23/02/15

Timeo Danaos



O acordo que saiu do Eurogrupo concedeu ao governo grego uma folga temporal preciosa num contexto difícil. É preciso relembrar que os principais detratores de Varoufakis et al. começaram por garantir que as suas promessas não chegariam ao fim de Fevereiro. Pois eis-nos no fim de Fevereiro e as medidas tomadas imediatamente a seguir às eleições parecem ter vindo para ficar (e que jeito nos dava um aumento do salário mínimo por estas bandas*), o dinheiro necessário para fazer face aos encargos da dívida aí está e as medidas que constavam do memorando da troika foram substituídas por um processo negocial no qual o governo Grego tem a iniciativa. Enquanto derrota, parece-me uma situação bastante mais favorável do que qualquer coisa que o governo Português tenha conseguido a partir da sua posição de obediência incondicional.  
Krugman considera que o acordo benficia o governo Grego e Norber Haering analisa aqui as diferenças entre o texto recusado por Varoufakis há uma semana e aquele que o Eurogrupo aprovou agora, sublinhando que as diferenças correspondem quase todas a exigências do governo Grego.
As análises de José Manuel Fernandes, Marcelo Rebelo de Sousa ou Bruno Faria Lopes têm o problema fundamental de corresponder mais aos seus desejos e fobias do que a uma qualquer amostra de rigor ou lógica. O caso de Bruno Faria Lopes é particularmente instrutivo por parecer um exercício de demonstração por absurdo. Quando alguém lê isto "The Eurogroup reiterates its appreciation for the remarkable adjustment efforts undertaken by Greece and the Greek people over the last years. During the last few weeks, we have, together with the institutions, engaged in an intensive and constructive dialogue with the new Greek authorities and reached common ground today"  e conclui que o seu significado é "Nós ganhámos", está simplesmente a transformar um parágrago introdutório desprovido de qualquer significado na reivindicação de uma vitória inexiste. E se um conjunto de  medidas de austeridade já decididas e impostas no programa de ajustamente que acaba de ser revogado passaram a constar de um processo negocial em que a iniciativa parte do governo Grego, Faria Lopes não hesita em concluir que "Nada está garantido". Parece-me uma lógica curiosa esta, a de concluir que nada está garantido agora que se conseguiu abrir uma discussão que constantemente nos garantiram não poder ser aberta... 

Não é menos bizarro o empenho colocado por um dirigente do SYRIZA e da 4ª Internacional em denunciar o espírito conciliatório de Varoufakis, num ostensivo esforço para obter por meio da intriga palaciana aquilo que foi até agora incapaz de conseguir através da argumentação política. Como se uma saída da Grécia da Zona Euro não implicasse severas e gravosas medidas de austeridade ou a necessidade de negociar com as autoridades europeias.
 Fico um pouco intrigado com as conclusões do João Rodrigues a este respeito, uma vez que não sendo irrazoável sustentar que o SYRIZA recuou relativamente ao seu programa eleitoral, parece-me inequívoco que avançou significativamente relativamente à situação que herdou. É um pouco caricato que seja eu a escrever isto, mas tenho para mim que nenhum governo nacional de um país periférico da zona euro tem margem para romper unilateralmente com os constrangimentos colocado pela sua dívida soberana, o que o força necessariamente a navegar nas águas tumultuosas do compromisso. E no meio de tantos elogios à firmeza do PCP, aproveito para relembrar que o partido da classe operária e todos os trabalhadores propõe uma saída negociada da zona Euro e uma conferência intergovernamental para a renegociação da dívida. Ora, uma vez que nenhuma destas coisas coloca quem as defende ao abrigo dos avanços e recuos que a correlação de forças impõe, percebo mal porque razão se acolhe com tamanha severidade os esforços de quem já enveredou precisamente por esse difícil caminho negocial a partir do espaço nacional. 
Não colocando eu as fichas todas em nenhuma solução específica que não tenha em conta a correlação de forças existente à escala europeia - que é como dizer que este difícil combate também se trava no interior da esfera pública francesa e alemã - e partindo de uma posição política que atribui mais importância ao conflito social do que à soberania e à representação parlamentar, parece-me que a estratégia do governo Grego tem o incontornável mérito de explorar a seu favor a questão temporal e, nomeadamente, ter bem presente os calendários eleitorais de outros países. Que se fale apenas e sobretudo de Espanha quando o assunto vem à baila, apesar de também aqui estarem agendadas eleições, é um aspecto que talvez devesse merecer mais atenção por parte de quem se tem empenhado no estudo e elaboração das alternativas. O que me leva a avançar a pergunta para um milhão de dracmas: afinal de contas, porque razão não está a esquerda portuguesa em condições de ajudar o governo do SYRIZA a defender com maior firmeza o seu programa eleitoral? 


