26/02/15

Alfredo Barroso sobre o PS: "Hoje tenho vergonha de escrever por extenso Partido Socialista"

Embora — depois de durante os últimos anos ter apelado ao voto nas suas listas — eu não tencione, ao contrário do Alfredo, continuar a recomendar o voto, ainda que simplesmente táctico ou útil, num BE cada vez mais subordinado à agenda do PCP e em cujas fileiras grassa cada vez mais fortemente um "antieuropeísmo geoestratégico", que é o contrário da oposição e a luta  democraticamente necessárias contra a actual direcção política e governação económica da UE,  creio ser de utilidade pública divulgar na íntegra os termos da sua declaração de guerra ao PS, do seu repúdio dos cálculos conformistas do Tempo de Avançar,  bem como de todos os outros considerandos — a debater, sem dúvida — que a fundamentam. Aqui fica o documento, pois, com um abraço autogestionário ao seu autor.



DEPOIS DA IGNÓBIL «CHINESICE» DE COSTA, ABANDONO O PS, E É JÁ!

Sou um dos fundadores do PS (em 1973) e sou, hoje, o militante número 15 do partido (com as quotas em dia). Mas já chega! Nunca me passou pela cabeça que um secretário-geral do PS se atrevesse a prestar vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da República Popular da China, e se atrevesse a declarar, sem o menor respeito por centenas de milhares de desempregados e cerca de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, que Portugal está hoje melhor do que há quatro anos. A declaração de António Costa é uma vergonha!

Ainda esta semana, enviarei à direcção do PS (hoje tenho vergonha de escrever por extenso Partido Socialista) uma carta muito simples, sem considerandos ou justificações, solicitando, pura e simplesmente, a minha desfiliação do partido. Tenho 70 anos e quero acabar a minha vida com alguma dignidade e coerência. O que não é manifestamente possível continuando a militar no PS! Para além da inqualificável «chinesice» do actual secretário-geral do PS, não é difícil encontrar os fundamentos ideológicos e políticos da minha atitude no livro que publiquei em 2012, sobre «A Crise da Esquerda Europeia», assim como nas conferências que fui fazendo e nos ensaios que fui publicando.

Não, não vou aderir a qualquer outro partido. Mas vou apoiar e votar no Bloco de Esquerda, tentando contrariar o oportunismo daqueles que se tornaram dissidentes do BE aproximando-se do PS de António Costa, à espera de um «lugarzinho» na mesa do orçamento, ou seja, na distribuição de cargos num futuro governo. Sou dos que passaram pela política - pela Administração Pública, pelo Governo e pela Presidência da Repúiblica - sem qualquer propósito de se governarem. E é certo que não me governei. E ainda bem. Orgulho-me disso! Não duvido das miseráveis campanhas que a «ralé» que tomou conta do «aparelho» do PS é capaz de se atrever a desenvolver contra mim.

A «CHINESICE» DE COSTA É UM TIRO DE CANHÃO NO CORAÇÃO DO PS

Este foi o passo fatal que António Costa, secretário-geral do PS, nunca devia ter dado, por uma questão de coerência e dignidade, e por respeito pelas centenas de milhares de desempregados e pelos milhões de portugueses no limiar da pobreza, vítimas da brutal política de austeridade levada a cabo, com crueldade e enorme insensibilidade, pelo governo de extrema-direita neoliberal de Passos Coelho e Paulo Portas, com a conivência de Cavaco Silva.

António Costa admitiu que Portugal está numa situação «bastante diferente daquela em que estava há quatro anos», ou seja, para melhor. A afirmação do actual secretário-geral do PS (António José Seguro deve estar a rir de mim a bandeiras despregadas) foi proferida há poucos dias (em 19 de Fevereiro), no Casino da Póvoa, perante uma «plateia» de chineses radicados em Portugal, a pretexto da celebração do Ano Novo Chinês. O Ano da Cabra, caramba!

Segundo o EXPRESSO Diário, «depois de elogiar 'a relação e forma extraordinária como a comunidade chinesa se tem integrado' no nosso país, o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa reconheceu o 'apoio' que 'os chineses e os investidores chineses' deram nestes últimos anos a Portugal'». Disse ele: «Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses, os investidores chineses, disseram 'presente', vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás». E agradeceu «à China todo o apoio que nos deu». Prestou assim miserável vassalagem à ditadura simultâneamente comunista e neoliberal que impera na República Popular da China. Não admira que a direita portuguesa, por via de um dos extremistas mais reaccionários do CDS-PP, o eurodeputado não-cónego Nuno Melo, tenha aproveitado este agradecimento de António Costa à ditadura chinesa para reclamar que o actual secretário-geral do PS «agradecesse da mesma forma aos portugueses que o tornaram possível». Uma humilhação e uma vergonha para todos os socialistas (pelo menos os que o são mesmo!), através de um vídeo que, ao que parece, se tornou viral, graças a um dos mais populares blogues da direita portuguesa, o «Blasfémias» ,que o intitulou «Portugal está diferente». Depois disto, eu só desejo que António Costa vá para o raio que o parta, mais a canalha de direita que tomou conta do PS. Por mim, vou-me embora deste partido que ajudei a fundar, e é já! Agora só falta mesmo o PS apoiar como candidato a Belém o advogado de negócios António Vitorino, que vai ser o próximo presidente da assembleia geral da «chinesa» EDP e membro do respectivo conselho geral, presidido pelo ignóbil Eduardo Catroga. Ah, é verdade, e porque não, já agora, apoiar o inefável Jorge Coelho como candidato a primeiro- ministro?!

