18/12/11

Sem Israel haveria "palestinianos"?

É um lugar comum em certos sectores afirmar que, se não existisse Israel, nunca teria chegado a existir um "povo palestiniano". Seria assim?

Vamos tentar aqui um exercício de história alternativa - imaginar uma história decorrendo como decorreu, mas faltando apenas um elemento: o movimento sionista (ou então existindo a uma escala insignificante). Como teriam as coisas ocorrido?

Imagino 3 possíveis cenários:

Cenário 1) Tudo corre como correu: é criada uma "Transjordânia" no principio dos anos 20, e a Grã-Bretanha decide abandonar o território em 1948. De qualquer maneira, teríamos um território chamado "Palestina", administrado pelos britânicos durante quase 30 anos. Olhando para os precedentes na história real, em que as divisões administrativas criadas a regra e esquadro por britânicos e franceses no antigo Império Otomano se converteram em países independentes, mesmo aqueles sem nenhuma tradição prévia (como o Iraque ou a Transjordânia), o mais expéctável é que o "mandato britânico da Palestina" se tornasse também um país, nos primeiros tempos governado por "notáveis" escolhidos a dedo pelos britânicos.

Mas vamos imaginar que em 1948 o Reino Unido decidia integrar a Palestina na Transjordânia. Penso quase não haver precedente de, ao descolonizar, o Reino Unido, em vez de dar independência ao território em causa, o ter entregue a outro país (a única excepção parece-me Hong Kong, mas é um caso muito peculiar), mas vamos imaginar que tinha ocorrido assim. Durante os 30 anos de ocupação britânica de certeza que teriam aparecido movimentos anti-coloniais - afinal, na história real apareceram; além disso, teriam aparecido quase de certeza movimentos pan-árabes (o baathismo estava a aparecer na Síria nessa altura, e de qualquer forma um dos primeiros pensadores do "nacionalismo árabe" era um árabe de Jerusalém); finalmente quase de certeza que teria aparecido um Partido Comunista local (suspeita nº 1 - pelo exemplo real das Frentes Democrática e Popular de Libertação da Palestina, suspeito que os intelectuais critãos teriam um grande peso nesse partido; suspeita nº 2 - pelo exemplo dos Partidos Comunistas egípcio e iraquiano, suspeito que a comunidade judia local - se existisse mesmo sem sionismo - teria dado também muito apoio a esse PC).

Nesse cenário, quando Londres decidisse entregar a Palestina ao rei Abdullah da Transjordânia, quase de certeza que os os anti-colonialistas locais (nacionalistas árabes e comunistas) iriam dizer que isso era neo-colonialismo, que os hachemistas eram fantoches do imperialismo, iriam organizar protestos contra a “pseudo-independência” e pronto, já temos - mesmo integrado numa ideologia pan-árabe -  um movimento nacionalista palestiniano próprio (num modelo mais parecido com o do Sahara Ocidental), e pessoas a dizerem-se "palestinianos" (provavelmente num molde "em primeiro lugar sou árabe e em segundo palestiniano; jordanos, não sei o que isso é - a monarquia jordana foi uma criação do imperialismo e os jordanos são um povo inventado")

Cenário 2) Será que sem a questão do "Lar Nacional Judeu", a Grã-Bretanha (em vez de desanexar um pedaço desértico do "Mandato da Palestina" para criar o "Emirato da Transjordânia") não teria, pura e simplesmente, entregue o território todo a Abdullah? Afinal, o Império Britânico sempre preferiu "proteger" soberanos locais do que recorrer à administração directa. Nesse caso, a história nunca teria chegado a conhecer o nome "Transjordânia", e teria sido criado um "Reino Hachemita da Palestina" nos territórios que hoje constituem Israel, a faixa de Gaza, a Margem Ocidental e a Jordânia. Note-se que o lado oeste do Jordão era mais povoado, com mais cidades, e com mais pedigree histórico, pelo que quase de certeza que ceria o centro político de social desse reino (e Abdullah adoraria instalar-se em Jerusalém - 3º cidade santa do Islão - para compensar o facto de a sua família ter perdido Meca e Medina para os sauditas). Além disso, como o nome que inicialmente os britânciso e a Sociedade das Nações haviam dado a esse território era "Palestina", quade de certeza que era o nome que iria ficar. E pronto, já temos outra vez um "povo palestiniano" ("o "povo jordano" é que não).

Aliás, mesmo no cenário anterior em que a Palestina fosse anexada pela Tranjordânia em 1948, não me admirava que o novo Estado adoptasse algum nome estilo "Reino Unido da Transjordânia e da Palestina", devido ao maior peso social, humano e histórico da parte "Palestina"

Cenário 3) Será que, sem ter tido de lutar contra os guerrilheiros sionistas, a Grã-Bretanha teria abandonado a Palestina? Nesse caso, num mundo sem sionismo, os britânicos não se teriam retirado em 1948 (tal como não retiraram de Adem, para dar um exemplo de outra possessão administrada por eles no Médio Oriente). Provavelmente, a influência da China, da Argélia e talvez da crise do Suez (que talvez nem tivesse existindo num mundo sem Israel...) teria levado ao aparecimento de grupos armados independentistas nos anos 50/60, tal como aconteceu em Adem ou em Chipre. Talvez até tivesse aparecido uma “Frente Popular de Libertaçao da Palestina” ideologicamente alinhada com a “Frente de Libertação Nacional" do Iemén do Sul/Adem .

