16/02/15

A "proposta" que o Eurogrupo apresentou à Grécia

O rascunho da proposta que foi apresentada na reunião de hoje (após o qual Varoufakis declarou que não é possível um acordo).

Para se ver como essa proposta era inaceitável para a Grécia (e se calhar foi apresentada de propósito para ser recusada), olhe-se para o quarto parágrafo:
The Greek authorities commited to ensure appropriate primary fiscal surpluses and financing in order to guarantee debt sustainability in line with the targets agreed in November 2012 Eurogroup statement. Moreover, any new measures should be funded, and not endager financial stability
Repare-se sobretudo no "in line with the targets agreed in November 2012"; isto é, manter na mesma as metas para a redução do deficit (deixando tudo na mesma).

11 comentários:

Sérgio Pinto disse...

E' ainda pior que manter as regras de reducao do defice. E' a imposicao de manter um superavit de 4.5% do PIB por uma enormidade de anos. Ou seja, obviamente inaceitavel.

José Guinote disse...

O Eurogrupo não abdica de ser ele a determinar que tipo de politica os gregos podem aplicar. Não abdica da destruição dos serviços públicos, da compressão salarial, da privatização da economia. A Grécia foi o primeiro laboratório para aplicar na Europa o modelo americano de sociedade, pós neoliberal. O Eurogrupo não quer deixar a presa, não admite a possibilidade de os gregos ousarem querer decidir o seu futuro pelas suas cabeças. Neste momento temo que estes alucinados - esta vergonhosa unanimidade entre a direita e os socialistas - ponham definitivamente em causa a ideia da Europa dos povos. Será um rude golpe na paz e no progresso.

Miguel Serras Pereira disse...

Subscrevo o comentário do José Guinote. Mas acrescento que, até mesmo em termos de Realpolitik e da defesa do seu lugar na cena "global", insistir em vergar a Grécia, ao mesmo tempo que se renova o "espírito de Munique" frente a Putin, parece absolutamente irracional.

msp

João Valente Aguiar disse...

Não acredito que a UE queira expulsar a Grécia do euro. Do ponto de vista de quem perderia investimentos de triliões de euros e de quem abriria uma brecha colossal para a desintegração do espaço comunitário (o que faria da própria Alemanha uma economia muito menos relevante no espaço de competição global com a China e os EUA), creio que a abordagem do Eurogrupo não passa de pura chantagem. Seria um contrassenso total que os mesmos que têm gizado um plano plenamente racional de salvaguarda de investimentos e preparação de uma integração europeia mais robusta (união bancária, unificação orçamental e fiscal, programa de QE) agora se lembrassem de colocar tudo isso em causa.

Todavia, há um factor que pode baralhar estas "contas".

Dito de outra maneira, estes não são exactamente os mesmos, como disse acima. Certamente que pertencem à mesma classe social de gestores, mas quem tem estado nas discussões do programa transitório com o Estado grego são os governos dos Estados nacionais, com a linha de Schauble e do Bundesbank (contrária ao QE e a uma maior integração europeia) à cabeça. Creio que este desfasamento entre duas grandes correntes da tecnocracia europeia explica que a linha mais europeísta tenha supostamente apresentado uma proposta (por Moscovici) que Varoufakis se preparava para assinar, e que a linha de Schauble e hegemonizada pelos governos mais pró-austeritários (Alemanha, Espanha, Finlândia, Holanda, etc.) tenham colocado em cima uma proposta absurda. Creio que grande parte da discussão tem estado "encanzinada" por estar a decorrer no Eurogrupo e não entre a Comissão Europeia e o Estado grego. O Eurogrupo representa o plano mais politiqueiro e onde os ministros das finanças estão mais preocupados com a reacção dos seus eleitorados nacionais do que com uma reformulação e melhoria do projecto europeu. Ou seja, é o espaço onde os egoísmos nacionais mais podem ser manipulados: «A questão não é o tempo do programa, é sobre a sua substância e credibilidade, diz Wolfgang Schäuble, indicando que muitos outros ministros disseram no Eurogrupo que têm pensões e salários mínimos mais baixos que a Grécia e que têm de justificar isso aos seus eleitores». Dentro da divisão de forças inscrita nas instituições europeias, não podia ter calhado pior ao Estado grego ter de debater estas questões com os tipos mais revanchistas e mais irracionais, inclusive do ponto de vista capitalista.

João Valente Aguiar disse...