* Como atempadamente me avisou o Miguel Madeira na caixa de comentário, fui induzido em erro pelas notícias que li sobre isto. O salário mínimo não foi aumentado (antes foi anunciado o seu aumento no ano que vem) e, na proposta entregue ontem à noite ao Eurogrupo, o seu aumento fica dependente de negociações com os outros governos da zona euro. Isto parece-me bastante relevante e significativo, pelo que não podia deixar de o corrigir. Na avaliação das cedências do SYRIZA, esta parece-me a mais relevante até agora. De resto, tudo permanece vago, como justamente sublinham Christine Lagarde e Mario Draghi.

19 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Bravo, bravo, bravo.

Só duas notas Ricardo.

A primeira para dizer que o facto de o governo grego poder apresentar algumas propostas alternativas para cumprir saldos orçamentais primários mais baixos do que anteriormente previstas, e o facto adicional de pretensamente não ter de incluir novos cortes nas pensões e de aumentar os impostos, demonstra que a tese austeritária "cortar salários, pensões e empregos para pagar o défice" pode ser colocada em cheque, se o governo do Syriza conseguir aprovar e concretizar medidas no âmbito da fiscalidade e do crescimento económico. Por aqui foi uma pequena mas importante vitória.

Em segundo lugar, é curioso que os que clamam pela saída negociada do euro (vd. recente entrevista ao Público de um deputado do PCP) esquecem as tormentas negociais por aspectos bem mais comezinhos (e insignificantes) para as instituições europeias e para os grandes Estados europeus. Como escrevi num texto abaixo «se por causa de algumas pequenas concessões totalmente inscritas dentro do quadro do euro e da UE, o governo grego viu-se e desejou-se, como é que um governo de um país europeu periférico, fosse ele Portugal ou a Grécia, conseguiria negociar o que quer que fosse» num quadro de saída do euro? Por isso é que é uma verdadeira "treta" demagógica o discurso da saída negociada. Ou os meninos que defendem a saída do euro a assumem sem peias e sem demagogias sobre uma negociação (aí sim) absolutamente impossível e com imensas represálias comerciais e financeiras, ou então percebem que a postura do Syriza foi, dado o contexto muito específico actual, a possível.

O triste disto tudo é que a esquerda em vez de andar a discutir como aproveitar a vitória do Syriza para unificar reivindicações comuns a todos os trabalhadores que vivem na Europa (incluindo, como é óbvio, os imigrantes), anda preocupada com suspiros (de saudade?) de um mundo (será que alguma vez isso existiu?) de Estados nacionais plenamente independentes.

Felizmente, no meu modo de ver, essa esquerda vai perder as batalhas todas enquanto não perceber que há que pensar como actuar num plano transnacional, e não projectando modelos económicos do passado e que ainda conseguiram ser piores do que a austeridade...

Abraço

Ricardo Noronha disse...

De acordo João. Acho absurda esta insistência na ideia das «cedências», que deixa tanta gente de esquerda a repetir o que diz José Manuel Fernandes, sendo que tudo isto está apenas no princípio e ainda vai correr muita água sob a ponte. Em todo o caso, o aumento do salário mínimo e a suspensão das privatizações e outras medidas de austeridade são coisas palpáveis e que, até ao momento, só ficam bem ao SYRIZA. E que se argumente com a persistência da herança da austeridade quando se sabe perfeitamente que não existe saída da zona Euro que não implique uma redução dos salários reais continua a deixar-me estupefacto.

