Do meu ponto de vista, o que distingue a Esquerda da Direita é a recusa da legitimidade da opressão, ou seja da possibilidade de alguém impor limites ao poder de outro (para ser, agir, fazer, ter). Muito esquematicamente, para a Esquerda a opressão pode ser necessária, mas nunca é legítima, enquanto que para a Direita a opressão é legítima, mas pode ser desnecessária. Seria assim de esperar que à Esquerda houvesse como primeira preocupação a identificação de todas as situações (genéricas) de opressão, e só depois uma análise global que, assentando numa valorização relativa das situações identificadas e indivíduos envolvidos, determinasse prioridades e elaborasse estratégias que tivessem como objectivo a minimização (condicionada pela valorização relativa atrás mencionada) de todas em situações de opressão.
Isto vem a propósito da atitude que a Esquerda deve ter perante os apelos à preservação dos actuais ecosistemas, e reversão de algumas das transformações ocorridas ao longo dos últimos séculos. Na minha opinião, de entre as muitas justificações apresentadas juntamente com esses apelos, existem (pelo menos) duas que são particularmente importantes para quem se revê, como eu, na visão da Esquerda acima exposta.
A primeira justificação assenta na recusa da noção de que o conceito de opressão só se aplica a seres da espécie humana. Parece-me óbvio que esta noção é muito perigosa, e herdeira directa da noção (ainda demasiado prevalecente) de que os seres humanos devem ser distinguidos (nomeadamente com base na cor da pele, etnia, sexo ou orientação sexual) no que se refere aos direitos que podem possuir (incluindo o direito a não ser oprimido). Aliás, não demorará muitas décadas até que se comece a colocar a questão do que constitui um ser humano, tendo em conta a evolução prevista da nossa capacidade para manipular o genoma humano. Devia ser óbvio que o reconhecimento de que outros seres vivos também são oprimidos, em particular por seres humanos, não exige que a implementação de medidas que tentem minimizar essa opressão seja tão prioritária como as relativas à opressão exercida sobre seres humanos. Há uma valorização relativa que é preciso fazer de modo consciente, que assentará obviamente num juízo pessoal, necessariamente subjectivo, da importância relativa da opressão e dos sujeitos a ela submetidos.
A segunda justificação releva do facto de muitas das transformações exercidas sobre ecosistemas serem irreversíveis. Tal pode ser considerado como um acto de opressão sobre gerações futuras de seres humanos, em particular. Isto porque estes deixarão de poder usufruir desses ecosistemas, seja do ponto de vista estético, seja do ponto de vista utilitário. Estamos, portanto, também perante uma situação de opressão, em que alguém (hoje) limita a capacidade de outro (amanhã) poder (ser, agir, fazer, ter). Mais uma vez, o reconhecimento de que actos no presente podem resultar em situações de opressão no futuro, não exige que a implementação de medidas que tentem minimizar essa opressão seja tão prioritária como as relativas a formas de opressão em acção no presente. De novo, repito, tem de haver uma valorização relativa que é necessário fazer de modo consciente, que assentará obviamente num juízo pessoal, necessariamente subjectivo, da importância relativa da opressão e dos sujeitos a ela submetidos.
Em conclusão, acho que não é criando limites "artificiais" à aplicabilidade do conceito de opressão que se consegue a unidade de acção em prol dos oprimidos cuja situação consideramos mais meritória de atenção. Tal unidade consegue-se reconhecendo as razões de todos os que combatem diferentes formas de opressão, e construindo caminhos, obviamente resultado de compromissos e cedências, que nos levem a uma sociedade onde essas diferentes formas de opressão são globalmente minimizadas.
22/06/12
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2 comentários:
Hoje em dia falar sobre «direita» e «esquerda» não deixa de ser curioso pois já passaram séculos, ou pelo menos muitas décadas, sobre esse conceito espacial dos que se sentam à direita ou à esquerda no Parlamento...
Pelo caminho tivemos coisas que o autor conhece muito bem, imagino eu, como revoluções, contra-revoluções, conversão do marxismo em leninismo, estalinismo,maoismo, totalitarismo, Guerra Civil de Espanha, adesão da social-democracia ao capitalismo, colonização dos ex-movimento de libertação pela ideologia capitalista, PREC, 25 de Novembro de 1975...Do outro lado (?) da moeda fascismo, nazismo (nacional-socialismo...), salazarismo, franquismo, ditaduras militares latino-americanas...
Talvez esteja na hora do autor re-escrever o texto usando outra dicotomia diferente dessa velha direita / esquerda! Afinal o nosso primeiro problema é que nos faltam (ainda) palavras novas para caracterizar a realidade que vivemos.
Caro Libertário,
A dicotomia Esquerda/Direita é realmente antiga. Na verdade, muito mais antiga do que a Revolução Francesa. Esta apenas deu nome a uma dicotomia que existe desde os primórdios da humanidade, entre aqueles que buscam o Poder, o exercício do domínio sobre outros, e os que lhes resistem em nome da igual participação no processo de decisão em grupo/sociedade. A realidade que vivemos é em tudo idêntica há que existia 10 000 anos atrás. Temos mais uns "gadgets", a interacção humana é mais complexa, mas os mesmos impulsos de dominação e resistência percorrem toda a sociedade.
Cumprimentos,
Pedro Viana
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