão em causa assuntos públicos: nem a expansão da economia capitalista, nem o governo, nem as leis da História, nem o Partido trabalham, alguma vez, para eles. O seu destino será aquilo que eles próprios quiserem e forem capazes de fazer ". Niet

Anónimo disse...

Michel Rocard apresenta no Le Monde tese para evitar que os Estados pagem 600 vezes mais do que a banca para amortizarem as suas necessidades de crédito. Rocard evoca 15 a 16 teses, a declinar em breve para combater a " espiral da morte " que ronda a União Europeia. A não perder, portanto este artigo feito pelo antigo PM francês, economista altamente reputado e credenciado através do Mundo.Pierre Larrouturou colaborou na redacção do importante manifesto. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Salut, Niet.
Obrigado pela indicação, que interessará decerto a mais do que um dos leitores e autores do Vias.

Bom Vento para 2012

msp

Anónimo disse...

MSP: No meio da " guerra " social, verdadeiro antídoto contra o Terrorismo de Estado(s) que nos massacra, procurar ter ideias- até fazer sangue...- é vital, meu caro. Aliàs, Rocard tem uns " papiers " dispersos muito bons sobre o capitalismo energúmeno dos anos 90. Salut! E muitas ideias,claro, dispositivo incontornável e indispensável para suportar 2012. Niet