06/05/15

Eleições no Reino-Unido. O regresso do "Right to Buy"


As eleições da próxima quinta-feira no Reino Unido podem determinar a substituição dos Tories de Cameron pelo Labour de Miliband mas certamente não determinarão uma mudança substancial de política.  O quadro macroeconómico de referência  - como é de bom tom dizer-se nestes tempos dominados pelo economês, enquanto mecanismo de pensamento único – é o da austeridade vigente, quer sob a forma do controlo do défice público, quer sob a forma da diminuição do papel do Estado na economia e da consequente degradação das funções sociais do Estado. Entre os Tories e o Labour venha o diabo e escolha, como de certa forma referiu Krugmam, num extenso artigo, publicado no The Guardian, no qual analisou o fracasso da austeridade e salientou a, por ele chamada,  flacidez da proposta política do Labour - ["(...) It has been astonishing, from a US perspective, to witness the limpness of Labour’s response to the austerity push. Britain’s opposition has been amazingly willing to accept claims that budget deficits are the biggest economic issue facing the nation(...)"] -muito condicionada pela posição reverencial que adopta relativamente aos – errados – pressupostos que justificaram a adopção da austeridade como resposta política à crise de 2008.  O Reino Unido tem assistido ao empobrecimento de uma parte considerável da sua população e ao aumento das desigualdades. Ao longo da campanha várias questões relacionadas com as políticas públicas foram objecto de debate. Essas políticas públicas - cuja degradação se iniciou e desenvolveu sob a mão de ferro de Theatcher  e mais tarde sob a terceira via neoliberal de Blair -  sofreram com Cameron um novo e fortíssimo ataque.  A educação, a saúde, com níveis de sobrevivência para doenças oncológicas muito abaixo da média europeia e a regredirem dez anos, e o enormíssimo problema da habitação são disso exemplos notórios. Nos próximos anos os Conservadores prometeram cortar mais 12 biliões de Libras ao Estado Social o que diz bem da ambição que os anima.
No Reino-Unido são comuns as manifestações de cidadãos pelo direito à habitação e pelo direito à cidade. Não existe apenas uma insuficiente resposta às necessidades de habitação, existe a práctica generalizada de expulsar as populações das zonas alvo de renovação urbana para as periferias mais pobes.  A decisão de isentar os promotores  que realizam investimentos destinados aos segmentos de super luxo, da obrigação de construirem habitações sociais - tratou-se de conceder um benefício de milhões de libras de fundos públicos a esses promotores - provocaram indignação generalizada.   Esse investimento pesado, dos oligarcas russos e dos emires, no imobiliário provoca, além do mais, uma subida generalizada dos preços, excluindo milhões de famílias do mercado. Com as eleições a aproximarem-se, e face à proximidade eleitoral do Labour e à sua indiferenciação, Cameron decidiu apostar tudo,  nas últimas duas semanas, na recuperação do velho “Right to Buy” da avó Teachter, agora recauchutado com uma componente  de habitação para os mais jovens.  Trata-se de financiar os casais que não consigam adquirir casa assegurando o Estado uma percentagem  do preço. A medida, com um público alvo de 1,3 milhões de famílias ,segundo Cameron, é meramente propagandística já que não existem casas disponíveis a um preço tal que possam ser consideradas dentro do esquema proposto.  A necessidade de casas faz-se sentir nos segmentos da procura com mais baixo poder aquisitivo. Pessoas de classe média, pessoas com baixos salários, desempregadas e todos os que são incapazes de obterem crédito bancário para a aquisição. Pessoas que necessitam d~e uma qualquer forma de habitação social para aquisição ou para arrendarem, com rendas subsidiadas ou através de sistemas cooperativos. Pessoas que necessitam de casas que não existem, em suma. No Reino Unido há um paradoxo, com algumas semelhanças ao português – dois dos países com uma política de habitação mais liberal no contexto europeu – há excesso de produção de habitação para os níveis mais luxuosos da procura e há uma completa ausência de produção de novas habitações para as classes médias e baixa. No caso inglês estima-se em mais de 1,5 milhões o número de fogos em falta. Não há solução para este problema sem que o Estado volte a estabelecer uma política pública de habitação que dê uma resposta às necessidades dos seus concidadãos e obtenha os recursos para a poder financiar. Infelizmente as propostas do Labour não deixam nenhuma pista que nos indique ser esse o caminho escolhido, pese embora as críticas ao  Governo e uma maior preocupação, pelo menos verbal, com os mais desfavorecidos. Haverá uma maior justiça nas políticas fiscais e menos subserviência face aos promotores estrangeiros, no limite. O Labour não se compremeteu com a construção de habitações a menores preços embora tenha prometido acabar com a isenção atribuída aos promotores e redefenir o conceito de "affordable housing" .  Também aqui o caso inglês tem muita semelhanças com o nosso. Nestas matérias das políticas públicas mais importantes os partidos do arco do poder jogam o mesmo jogo, com uma ou outra variante. No final será o mercado quem ditará as regras. A análise do que se está a passar no Reino Unido ajuda-nos a perceber o que irá acontecer em Outubro em Portugal, a julgar pelo caminho que as coisas levam.
 

0 comentários: