07/02/15

A Grécia está a pedir mais dinheiro?

Imagine-se que eu devo 1000 euros a alguém (950 euros que pedi emprestados mais 50 euros de juros) e está a chegar o dia do pagamento.

Imagine-se então que eu digo ao meu credor "não tenho dinheiro para te pagar e vais ficar a arder com o dinheiro - é chato, mas é a vida".

Poderão ser feitas muitas objeções morais a este comportamento, mas acho que ninguém diria que estou a pedir mais dinheiro (só se diria isso se eu, além de dizer que não ia pagar os 1000 euros, ainda pedisse mais dinheiro adicional).

Mas agora vamos supor outras duas situações:

a) em vez de dizer que não pago, peço para só pagar os 1000 euros daqui a dois anos

b) ofereço-me para pagar já 3 euros e os outros 997 daqui a dois anos

Fará sentido agora, dizer que estou a pedir mais dinheiro? De novo, parece-me que não. O cenário a) é muito parecido com o cenário original - só que em vez de renunciar unilateralmente à dívida, estou a pedir a autorização do credor e a dar-lhe alguma esperança de vir, com sorte a recuperar o dinheiro. Quanto ao cenário b), é ainda mais soft que o a), já que estou efetivamente a pagar um bocadinho do que devo.

Ora o que a Grécia está a pedir é um acordo deste género (como a Grécia tem - ou pelo menos tinha - um ligeiro superavit primário, será mais a situação descrita em "b") - até é possível que formalmente esteja a pedir novos empréstimos, mas é para pagar empréstimos (ou juros) que vencem agora (o que o torna, em termos reais, idêntico aos casos que apresento).

É verdade que também há a questão dos empréstimos do BCE (ou do Banco da Grécia com a autorização do BCE) aos bancos (que o governo grego está a tentar que se mantenham), mas creio que aí é um caso diferente: por um lado, porque estamos a falar de empréstimos aos bancos e não ao Estado; e, por outro, porque aí trata-se do problema de tesouraria implícito ao negócio bancário com reservas fraccionais (seja na Grécia ou na Alemanha) - como os bancos concedem empréstimos a longo prazo mas os depositantes (os à ordem, mas também os a prazo) podem levantar o dinheiro quando quiserem, correm o risco de estarem sujeitos a "corridas ao banco" e insolvência se não tiverem alguém que lhes possa emprestar dinheiro vivo quando os depositantes querem levantar hoje dinheiro que o banco só vai receber daqui a uns anos (se, de repente, o BCE anunciasse que já não autorizaria cedências de liquidez aos bancos alemães, estes possivelmente também ficariam em maus lençóis, por mais poupados que os alemães sejam).

7 comentários:

Petrus Monte Real disse...

Uma lição de economia, em linguagem perceptível,
que merecia ser divulgada
a nível nacional!
Falar claro sobre economia
é um problema que
normalmente afecta
economistas
críticos e comentaristas
do sector ou da área
como agora
sói dizer.
Porque será?

Paulo Marques disse...

É um perdão porque é um pagamento que depende do aumento da inflação, e portanto, será sempre menor.
Não que haja problemas com isso... O problema é o usuarismo que é cada vez mais normal.

João Vasco disse...

Nightwish,

O texto não discute se é um "perdão": é evidente que qualquer atraso no pagamento original prejudica os credores, e é sempre possível imaginar que corte na dívida a amortizar prejudicaria os credores exactamente da mesma maneira. E acho que o próprio Miguel Madeira já fez essa mesma observação no seu blogue "Vento Sueste", se não aqui.


Aquilo que o texto diz - e bem - é que a Grécia não está a pedir mais dinheiro, novos empréstimos. De facto, não está.

joão viegas disse...

Caros Miguel Madeira e João Vasco,

Sobre a pequena questão terminologica, não tenho a certeza de seguir o vosso raciocinio. Uma vez que um emprésitmo consiste em pedir dinheiro até uma certa data, se não houver reembolso do dinheiro na data em questão, normalmente com pagamento de juros, sempre se esta a pedir outro empréstimo (ou seja esta-se a pedir para continuar com a posse do dinheiro até uma nova data)...

Ha alguma coisa que me esteja a escapar ?

Não que ache injustificado ou chocante. Apenas não percebo o que v. estão a querer dizer.

Abraço

Miguel Madeira disse...

Creio que só faz sentido dizer que se está a pedir mais dinheiro quando se está a pedir mais dinheiro além do que já está em dívida (pegando no caso extremo de quem simplesmente diz que não paga, não se costuma dizer que nessa situação se está a pedir mais dinheiro); e veja-se a quantidade posts espelhados pela internet dizendo coisas como "não pagam e ainda querem mais" (o que só faz sentido dizer se se tratar o "não pagar" e "pedir dinheiro" como se referindo a coisas distintas, e não a simplesmente duas formas diferentes de dizer a mesma coisa)

joão viegas disse...

Ola,

E' claro que dizer "não pagam e ainda querem mais" é errado, mas também é esquisito estar a dizer que se trata do mesmo empréstimo, como se o prazo não fosse uma parte fundamental deste.

Tanto quanto consigo perceber, quem pede para pagar mais tarde esta, ao mesmo tempo, a pedir para que não sejam accionados os mecanismos previstos em caso de incumprimento. Portanto tudo se passa como se tivesse pago com dinheiro emprestado... Logo dizer que apenas continua com o mesmo empréstimo é um bocado barroco... A menos claro que estejamos a falar de um "empréstimo" a fundo perdido, mas nesse caso é improprio falar de empréstimo (e tanto quanto sei, isto não corresponde ao caso grego).

Abraços

MJH disse...

Uma vez que no acordo do empréstimo são incluídos juros, manter o valor em dívida protelando o seu pagamento para além da data acordada equivale, no mínimo, a "pedir mais dinheiro", o necessário para cobrir os juros que decorrerão entre tal data e o dia futuro em que o pagamento seja efectuado.

Mário J. Heleno