23/01/12

Burricada?

Depois de a Joana Lopes ter explicado tão claramente no Brumas que a destituição legal — constitucional — do PR, nos termos em que a perspectiva a petição já aqui ontem referida, é inviável, só resta a hipótese de a petição e os seus promotores visarem, não o que dizem, um impeachment, mas o objectivo de forçar a demissão de Cavaco através de uma "onda gigante de cidadania" em ruptura com a legalidade e com a ordem constitucional existente.

Todavia, quem supõe que há condições para desencadear essa ruptura e lhe dá como primeiro e principal objectivo explícito forçar a demissão de Cavaco e punir as suas mesquinhas declarações, ou tem as vistas políticas muito curtas, como já mostrei no meu Impeachment? de ontem e na respectiva caixa de comentários, ou quer atirar poeira para os olhos dos outros, para pescar em águas turvas.

É possível até que uma hipótese não exclua a outra. Mas, seja como for, nem isso fará com que, para qualquer observador animado de um mínimo de lucidez democrática, a ideia de fazer da petição uma espécie de insurreição seja bem menos a construção de uma barricada do que a improvisação de uma burricada.

12 comentários:

A.Silva disse...

Mas porque é que esta gente não dá ouvidos ao douto MSP, e não ficam quietinhos, sentados em casa a ver na TV outros doutos comentadores a explicar-lhes como vai o país e o mundo, até que um dia, aqui neste blogue, o douto MSP vos informa que estão finalmente criadas as condições prá ruptura… cambada de nabos!

Miguel Serras Pereira disse...

Calma, A. Silva. Por estes lados também não se esqueceu que "quem sabe faz a hora / não espera acontecer".
Quanto a criar as condições da ruptura que uma democratização efectiva do regime - na região portuguesa e na Europa, etc. - requer, perfeitamente de acordo. Mas pensar que uma petição contraditória nos seus termos pode ser um factor de tomada de consciência e favorecer esse tipo de ruptura, bem, não chega a ser sequer sonhar com o Pai Natal: lembra antes a fé de quem faz promessas à Senhora de Fátima. E tanta credulidade só pode beneficiar o regime cujo Chefe de Estado é Cavaco.

"Olhos sóbrios", recomendava Marx. Você, aposto que ainda não experimentou, pois não? Mas olhe que a receita dá resultados espantosos…

msp

LAM disse...

Assinei a petição. Não acho, Miguel, que passe pela cabeça de alguém que a tenha assinado que, por isso, Cavaco Silva se demita e, muito menos porque legalmente não é possível, seja demitido. Estamos portanto num mesmo patamar de qualquer acto de contestação ao poder, no caso vertente, a este poder. Num mesmo patamar em que, numa manifestação ou numa assembleia, também não se espera que, por isso, ou só por isso, caia o governo ou haja de imediato transformações positivas; até porque também é "ilegal" que isso aconteça dessa forma.
Não há portanto qualquer delírio na iniciativa nem nos seus subscritores. É mais um acto, mais uma acção, mais uma resposta que, a juntar a muitas outras, pode não matar (que não mata), mas mói. E, se cada uma destas iniciativas conseguir juntar mais uma pessoa, uma que seja que se disponibilizou para agir, isso já é positivo.
Os termos da petição não serão os mais correctos? talvez não, e daí? Todas as palavras de ordem numa manif são correctas? todas as intervenções numa assembleia são a régua e esquadro? uma petição como esta não é a apresentação dum programa de governo nem uma crítica cirúrgica a todos os males do poder. Se procurássemos as palavras certas e o contemplar de todas as visões para uma coisa carecida de acção tão imediata, no próximo natal ainda estaríamos à procura de consenso. Para além disso, parece-me (e isso só a pode beneficiar), esses erros ou omissões decorrem da sua própria espontaneidade. Porquê "burricada", ou melhor, porque é esta "burricada" maior do que as outras feitas até agora? Os assobios ao Cavaco Silva em Guimarães também foram burricadas? Não. Estariam os "assobiadores" à espera que Cavaco se demiti-se à saída de Guimarães? Também penso que não têm as vistas políticas assim tão curtas. Mas teve repercussões nos noticiários, mostraram reacção e, claro, fez-lhes bem à alma.

abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Caro LAM,

se não passa pela cabeça de ninguém que a petição sirva para - pelo menos - encetar um processo de destituição de Cavaco, então a petição contradiz-se a si própria, e não vejo que dela possa extrair-se seja o que for (excepto talvez um desabafo, irreflectido, de indignação).
O caso da vaia visando Cavaco - ou mesmo a palavra de ordem (hipotética): "Cavaco para a rua que a repúblicas não é tua", etc. - é completamente diferente: antecipa e augura um acto de força assumido como tal e não uma "defesa da Constituição".
Em princípio, é verdade que, até mesmo por meios clássicos, manifestações e paralisações sucessivas poderiam forçar, se persistissem, Cavaco a demitir-se. O meu ponto é que, em havendo força para tanto, a queda de Cavaco não deveria ser um objectivo prioritário - embora decorresse, pela força das coisas, como um efeito secundário, ou produto derivado, do poder de um movimento efectivamente capaz de mudar as relações de forças presentes.
Por fim, o texto da petição é enganador e desastrado: apesar de tudo, Cavaco tem vindo a fazer coisas bem mais graves do que as declarações e do que ser pouco interveniente em questões fracturantes, ou lá o que é…
De facto, o que me custa é, no meio disto tudo, entender como é que tu e alguns outros habitualmente mais lúcidos, a pretexto das boas intenções da iniciativa, embarcam numa aventura tão inconsequente e baralhada. Mas, enfim, nem os melhores o são a todo o momento…

Um abraço para ti

miguel (sp)

JDC disse...

Nem mais, LAM, assino por baixo. A intenção da petição não é forçar o PR a demitir-se legalmente. É dar-lhe um cartão vermelho político, é dizer a Cavaco Silva que não é aceitável o que ele fez. Na política, nem tudo é jurídico.

Miguel Serras Pereira disse...

De acordo, JDC - nem tudo é jurídico. E o político deve, em meu entender, primar sobre o jurídico. Mas não me parece que a petição chegue a ser um cartão vermelho - assemelha-se mais à reclamação de um cartão, dirigindo-se a um árbitro que não existe. Por isso a acho politicamente nula, ou, mais do que isso, negativa.

Saudações democráticas

msp

LAM disse...

Miguel,
Claro que Cavaco tem feito coisas bem mais graves e tem para todos os gostos no cadastro. Acontece que esta, não sendo de longe das mais graves nem das que maior impacto teve na vida das pessoas, teve uma repercussão mais imediata, quer pela altura em que foi emitida, quer pela veracidade do directo e a cores, nos cidadãos mais afastados de outros processos que o têm envolvido, mas que exigem geralmente leituras que chegam por via de terceiros. Estaremos de acordo que estas declarações de Cavaco tiveram maior "veracidade" do que os casos que o ligavam à gente do BPN, por exemplo. Houve um descontentamento popular com Cavaco, não talvez pelos grandes motivos porque Cavaco deveria ser apeado do poder mas, ainda assim, por um motivo justo e que reflecte o carácter do personagem. Porque motivo não politizar isso? Porque motivo não atingir um dos pilares do poder (no meu entender muito mais influente nesta "unidade nacional" do que o papel secundário que lhe atribuis: a imagem e valores de um está intimamente ligada aos outros...). A petição não vai cumprir os propósitos, de acordo mas, pelo número que atinja, pode agitar consciências e esse é também um objectivo.

joão josé cardoso disse...

Uma petição que tinha no domingo de manhã 300 assinaturas e na 2ª se aproximadas 10000 é só a mais eficaz que vi até hoje (e assina-se com BI, não é daquelas de mail). Claro que não tem nenhum valor jurídico, é verdade que a sua redacção deixa a desejar, mas nesta altura caminha para no fim da semana pesar politicamente tanto como uma manifestação de rua. Burricada?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro LAM, tenho impressão que, de momento, esgotámos a formulação das razões da nossa divergência "táctica".
Mas, se continuo a pensar que a petição é uma acção que distorce as prioridades e os métodos de luta, que é resignada e pouca, etc., etc., consolo-me pensando que ambos apoiaremos uma acção como a lançada pelo post do Pedro Sales, no Arrastão (http://arrastao.org/2453861.html), que é bem mais eficaz e pode incomodar mais o PR, desmascarando melhor o seu reaccionarismo entranhado de autómato, do que mil petições, afinal delicodoces, como a que temos vindo a discutir.

