02/03/17

Estimando o "Quantitative Easing para as pessoas"

Uma ideia que tem sido proposta (e que já referi há uns tempos aqui) é a de os bancos centrais porem o dinheiro em circulação, não através dos métodos que fazem agora (emprestando dinheiro aos bancos e/ou comprando títulos - nomeadamente títulos de divida pública), mas simplesmente distribuindo dinheiro diretamente pelas pessoas (o chamado "quantitative easing para as pessoas"/"dinheiro de helicóptero"; e acho que também poderíamos incluir o "crédito social", que defendia algo muit parecido há quase 100 anos atrás) - ou então emprestando esse dinheiro aos estados que por sua vez o distribuiriam pelos cidadãos (o que no final é quase exatamente - só com a nuance que vou referir no próximo parágrafo - a mesma coisa, ainda que contabilisticamente diferente).

Diga-se que este sistema de pôr dinheiro em circulação tem um potencial problema - no sistema tradicional, é fácil o banco central, se for necessário, reduzir a massa monetária em circulação: é só vender parte dos títulos acumulados, ou então conceder novos empréstimos a um ritmo inferior ao que os empréstimos anteriores vão sendo pagos; já num sistema em que o banco central emita dinheiro dando-o (em vez de emprestando-o ou comprando alguma coisa com ele) não é muito claro como se poderia reduzir a quantidade de dinheiro (diga-se que, na variante em que formalmente o banco central empresta ao estado, e que depois este distribui o dinheiro pelas pessoas, é mais fácil a redução - o banco central simplesmente empresta menos ao estado do que este devolve dos empréstimos passados, e nesse ano o estado lança um imposto em vez de distribuir o subsídio; a grande diferença aqui é que um estado tem autoridade para cobrar impostos e um banco central não).

Mas agora a questão é quanto isso representaria, esse dinheiro distribuído por cada pessoa?

Indo ao site do Banco Centra Europeu, temos as estatísticas, tanto da moeda em circulação (isto é, notas + moedas), como do chamado M1 (isto é, notas+moedas+depósitos à ordem). Estes são os valores em dezembro de cada ano (em billions de euros, o que eu presumo queira dizer milhares de milhões de euros):

moeda em circulação M1 = moeda em circulação + depósitos à ordem dif dif M1
2016 1073 7189 38 591
2015 1035 6598 68 690
2014 967 5908 57 512
2013 910 5396 46 310
2012 864 5086 22 304
2011 842 4782 46 98
2010 796 4684

De dezembro de 2015 a dezembro de 2016, a quantidade de notas e moedas em circulação terá aumentado em 38 mil milhões de euros; se esse aumento fosse feito distribuindo esse dinheiro pelos 340 milhões de habitantes da zona euro, seria o equivalente a pagar a cada europeu um subsidio mensal de 9 euros (hum, não é lá muito impressivo...). De 2010 a 2016, o subsidio oscilaria entre cerca de 5 euros/mês (em 2012) e 16 euros/mês (em 2015).

No entanto, estes valores seriam muito maiores se o "QE para as pessoas" fosse conjugado com outra medida (que ultimamente tem sido defendida por muitos economistas, talvez até mais na direita do que na esquerda) - proibir os bancos de concederem empréstimos a partir dos depósitos à ordem; tal iria fazer com que o M1 fosse idêntico à moeda em circulação (já que seria exatamente igual ter o dinheiro na carteira ou num depósito à ordem), o que levaria a que o BCE tivesse que emitir muito mais dinheiro para compensar o facto de os bancos já não poderem eles criar moeda pelo método de emprestar dinheiro depositado à ordem. Isto é capaz de ser um pouco mais complicado, mas numa versão simplificada poderemos assumir que assim o BCE iria imprimir (e distribuir) dinheiro equivalente ao aumento do M1 - nesse caso, em 2016 equivaleria a um subsidio por pessoa de 144 euros/mês (oscilando entre 24 euros em 2011 e 169 euros em 2015).

1 comentários:

pedro romano disse...

Miguel, os problemas práticos de implementação do 'Quantitative Easing para as pessoas' são um pouco mais vastos do que o que enuncia.

Porém, há uma forma alternativa de obter exactamente o mesmo efeito com o aparato operacional existente. O BCE pode comprar títulos de dívida pública de todos os países europeus (em proporção à respectiva chave de capital, por exemplo), mantê-los no seu balanço e absorver os respectivos juros. Esses juros podem depois ser devolvidos aos Estados europeus (enquanto accionistas do BCE), que usam as receitas para atribuir um subsídio aos cidadãos ou baixar generalizadamente os impostos.

O efeito final é exactamente o mesmo. A vantagem é que é mais fácil de operacionalizar. A desvantagem é que faz menos manchetes :)