Miguel Madeira disse...

Penso que o salário minimo ainda não foi aumentado (ainda que muita comunicação social tivesse dado a noticia de uma maneira que dava a entender que o aumento tinha mesmo já sido efetuado)

José Guinote disse...

Excelente post. A análise feita pelo Norber Haering ao acordo alcançado pelos gregos é muito importante. Há tensões enormes suscitadas pela actuação do Governo grego. Elas não existem apenas no lado direito da barricada. Do lado da esquerda as vozes soberanistas e contra a manutenção da Grécia no euro clamam do interior do Syriza. Essas vozes encontram eco em portugal, não paenas no PCO, mas também no BE, como é referido. Costas Lapavitsas tem por aqui os seus seguidores. Embora eu pense que os alemães farão tudo para impedir qualquer veleidade anti-austeritária tenho a esperança que a forma como o governo Grego tem conduzido este processo - mediatizando à escala global pela primeira vez uma posição anti-austeritária de um governo soberano - e recolhendo e mobilizando apoios globais, possibilite uma solução que seja boa para todos os europeus.

João Valente Aguiar disse...

Ricardo,

os meninos e alguns partidos da esquerda vão atrás do que a direita diz porque só se lembraram de apoiar o Syriza quando perceberam que este ia vencer as eleições de Janeiro passado. Até lá mantiveram sempre um silêncio pudico sobre as propostas europeístas do Syriza. Aliás, nestes últimos dois meses conseguiram a proeza de "apoiar" um programa totalmente contrário ao seu... Em Junho de 2012, aquando das eleições anteriores, e quando defendi o programa do Syriza contra o nacionalismo do KKE e afins, não faltaram funcionários parlamentares e outros a insultar-me do piorio. Agora achavam que: ou o Syriza ia rejeitar o programa europeísta que sempre defendeu, ou a Grécia iria ser expulsa do euro. Como nenhuma delas aconteceu até este momento, agora acordaram e ficam tristes e acusam o Syriza de traição e de cedência, quando, mais coisa menos coisa, está a levar a cabo o que se propôs. Ao menos, esta situação diverte-me.

Sérgio Pinto disse...

Ricardo Noronha,

Optimo post (e que enorme diference relativamente 'a arrogancia despropositada que grassa noutros textos deste blogue).

2 comentario, um minimo, e o outro mais relevante:

1) Penso que o Miguel Madeira tem razao quanto ao facto de o salario minimo ainda nao ter sido aumentado, nem ter havido uma decisao clara relativamente 'as privatizacoes ver, por exemplo, http://www.theguardian.com/business/2015/feb/23/greece-drafts-three-page-menu-of-reforms-to-appease-eurozone - "Leading Syriza politicians stressed over the weekend that their “red lines” would not be breached in the list of measures being drafted on Monday, meaning that commitments to raising the minimum wage, restoring civil service jobs and back-pedalling on privatisation would remain." ). Esperemos que a lista a ser entregue nao tenha cedencias nesse aspecto, o que seria obviamente muito positivo.

(continua)

Sérgio Pinto disse...

(Continuacao)

2) quando se sabe perfeitamente que não existe saída da zona Euro que não implique uma redução dos salários reais continua a deixar-me estupefacto.

Eu sei que a Argentina e' um caso diferente, e que um regime de "currency board" nao e' igual a uma uniao monetaria. Mas acho que o que aconteceu apos 2002 choca de frente com esta certeza sobre a evolucao dos salarios. Principalmente, parece-me que existe frequentemente uma confusao entre o valor nominal dos salarios quando convertidos para dolares (para usar a principal moeda a nivel internacional) e o valor real quando ajustado ao custo de vida no pais. Ou seja, os valores nominais de salarios desceriam, mas tal tambem aconteceria, a nivel geral, com o nivel de precos existentes no pais. O que se torna mais caro, naturalmente, sao bens/servicos como ferias no estrangeiro, ou ir almocar a Paris...

Regressando 'a Argentina, pedia que lessem este relatorio: http://www.cepr.net/index.php/publications/reports/the-argentine-success-story-and-its-implications.

The Argentine economy has grown 94 percent for the years 2002-2011, using International Monetary Fund projections for the end of this year. This is the fastest growth in the Western Hemisphere for this period, and among the highest growth rates in the world. It also compares favorably to neighboring economies that are commonly seen as quite successful, such as Brazil, which has had less than half as much growth over the same period.

During this period, Argentina has seen considerable progress on social indicators. Poverty has fallen by over two-thirds from its peak, from almost half of the population in 2001 to approximately one-seventh of the population in early 2010. Unemployment has fallen by over half from its peak, to 8.0 percent. And employment, by early 2010, had risen to 55.7 percent, the highest on record, as social spending nearly tripled in real terms. Income inequality has also fallen dramatically.

Argentina was trapped in a severe recession from mid-1998 to the end of 2001. Attempts to stabilize the economy and maintain the currency peg to the U.S. dollar, through monetary and fiscal tightening, led by the IMF and backed by tens of billions of dollars in lending, failed to arrest the economy’s downward spiral. In December of 2001, the government defaulted on its debt, and a few weeks later it abandoned the currency peg to the dollar. Recovery began after one quarter of contraction and continued until the world economic slowdown and recession of 2008-2009. Now it has rebounded, and the IMF projects growth of 8 percent for 2011.


E para precaver o argumento habitual de que foi tudo 'a base de exportacoes de petroleo e afins, ver a pagina 7:
Table 1 shows the real contributions to GDP growth by expenditure. It can be seen that the role of
exports is not very large during the expansion of 2002-2008. It peaks at 1.8 percentage points of
GDP in 2005 and 2010, and amounts to a cumulative 7.6 percentage points, or about 12 percent of
the growth during the expansion. The story for net exports is even worse, with net exports (exports
minus imports) showing a negative cumulative contribution over the period. The recovery is driven by consumption and investment (fixed capital formation), which account for 45.4 and 26.4 percentage points of growth, respectively.

Sérgio Pinto disse...

(...) acusam o Syriza de traição e de cedência, quando, mais coisa menos coisa, está a levar a cabo o que se propôs.

Quando tao pouco (ou nada) esta' ainda definido de forma clara, eu adorava perceber como e' que o Joao Valente Aguiar pode afirmar que esta' a levar a cabo o que se propos. Muita vontade por aqui ha' de encarnar variantes do Jose Manuel Fernandes...

João Valente Aguiar disse...

Sérgio Pinto,

ainda bem que acha alguns textos deste blog arrogantes. E sem ironias tomo isso como um elogio e espero sinceramente que os meus estejam nesse lote.

Sobre a Argentina. É um belo exemplo, sem dúvida. Aquilo tem corrido às mil maravilhas... É a inflação, é o Estado (soberano pois claro) a limpar um ou dois opositores, é a riqueza abundante a jorrar por todos os lados... Mas mesmo que se considere o período até 2011, como se pode comparar um país que está numa zona monetária europeia com desvalorizações cambiais clássicas? É de facto notável que os que criticam a "financeirização" sejam os mesmos que querem resolver problemas da estrutura produtiva unicamente a partir de instrumentos monetários...

Sobre as promessas do Syriza. Compare as declarações do Schauble a chamar à primeira proposta do governo grego de cavalo de Tróia e que lhes "exigia" as medidas acordadas com o governo da ND para subir o IVA e baixar pensões até final de Fevereiro e o cumprimento do saldo orçamental primário positivo de 3% para 2015. Se acha pouco lembre-se que o Schauble também dizia que o programa da troika e respectivas medidas e metas anteriormente vigentes deveriam ser cumpridas. Ora, como escrevi no meu texto lá abaixo, o facto de o Syriza poder substituir medidas austeritárias de corte de pensões e aumento de impostos por outras (maior eficiência na colecta fiscal, etc.) e ainda por cima para cumprir uma meta inferior, como é possível alguém dizer que isso é a mesma coisa que estava anteriormente em vigor?
Você pode querer referir-se à questão da sustentabilidade da dívida grega e a sua indexação ao crescimento futuro, etc. mas isso nunca foi assunto em discussão nestas negociações, que se limitavam a prolongar o empréstimo da troika por mais uns meses...

