03/01/12

Excertos de uma entrevista de George Steiner: a Europa, a globalização e as estrelas amarelas

Alguns excertos de uma entrevista de Georges Steiner, realizada por Juliette Cerf.


A Europa vive uma crise profunda. A seu ver, o colapso é uma possibilidade? 


No estado atual, é possível. Mas vamos sair desta situação de uma forma ou de outra. Irónico é a Alemanha poder voltar a dominar. É um passo atrás. Entre agosto de 1914 e maio de 1945, a Europa, de Madrid a Moscovo, de Copenhaga a Palermo, perdeu quase 80 milhões de pessoas em guerras, deportações e campos de extermínio, fome, bombardeamentos. O milagre está em que sobreviveu. Mas a sua ressurreição foi apenas parcial. A Europa está a passar por uma crise dramática; está a sacrificar uma geração, a dos seus jovens, que não acreditam no futuro. Quando eu era jovem, havia esperanças para todos os gostos: o comunismo, com certeza! O fascismo, que foi também uma esperança, não nos deixemos enganar. E, para os judeus, havia ainda o sionismo. Havia ideologias aos montes... Isso já não existe. Ora, quando a juventude não é tomada por uma esperança, mesmo que ilusória, o que resta? Nada. O grande sonho messiânico socialista conduziu aos gulags e ao socialista francês François Hollande – tomo-lhe aqui o nome como um símbolo, não estou a criticá-lo. O fascismo descambou no horror. O Estado de Israel tem imperativamente de sobreviver, mas o seu nacionalismo é uma tragédia, profundamente contrário ao génio judeu, que é cosmopolita. Pessoalmente, quero ser nómada. Vivo segundo a divisa do Baal Shem Tov, grande rabino do século XVIII: "A verdade está sempre no exílio."

A globalização não é propícia a esse nomadismo? 


Nunca houve um encerramento geográfico como o de hoje. Quando se saía de Inglaterra, podia-se ir para a Austrália, a Índia, o Canadá; agora, deixou de haver autorização para trabalhar. O planeta fecha-se. Todas as noites, centenas de pessoas tentam entrar na Europa a partir do Magrebe. O planeta está em movimento, mas em que direção? Terrível, o destino atual dos refugiados. Deram-me a honra, na Alemanha, de fazer um discurso perante o governo. Terminei dizendo: "Senhoras e senhores, todas as estrelas se tornaram amarelas."

Apesar de tudo, ainda se sente europeu?

A Europa continua a ser o cenário do massacre, do incompreensível, mas também das culturas que eu amo. Devo-lhe tudo e quero ficar onde estão os meus mortos. Quero ficar no âmbito do Shoah, onde posso falar as minhas quatro línguas. É o meu grande repouso, a minha alegria, o meu prazer. Aprendi italiano depois do inglês, do francês e do alemão, as minhas três línguas de infância. A minha mãe começava uma frase num idioma e acabava noutro, sem reparar. Não tive língua materna, mas, ao contrário do que se diz, isso é bastante comum. Na Suécia, fala-se finlandês e sueco; na Malásia, falam três línguas. Essa ideia de uma língua materna é uma ideia muito nacionalista e romântica. O meu multilinguismo permitiu-me ensinar e escrever “Depois de Babel”, e sentir-me à vontade em qualquer lugar. Cada língua é uma janela aberta para o mundo. Terrível enraizamento, o [do apego aos valores nacionalistas] do senhor Barrès! As árvores têm raízes; eu tenho pernas, e é um enorme passo em frente, podem crer!

3 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

gosto muito deste senhor

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, camarada Ana, é minha a subida honra de partilhar contigo em tão nobre gosto…

Anónimo disse...

Deleuze nas entre linhas