(cont.)
Mesmo tendo tudo isto em conta não acredito que passe de um estratagema político para obrigar o Estado grego a não modificar a política económica e orçamental. O maior problema é que esta corrente de tecnocratas menos europeísta atrasa e dificulta a capacidade de a UE integrar novos mecanismos da mais-valia relativa e mais europeístas que o Syriza gostaria de introduzir, um pouco como o PT conseguiu (com muito maior facilidade) no caso brasileiro, precisamente porque ali a economia não se encontrava bloqueada. Se o Syriza recuar em demasia, como quer aquela corrente conservadora, as próprias esperanças de desbloquear a economia a partir da contribuição de reivindicações e de medidas desenhadas a partir da esquerda mais-relativa vêem-se reduzidas. E parece ser isto que a linha conservadora da tecnocracia quer evitar a todo o custo. Numa Europa mais integrada, as instituições nacionais dos grandes Estados perderiam a hegemonia política que ainda detêm. Creio que grande parte do que se passa nas actuais negociações também é parte desse conflito interno a uma tecnocracia que tem convivido numa guerra surda entre os europeístas integracionistas e os conservadores que querem uma Europa de grandes Estados dotados de uma grande dose de autonomia.

Porém, duvido que mesmo esta corrente mais conservadora queira mandar a Grécia ao charco, já que a própria configuração actual da UE dificilmente sobreviveria. Por isso é que tudo isto me parecem manobras de chantagem. Se a própria tecnocracia conservadora actuasse de maneira a expulsar a Grécia do euro, ela estaria a ser a melhor aliada possível dos nacionalismos partidários, à esquerda e à direita.

Na questão grega, o destino da União Europeia está a ser jogado no seu sentido mais amplo e profundo.

Miguel Madeira disse...

Isto também não ajudará muito:

Hamburg election: AfD enters first parliament in West Germany, CDU at record low

[Apesar da ironia do partido-irmão da AfD no Parlamento Europeu estar no governo grego]

João Valente Aguiar disse...

«Greek Finance Minister Yanis Varoufakis laid out his hope that an agreement will be concluded in time and that visible progress could still be made within the next 48 hours.

He said he had been willing to sign a draft statement, later scrapped by the eurozone on Monday, that involved Athens delaying its implementation of its austerity program in return for loans and the start of a 6-month negotiation to a future financial arrangement.

"We are ready and willing to do whatever it takes to reach an agreement over the next two days," he said.»
http://www.ekathimerini.com/4dcgi/_w_articles_wsite1_1_17/02/2015_547362

João Valente Aguiar disse...

Muito interessante a resposta do Tsipras há minutos: «Tsipras está otimista sobre a capacidade de se encontrar uma solução que coloque um ponto final nas divergências, e diz que a posição do Eurogrupo não reflete a posição dos líderes da União Europeia» (http://observador.pt/2015/02/17/risco-de-saida-da-grecia-da-zona-euro-50-diz-o-commerzbank/#liveblog-entry-54246)

Anónimo disse...

A notável análise de JV.Aguiar esquece um factor muito pouco transparente e em crise conjuntural, é certo, que é o Joker do " sistema " socio-politico de Poutine, um patchowork de celestiais contornos burocráticos estatistas. Parceiro económico alternativo da Alemanha - vital e com mutuas dependências - a Rússia de Poutine está a tentar " controlar "a Ucrânia para dividir a NATO e encorajar o poder alemão a afastar os USA de uma solução que, como é evidente, só pode passar pelo reforço dos laços económicos entre Berlim e Moscovo. Tudo isso torna o " estilo "da liderança " de Merkel muito mais prepotente e altiva face à debilidade económica real da maioria dos estados-membros da Zona Euro, vituperiados e ultrajados periodicamente pelas franjas mais sofisticadas do capitalismo renano. Niet

João Valente Aguiar disse...

Pois é verdade Niet. E ainda há a tecnocracia autoritária russa liderada pelo Putin para acrescentar achas (muitas) à fogueira...

Anónimo disse...

Thanks, JV Aguiar. A Rússia emploga-me e, como em tudo, os correspondentes do Finantial Times e do W. Post e NY Times em Moscovo fornecem-nos dados quotidianos para tentar perceber. Incontornáveis me parecem ser os trabalhos de Ellen Mickiewicz- " No Illusions - The voices of Russians´s futur leaders ",da OU Press e o pavé de William Zimerman - " Rulling Russia - Autoritarianism from Révolution to Putin ", da Princepton U. Press. Salut e bom vento! Niet