Sérgio Pinto disse...

Joao Valente Aguiar,

Faca o favor de nao me tentar soterrar com homens de palha. Nao o dignifica nem ajuda a sua argumentacao.

Como e' evidente para quem nao esteja de ma' fe' ou quem nao seja imune a dados e a estatisticas, as opcoes politicas de 2014 (ou qualquer ano recente) nao decorrem das escolhas politicas de 2001 ou 2002. A esse respeito, ja' lhe tinha deixado um link no seu post, que aqui repito:
http://krugman.blogs.nytimes.com/2014/02/01/macroeconomic-populism-returns/
Matthew Yglesias says what needs to be said about Argentina: there’s no contradiction at all between saying that Argentina was right to follow heterodox policies in 2002, but it is wrong to be rejecting advice to curb deficits and control inflation now. I know some people find this hard to grasp, but the effects of economic policies, and the appropriate policies to follow, depend on circumstances.

Em relacao aos numeros que evidenciam, para la' de qualquer duvida, uma melhoria clarissima no nivel de vida entre 2002 e 2011, ha' algum comentario? Ha' alguma admissao de erro da sua parte?


Continuando:
como se pode comparar um país que está numa zona monetária europeia com desvalorizações cambiais clássicas

Novo homem de palha. Eu comecei essa parte do meu comentario com a seguinte frase: "Eu sei que a Argentina e' um caso diferente, e que um regime de "currency board" nao e' igual a uma uniao monetaria". Deixo, a quem ler esta troca de comentarios, as conjecturas sobre o que o terao levado a ignorar a frase com que iniciei a minha resposta.


É de facto notável que os que criticam a "financeirização" sejam os mesmos que querem resolver problemas da estrutura produtiva unicamente a partir de instrumentos monetários...

Mais um homem de palha, misturado com um erro conceptual. Quer dar-se ao trabalho de indicar onde e' que eu (ou algum economista de esquerda - excluindo eventuais lunaticos estalinistas) alguma vez afimei que os problemas da estrutura produtiva se resolvem unicamente com instrumentos monetarios?

Pela sua frase, desconfio que vai para ai' uma grande confusao acerca do significado de "financeirizacao". Se soubesse, saberia tambem que o processo de predominancia do sector financeiro foi revertido apos 2002 na Argentina - para tal, ler Inequality and Instability (James Galbraith, cap. 7). E' de resto, baseado neste artigo (http://www.degruyter.com/view/j/bap.2007.9.1/bap.2007.9.1.1176/bap.2007.9.1.1176.xml?format=INT), cujo abstract deixa poucas duvidas:

In both countries we find that inequality rose in the neoliberal period, but that it declined following the severe crises of neoliberal policy, in 1993 in Brazil and in late 2001 in Argentina. This period of post-neoliberalism is characterized in both countries by a decline in the economic weight of the financial sector and a recovery of the position of the civil service.

Sérgio Pinto disse...

Você pode querer referir-se à questão da sustentabilidade da dívida grega e a sua indexação ao crescimento futuro, etc.

Acima de tudo, estava apenas a referir-me ao facto de ser cedo para saber se eles vao cumprir o programa segundo o qual foram eleitos ou nao. Isto deveria ser obvio, dado que ainda nao tomaram qualquer medida e que o processo negocial continua a decorrer.

Da minha parte, espero que consigam implementar o programa pelo qual fizeram campanha (ou pelo menos parte significativa). Simplesmente, tal como e' absurdo ver a direita a ladrar baboseiras sobre 'cedencias', tambem faz pouco sentido ver o Joao Valente Aguiar carregado de certezas sobre algo que ainda nao aconteceu (nem poderia ter acontecido, dado o processo em curso).

João Valente Aguiar disse...

Sérgio Pinto,

para terminar um diálogo que começa a azedar de parte a parte e que me parece começar a maçar os leitores que devem ter mais do que fazer do que nos aturar.