Reiterado abraço

miguel (sp)

Anónimo disse...

Há qualquer coisa do espírito da revolução de 1848 na abracadabrante e sinuosa via da democracia parlamentar portuguesa: a supremacia da U.Europeia( Entente Cordiale), o opaco poder dos financeiros Guizot e Thiers, a relembrar a infernal dupla Mercozy,amparada por Metternich e alargada ao czar Nicolas III...Os clubes e as " sociedades secretas " de Babeuf e Blanqui como hoje são os focos autogestionários do Occupy Wall Street/ Indignados... A falência do republicanismo e da proto-democracia representativa com o envolvimento do socialista Louis Blanc na salvação do poder essencial da burguesia: o Estado e a supremacia da burguesia industrial e bancária...E o espectro da crise económica e financeira mundial, o trauma, que inspirá o massacre das tropas de Cavaignac contra o povo indefeso nas ruas de Paris em Junho de 1848. De qualquer forma, a Petição parece-me positiva e mais um lance de contestação alargada no combate aos horrores da oligarquia plutocrática que nos (des)governa. Niet

joão viegas disse...

Ola,

Como disse no comentario ao post anterior acho esta petição completamente infantil, e não posso aceitar as justificações "politicas" aqui avançadas.

E' claro que a politica tem primazia sobre o juridico, ja que a primeira da seiva ao segundo. O 25 de Abril era inconstitucional, estamos de acordo.

Mas, precisamente, do ponto de vista politico, qual é o sentido de lançar uma petição redigida desta forma na altura em que estamos todos a pugnar pela defesa da constituição contra os ataques soezes que tem sofrido por parte da direita ? Politicamente, expliquem-me la como é que podemos, ao mesmo tempo, protestar contra as tentativas de modificar os direitos constitucionais dos trabalhadores, e mostrar que nos estamos completamente marimbando para o que vem escrito na lei fundamental, a ponto de acharmos que um presidente eleito democraticamente deve demitir-se apenas porque as pessoas levaram a mal uma afirmação imbecil feita diante das câmaras de televisão ?

Queremos um presidente revocavel ad nutum, ou um direito de destituição à discrição da assembleia do café da esquina, é isso ? Mas esta tudo doido ou quê ?

Existe maior forma de menosprezo pela constituição e pelo Estado de Direito ?

Protestos patetas ha muitos. Formas completamente contraproducentes de lutar também.

Estaria talvez na altura de procurar levar a cabo acções eficazes, com tino e com objectivos minimamente consequentes.

Para quem tenha estado distraido, os "Homens da luta" ja ganharam o festival da canção...

Ja chega de tiros no pé !

E, mais uma vez, isto não é juridico, é politico (uma palavra grega que penso que o Miguel sabera traduzir melhor do que eu).

Boas

Anónimo disse...

Caríssimo João Viegas: " O lugar da política está em toda a parte ! ". Vamos avançar e tentar alargar a sã, correcta e indispensável pluralidade de opinião e de interpretação.E isso passa muito pela expressão de ideias e a interpretação das experiências revolucionárias. As revoluções não se encomendam, meu caro, dizia a Rosa Luxemburg enfatizando a imaginação iniciática da Revolução de Outubro, que sabemos como terminou...Também Bakounine, em textos de combate no interior do arranque da Associação Internacional dos Trabalhadores, antecipou essa visão: " As revoluções não se improvisam. Não se fazem arbitrariamente, nem por iluminados nem pelas mais potentes das associações. Independentemente de toda a vontade e de toda a conspiração, são sempre determinadas pela força das coisas. Podemos prevê-las, por vezes, ou senti-las por perto, mas nunca se pode acelerar a sua explosão ". " O bem não é nem pode ser outra coisa senão a liberdade !", gostava ele muito de frisar. O repto de libertação mais eficaz e livre foi descrito por Castoriadis na sua(s) tese(s) sobre Maio 68 : " Quem fez Maio 68? Que partido fez Maio 68? Nenhum. (...) O lugar da política está em toda a parte. O lugar da política é a sociedade ". Salut! Niet