05/03/17

É a austeridade, Catarina.

"Houve uma enorme contracção do investimento", diz a coordenadora do Bloco numa longa entrevista ao Diário de Notícias deste domingo.
Pois houve, apetece dizer. Infelizmente, porque há um significado politico e consequências prácticas para essa realidade. O Governo do PS decidiu não questionar o principal fundamento da politica de austeridade -o  controlo do défice público - e decidiu até, na tradição das últimas décadas, ser mais papista que o papa.
Como é que o conseguiu? A resposta é fácil: em primeiro lugar reduzir brutalmente o investimento público ao mesmo tempo que tenta gerir, no quadro herdado do Governo anterior, a degradação dos serviços públicos fruto do desinvestimento contínuo. Em segundo lugar canalizando algumas verbas para sectores menos favorecidos da população - para o que conta com Bloco e PCP - e assistindo com agrado ao discurso do combate ao empobrecimento, numa sociedade fracturada pela desigualdade. Por fim mantendo no essencial a actuação de saque fiscal que a AT concretiza no dia a dia, através da legislação que os Núncios e antes deles os Macedos e outros foram concretizando, e a que uma parte da esquerda pateta, gosta de chamar "eficiência fiscal" e associar à defesa do  "Estado Social".  No final empobrecemos todos, menos os que se libertaram dessa humana condição e recorrem à cooperação/cegueira da AT - que é afinal, na sua injustiça brutal, um alter-ego do sistema politico-partidário que tem gerido o pais -  para colocar os seus capitais nos offshores do regime.
É por isso que a direita está louca com Centeno e com o Governo. É por isso que o crescimento do PS se faz à custa do encolhimento do PSD+CDS. Podemos a prazo ter um Governo do PS de maioria absoluta e parte da Geringonça de novo na oposição.

7 comentários:

rui cs disse...



Isso é verdade, é o preço a pagar por querer cumprir o que a união monetária nos impõe. Mas essa foi a condição que o PCP e o BE tiveram de aceitar nas negociações com o PS para que o acordo (a dita geringonça) fosse possível. Agora, que quer que estes façam? Que eu saiba, a recusa da austeridade - pelo menos este tipo de austeridade neoliberal - só será possível rompendo em última instância com o euro, isto porque se o Mário Draghi deixasse de comprar a dívida portuguesa nos mercados secundários Portugal veria as taxas de juro subir, assim como os apoios que Portugal vai recebendo pelos quadros comunitários de apoio, Portugal seria forçado a emitir uma outra moeda, mesmo que em paralelo com o euro como é sugerido no manifesto subscrito por vários movimentos e partidos de esquerda no último mês. Assim, que alternativa sugerem?

José Guinote disse...

meu caro RUI CS não me parece que o seu comentário tenha alguma coisa a ver com o que escrevi.Aquilo que diz, é a sua opinião legitima, é que o seu quadro de referência mental é a TINA, embora uma TINA de esquerda. Mas o meu artigo trata de outra perspectiva, a de que, com opções politicas diferentes, é possível obter resultados politicos diferentes. Isto a propósito dos lamentos da Catarina Martins sobre a brutal contracção do investimento. Não estamos perante inevitabilidades. Estamos perante escolhas. A lengalenga que soletra sobre o euro, o Draghi e a UE, não nos ajuda a perceber a essência das coisas. Há escolhas politicas a fazer e as que foram feitas são no sentido errado, porque hipevalorizam o controlo do défice. A culpa não é do Draghi nem da UE, é uma escolha politica[errada acho eu]: fazia toda a diferença se o défice tivesse limitado aos seu limite superior - esses milhares de milhões seriam canalizáveis para o investimento público tão escasso segundo os justos lamentos da Catarina. Investimento público significa, na minha perspectiva, recuperar os níveis de investimento nos serviços públicos e aligeirar a parte que é financiada pelos utentes no acesso a esses serviços.
O meu post era sobre isto e o seu comentário - é sempre bem vindo embora possamos discordar - é sobre outra realidade.

rui cs disse...