Mesmo que os britânicos, para não entregar o poder a rebeldes provavelmente marxistas, tivessem então entregue a Palestina à Jordânia, então iríamos ter um choque entre jordanos e palestinianos (talvez em 1970 - um pouco depois de os britânicos retiraram de Adem um pouco antes da independência dos emiratos do Golfo Pérsico - tivéssemos tido batalhas sangrentas entre o exército jordano e os guerrilheiros palestinianos, quando a Jordânia tivesse ocupado a Palestina substituindo o British Army em retirada ); nessa mistura de “cenário Setembro Negro” e “cenário Frente Polisário”, de certeza que teríamos à mesma o conceito de “palestinianos” e que os jovens esquerdistas ocidentais continuariam a gritar slogans “Viva a Palestina Livre”.

Resumindo, aqueles que dizem que o povo palestiniano só existe por causa de Israel parecem-me tomados por uma fantasia baathista/nasserista (será coincidência que defensores de Newt Gingrich se ponham a citar dirigentes da Saika?), estilo "é a entidade sionista que impede a união da grande nação árabe". Na minha opinião, a partir do momento em que a Sociedade das Naçoes atribuiu ao Reino Unido o mandato sobre um território a que chamaram "Palestina" criaram uma sequência de acontecimentos que levaria quase forçosamente ao aparecimento de "palestinianos".

6 comentários:

Anónimo disse...

Há muita desconversa a que, por e simplesmente, não vale a pena responder. É o caso da negação de um povo palestiniano. Posta de parte a notória má-fé, é fácil reconhecer o que é o povo palestiniano. Naturalmente a história, a fundação do estado sionista, os diferenciou dos vizinhos povos arábicos que não a sofreram do mesmo modo. Há identidades regionais que se tornam nacionais. Pouco importa. Por trás há sempre pessoas.
Querem-lhes chamar árabes? Muito bem. Mas são árabes da Palestina. Ou de Israel. E são árabes porque falam arábico!Não porque "vieram" da Arábia! É tudo demasiado conhecido...

Anónimo disse...

Há o perigo de o M. Madeira se encostar a uma visão demasiado sincrónica da história do afrontamente entre Israel e os palestinianos, dois povos e identidades sugeitos às aléas mais controversas e inverosímeis que se possam imaginar. Porquê? Pela extrema dependência do jogo das potências coloniais, a partir de 1920, e do diktat da Pax Americana ,apòs a II Guerra Mundial, que alteraram, a seu belo prazer, os lances de mediação e partilha que a ONU tinha planeado antes da instauração do estado de Israel em 14 de Maio de 1948, com a divisão proporcional do território da antiga Judaica. Os palestinianos revoltaram-se contra o tratado de Balfur(1917), em 1920 e 1936/39, de forma a impedir a secessão inglesa do seu ancestral território. A Inglaterra manipula a todo o transe e chega a convencer, em 1920, o rei Fayçal, da Arábia Saudita, a conquistar a Síria para ai ser instalada a Palestina como província...Portanto, há que tentar distinguir as séries políticas e históricas de interconexão sucessivas do afrontamento Israelo/Arábe( Palestina), ao longo de mais de 60 anos de altos e baixos, com a Guerra dos Seis Dias(1967), a Intinfada-1( 2000), as sucessivas declarações da Autoridade Palestiniana tutelando a Faixa de Gaza, desde 1993, como o indica Stephen M. Walt,consagrado estudioso da " questão máxima e infinita ". Salut! Niet

Miguel Madeira disse...

Niet, só um preciosismo - o rei Fayçal em questão é o futuro Rei Fayçal do Iraque. Ele (tal como o Abdullah, seu irmão) eram de território (o Hejaz) que hoje em dia fica na Arábia Saudita, mas não eram "da Arábia Saudita", que nem existia na época e que foi criada exactamente contra a família deles

Anónimo disse...

M.Madeira, a falar e a dialogar é que se evolui.Sombras e muros, não. Tem razão,claro, pois a Arábia Saudita foi criada em 1939, salvo erro.Esse prodigioso Médio Oriente é uma fonte de ensinamentos e paradoxos, onde arriscar doxas e tirar ilacções é mesmo corajoso.Salut! Niet

Anónimo disse...

Um preciosismo mesmo. Já agora... Israel foi um reino que teve o seu termo por conquista em finais do século VIII a.C.. Desde essa altura e até à fundação do moderno estado de Israel, não existiu qualquer entidade política, no Médio Oriente ou em qualquer outra parte do mundo, com tal nome. A existência deste reino foi curta. 300 anos. Um número redondo.

Anónimo disse...

"Israel" e "Palestina", israelitas e filisteus, surgem, na História e no Médio Oriente, a par.