«Deixo, a quem ler esta troca de comentarios, as conjecturas sobre o que o terao levado a ignorar a frase com que iniciei a minha resposta.»
Por quem é. Eu limitei-me a levantar a sua contradição de querer utilizar o caso argentino como comparação com a zona euro. Se não faz sentido comparar um caso com o outro porque o faz?

A pérola do seu penúltimo comentário é esta: «Como e' evidente para quem nao esteja de ma' fe' ou quem nao seja imune a dados e a estatisticas, as opcoes politicas de 2014 (ou qualquer ano recente) nao decorrem das escolhas politicas de 2001 ou 2002». Ah, muito bem. Então para a Argentina 2014 não é ponto de chegada do modelo adoptado desde 2002, mas do euro em 2014 já se pode dizer que é ponto de chegada do modelo adoptado desde 2002...

Sobre a financeirização. Eu não me referi à financeirização no caso argentino mas parti das teses da desvalorização cambial, que os defensores da saída do euro adoptam, para dar conta da incongruência de os que criticam a sucção de recursos da "economia real" para a "finança parasitária" (não são expressões suas mas são recorrentes nesta corrente) e que, afinal, querem resolver os problemas da estrutura macroeconómica focando-se apenas na questão monetária. Sobre esta questão de uma pretensa oposição entre a finança e a economia produtiva: http://passapalavra.info/2012/08/62764

Por último e o mais importante, ainda sobre o caso argentino. É ver as levas de trabalhadores migrantes de todo o mundo a dirigirem-se para lá... É para lá e para a Venezuela... A Argentina é um país fantástico e interessantíssimo, mas gostava de colocar algumas questões. Você acha mesmo que vai conseguir convencer alguém do que na esquerda anti-euro chamam de "povo" dando-lhe o exemplo da Argentina??? Mas algum trabalhador na Europa acha que a economia da Argentina é modelo de sociedade e de estrutura económica?? Acha mesmo que os trabalhadores em Portugal e na Grécia, que justamente se indignam com a austeridade, pensam na Argentina como alternativa? Ou será que não preferiam receber o salário existente na Alemanha ou no norte da Europa? Eu atrevo-me a dizer que mais depressa se encontrariam trabalhadores argentinos a querer receber o salário do norte da Europa e a ter a mesma qualidade de vida existente naqueles países do que o caso contrário... Tudo isto para dizer que a Argentina é muito interessante para os académicos discutirem as virtualidades e os defeitos da desvalorização cambial. Mas na vida concreta de milhões de pessoas, ninguém compara a sua vida nessa base mas avaliando a qualidade de vida, os serviços públicos existentes, os salários auferidos, as oportunidades de emprego, a satisfação das necessidades, etc. É bom recordar que a inflação elevada (em 2014, na Argentina, foi de cerca de 24%) nunca é bem tolerada pelos trabalhadores, e com toda a razão. Aliás, historicamente as lutas contra a carestia de vida dirigiam-se directamente para os preços elevados de bens de primeira necessidade, mas também contra o aumento constante desses mesmos bens no mercado. É preciso a esquerda ter perdido completamente os combates políticos do século XX, e disso não ter consciência (o que é o pior) para achar que vai ganhar milhões de trabalhadores para o seu lado a partir de exemplos de modelos cheios de falhas, sendo a inflação galopante um dos exemplos mais característicos.

nunocastro disse...