9 comentários:

joao disse...

Ora aqui está um socialista com tomates.

Libertário disse...

Não sei se vale a pena um conselho mesmo assim dou: fujam das guerras de poder no PS.
Quando sabemos como Soares, e o secretário Barroso, guardaram o socialismo na gaveta, serviram caninamento Carlucci e cia. Foram buscar os grandes capitalistas fugidos com o 25 de Abril. Devolveram as empresas e terras ao grande capital e latifundiários. Serviram docilmente as políticas internacionais norte-americanas, deixaram que os seus jovens arrivistas se atirassem ao bolo do orçamento de estado etc., etc., etc. É preciso ser retardado político para ainda esperar alguma coisa desse tal PS, seja qual for o secretário-geral...

Miguel Serras Pereira disse...

Libertário,
eu, do PS, não espero nada de bom. O Alfredo Barroso, dir-se-ia, que, doravante, também não. Devia ele ter deixado de esperar mais cedo? Pode achar-se que sim, sobretudo tendo em conta a sua inteligência e outros dons. Mas isso não invalida o interesse das razões que expõe para o fazer agora. Por fim, não me parece que publicar o texto que ele escreveu seja entrar em guerras internas do PS. O resto consta já, em resumo, da breve apresentação que acima deixei.

Abraço

msp

José Guinote disse...

Alfredo Barroso tem tido posições críticas da austeridade, do rumo seguido pela Europa, da ausência de alternativa às politicss neoliberais que tornam compreensível esta posição. É pública a sua oposição à venda ao capitalismo de estado chinês das empresas estratégicas nacionais. Tendo apoiado Costa contra Seguro no mínimo deve estar desapontado. É uma posição politica forte. A crítica ao Tempo de Avançar é igualmente certeira. Importa-me pouco o que ele terá feito em tempos. Diz que vai apoiar o BE mas isso é a repetição do que se passou nas europeias. Infelizmente esse apoio não irá ajudar o BE a corrigir os seus erros e a sua orientação.

Libertário disse...

"Importa-me pouco o que ele terá feito em tempos."

Quem diz isto, Guinote, não é gago...Mas há um problema, sem memória histórica estamos condenados as tragédias e comédias do passado...

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Libertário, nem colectiva nem individualmente creio que nos devamos considerar reféns do passado. E, por mais importante que a memória seja, o que é decisivo é o que a partir dela fazemos agora.

msp

Libertário disse...

Caro Miguel,

Como disse: "Por mais importante que a memória seja, o que é decisivo é o que a partir dela fazemos agora", não podemos pois abdicar da memória e da experiência histórica, até porque muitas das ideias que ainda debatemos tem raízes no movimento operário e social do século XIX e XX.
Por mais que alguns pensem que estão a começar do zero, e isso é facil de constatar em alguns destes novos movimentos sociais surgidos nos últimos anos, os fantasmas do passado sempre reaparecem. Reforma ou revolução. Capitalismo ou comunismo. Estado ou autogoverno... Podemos então esquecer o que foi, e é ainda, o capitalismo, a social-democracia, o leninismo?
Podemos esquecer como o PS foi o agente da reconstrução da ordem capitalista abalada em Portugal pelas movimentações sociais que se seguiram ao 25 de Abril?
Como disse, "o que é decisivo é o que a partir dela (da memória) fazemos agora", nesse ponto estamos evidentemente de acordo.


Miguel Serras Pereira disse...

Caro Libertário,
creio que estamos de acordo no fundamental. Mas quero crer que é a partir da experiência presente, ainda que moldada mais ou menos explicitamenmte pelo passado, que a grande maioria da gente comum poderá decidir-se a lutar por um modo alternativo de viver e de organizar as condições de existência, o que implica também um modo alternativo, não "teórico" mas indissociável da acção, de ver e de reflectir, de falar e debater, de imaginar e interrogar, que levará, entre outras coisas, à redescoberta e reelaboração da história (colectiva e individual) como via de extensão do possível e das dimensões potenciais de criação instituinte soterradas pelas versões instituídas da realidade.
Dito isto, só quero acrescentar que não se trata aqui de uma uma objecção ao que acabas de escrever, e que reitero os termos da conclusão do teu comentário.

Abraço

msp

José Guinote disse...

Acho importante a memória histórica com certeza mas há aspectos colectivos e individuais a considerar. Alfredo Barroso tem o seu percurso e a partir dele faz as suas opções. Não me atrevo a sob a capa de uma suposta memória histórica moralizar sobre as suas opções. Subscrevo a crítica que ele faz e compreendo a sua decisão, tout court.