Acho que há aqui muita afirmação que labora num erro de interpretação. Por aquilo que vejo o que foi dado foi um balão de oxigénio de quatro meses para o governo equacionar que cortes fazer a seguir. Não consigo descortinar cedências nenhumas - mesmo a questão do excedente primário é de elementar lógica: é, como dizia Varoufakis, vergastar uma vaca à espera que ela dê leite. Por isso nenhum credor estará sequer interessado nesta solução no caso particular da vaca esquálida grega.Acho que até o Shauble daria esta de bandeja.
Agora uma coisa que não é de somenos, mas parece ser apontada pelo RNoronha como um adquirido, é a questão do salário mínimo. Se o Syriza for obrigado a recuar, quem poderá dizer que isto foi uma vitória quando uma das primeiras grandes medidas anunciada com pompa e circunstância sofre um retrocesso liminar?
Por outro lado, dissensões internas a nem um mês das eleições, não me parece prognosticar nada de bom. E como prognósticos só depois do jogo, diria que se tal acontecesse numa coligação nacional tão perto de uma vitória eleitoral com as dimensões destas, já algo começava a ficar podre no reino dos acordos interpartidários. É que isto tem consequências na legitimação do governo.
Dito isto, espero que o Syriza tenha muitas e boas vitórias futuras e que consiga verdadeiramente dobrar a agenda austeritária como todos gostaríamos. Mas não posso deixar de notar um optimismo contentinho em certos bloguers da esquerda que roça uma certa esquizofrenia. Mais realismo por favor - analisar as coisas friamente não significa desistir delas ou fazer concessões ao que "é": seja qual for o pendor ideológico. Ou como dizia o outro, pãozinho senhores do surrealismo, pãozinho.

Ricardo Noronha disse...

Já irei à discussão sobre a Argentina. Nuno Castro, está-se a tornar ligeiramente surreal (mas, infelizmente, longe de surrealista) a forma como citas Cesariny a propósito de tudo e de nada, sempre no pressuposto de que os outros não estão suficientemente alertados para a necessidade de comida no prato.
Mas o que é realmente importante é que, como o Miguel Madeira me alerta, o salário mínimo parece efetivamente não ter sido aumentado já. Vou fazer a respectiva correcção no post, porque isso parece-me bastante relevante. Quanto ao resto, e como tanto Lagarde como Draghi já vieram dizer, o programa apresentado pelo governo Grego continua no domínio da ambiguidade e parece-me corresponder à preocupação original: ganhar tempo.

jose guinote disse...

Ricardo Noronha quer-me parecer, deixe que lhe diga, que a ambiguidade do programa, referida pelo FMI e pelo BCE, não são necessariamente uma má noticia. Joga-se aí, atento o acordo, uma importante margem de manobra para o Syriza. Por exemplo, relativamente ao salário minimo a redacção introduz a sacrossanta flexibilidade mas associa-lhe a "fairness". Mas há ainda as boas notícias relativas ao rendimento mínimo garantido e ao acesso universal aos cuidados de saúde que devem aliás ser melhorados. Uma área em que os cortes na acessibilidade foram brutais. Parece haver importantes - e talvez revolucionárias - medidas relativas às execução das hipotecas sobre as habitações em caso de incumprimento. No caso das privatizações - todas as que ainda não chegaram à fase da apresentação das propostas poderão simplesmente não ser concretizadas, caso o governo entenda que não estão reunidas um conjunto de condições. Mas, há muita gente a esquecer isso, sem a vitória do Syriza a Nova Democracia iria negociar aumentos do IVA e redução dos salários e das pensões, para garantir o mesmo nível de financiamento do actual. Um outro mundo de que os gregos quiseram fugir e de que não dão sinais de arrependimento.

nunocastro disse...

Ricardo Noronha

Sabes o que é Surreal é dizeres que cito o Cesariny - que gosto bem - quando o que faço é citar o pacheco ( foi ele quem escreveu, mas o que é um autor perguntas tu?) Mas como o teu comentário é algo abjecto - get it? - e esse estilo aki não é novo - get it? - fico contento por ver que corrigiste a boutade do salário mínimo, porque essa é determinante.É verdade que a análise do Haeringer diz coisas pertinentes, mas aconselho a ler o economist, porque às vezes convém ver o que se pensa do outro lado da barricada. E aí a interpretação é outra. Portanto nem tanto ao mar nem tanto à terra. Mas perdoar-me-ás: há qualquer coisa de esquizofrénico (sem ofensa e repara que uso o termo com casualidade) quando se pensa apenas num comprimento d'onda.
Continua a varejar a internet por referências literárias.
No hard feelings

Ricardo Noronha disse...

Nuno, não me sinto em condições de discutir contigo o tema da esquizofrenia. Cesariny ou Pacheco, o ponto é que continua a ser uma citação estafada e despropositada, como qualquer um deles te poderia dizer. Quanto ao resto - «abjeto» e «varejar» - acho que sabes onde é que podes ir refletir sobre o assunto.

Sérgio Pinto disse...

Por quem é. Eu limitei-me a levantar a sua contradição de querer utilizar o caso argentino como comparação com a zona euro. Se não faz sentido comparar um caso com o outro porque o faz?

Eu nao disse que nao fazia sentido, disse que eram casos diferentes. Obviamente que e' impossivel encontrar um caso que seja absolutamente transponivel para o da Zona Euro, dado que nao ha' propriamente um longo historial de unioes monetarias e do seu colapso. O exemplo argentino veio, muito simplesmente, no contexto da afirmacao feita pelo Ricardo Noronha acerca da diminuicao de salarios reais (que tambem acho que aconteceria, no curto prazo - embora, como em tudo, o que e' relevante e' o contrafactual).


Então para a Argentina 2014 não é ponto de chegada do modelo adoptado desde 2002, mas do euro em 2014 já se pode dizer que é ponto de chegada do modelo adoptado desde 2002...

E' evidente que nao ha' nada na recusa em abandonar a 'currency board' e em escolher a bancarrota que implique que, 13 anos depois, se persiga oponentes politicos, ou se aldrabe as estatisticas de inflacao, ou se mantenham politicas expansionarias numa economia sobreaquecida. Isto devia ser obvio, dado que sao escolhas inteiramente estanques.

Muito pelo contrario, os problemas de integrar uma uniao monetaria disfuncional, que muito claramente nao cumpre os requisitos de uma zona monetaria optima, ja' existiam em 2002 (alias, diversos economistas alertara para isso 'a epoca, de Krugman a Blanchard) e continuam a existir em 2015. Lamento, mas a suposta equivalencia que voce alega nao faz o menor sentido.


Eu não me referi à financeirização no caso argentino

Pois. Mas, se nao se queria referir a financeirizacao, a accao logica seria nao usar o termo. E, dado que, como refere, eu nao usei as outras expressoes ou a oposicao produtiva/parasitaria que menciona, parece uma discussao lateral.


Você acha mesmo que vai conseguir convencer alguém do que na esquerda anti-euro chamam de "povo" dando-lhe o exemplo da Argentina???

Tal como referido acima, a referencia 'a Argentina tinha um contexto - que, naturalmente, nada tem a ver com a afirmacao/pergunta que voce aqui faz, como se eu tivesse escrito algo do genero. E, naturalmente, em fluxos migratorios, interessam grandemente factores como o nivel absoluto de rendimento, as diferencas para paises vizinhos, o grau de abertura. Naturalmente, nada disto tem a ver com a discussao em curso, que se referia apenas 'a recuperacao da Argentina, evidente e inegavel, apos 2002, manifestas nas enormes reducoes no desemprego e na taxa de pobreza (acompanhadas e potenciadas tambem pela diminuicao da desigualdade de rendimentos).


Por fim, Joao Valente Aguiar, e' curioso que voce fuja permanentemente a qualquer debate concreto e insista em me atribuir posicoes ou afirmacoes que eu nunca fiz, em vez de se cingir aos pontos a que eu me refiro. Igualmente extraordinaria e' a forma como voce se recusa a admitir qualquer especie de erro, mesmo que para isso tenha de atropelar todo o tipo de indicadores, e escolha sistematicamente a fuga em frente.

Sérgio Pinto disse...

Ja' agora, como complemento ao post inicial do Ricardo Noronha, aqui fica uma entrevista de Varoufakis, realizada na Grecia ja' apos o acordo alcancado . E' interessante na medida em que mostra algumas diferencas entre a retorica interna e externa - e surpreendente (para mim, pelo menos), quanto 'a aberta admissao do uso propositado de 'creative ambiguity' no documento enviado ao Eurogrupo.

https://greekanalyst.wordpress.com/2015/02/25/the-juicy-interview-of-greek-finance-minister-yannis-varoufakis/