Caro José Guinote,

Em primeiro lugar, não entendo como em vez de criticar Catarina Martins e o BE que não foram imediatamente responsáveis pelo orçamento de Estado, não critica directamente o PS que é na verdade quem governa. Portanto, acusar a Catarina Martins das responsabilidades que deveriam ser atribuídas ao governo, é simplesmente errar no alvo. Foi o PS quem decidiu (erradamente para si e para mim) não realizar mais investimento público.
Quanto ao resto, o meu quadro mental não é uma TINA de esquerda, ou sê-lo-á tanto quanto qualquer opinião o pode ser. O que penso sobre a opção do governo em funções é o seguinte. Para que tal faça sentido, tem de se acreditar que haverá a nível europeu alguma sensibilidade e simpatia para quem, respeitando os limites do défice, tenta minorar os efeitos da austeridade, pode-se sempre pensar que ao não aplicar em investimento esses "milhares de milhões" o governo de António Costa pretende demonstrar uma fidelidade absoluta aos compromissos europeus, tentando ganhar a benevolência deste no futuro. Assim, seguindo essa lógica (que não a minha, mas a de quem decidiu não realizar esse investimento público) Portugal sairá agora do grupo de países observados pelo défice excessivo, e guardará para o futuro o espaço de manobra para reclamar uma maior flexibilização nos ditos critérios, mostrando como ao longo do seu mandato cumpriu, de uma forma menos neoliberal e penalizadora para as classes mais pobres, os critérios exigidos a nível europeu, de uma forma que nem o governo mais alinhado com a troika de Passos Coelho foi capaz. Se for esta a linha de pensamento de António Costa, ele pensará estar a "somar pontos" para usar no futuro. Não é esta a lógica do meu pensamento, que me parece ser recomendável a saída de Portugal do projecto do euro, mas admito que possa ser uma via possível para compreender a decisão de Mário Centeno e de António Costa. Seja como for, aquilo sobre o qual era o seu post - a responsabilidade de Catarina Martins sobre o investimento público não realizado - não entendo como a pode atribuir a esta.
Rui Costa Santos

José Guinote disse...

Meu caro Rui CS o seu comentário tem algumas considerações interessantes e que eu, pelo menos eu, subscrevo sem qualquer problema. Lamento por isso que não tenha lido com a devida atenção o que escrevi -não estava obrigado a isso, mas já que se deu ao trabalho de comentar, mais valia - e venha afirmar que o meu post é sobre a responsabilidade de Catarina Martins na não realização de investimento público pelo Governo. Um momento de humor ou se quisermos a sua capacidade para descobrir um post alternativo que lhe permitia dizer aquilo que quiser.

rui cs disse...

Reli agora o seu post inicial e creio que terá razão. O título "É a austeridade, Catarina" fez-me ler a sua conclusão - "Podemos a prazo ter um Governo do PS de maioria absoluta e parte da Geringonça de novo na oposição." - como culpabilizando os partidos de esquerda da geringonça deste futuro previsível. Infelizmente, creio que isso é possível, e de algum modo inevitável. Isto é, por um lado o governo deveria realizar mais investimento, e o único benefício da dúvida que se lhe poderá dar, quanto a 2017, será pensar que o próprio Centeno talvez nem sequer acreditasse na possibilidade de conseguir atingir os valores do défice atingido, até porque o crescimento da actividade económica só se consegue ver a posteriori. Agora, por outro - e o facto de estar a ver a situação portuguesa desde 2011 até ao presente no Caribe (Porto Rico) nesta ilha que se afunda a olhos vistos - parece-me que, dada a possibilidade (colocada, por exemplo, num artigo recente de Francisco Louçã publicado no "Público" espanhol) de uma nova crise financeira europeia que poderá arrastar para o charco qualquer alternativa ténue que seja da Geringonça de crescimento da economia e de um aumento do investimento, e sucessivamente de salários, do nível de emprego, esta Geringonça pode ser apenas um interregno de uma idade das trevas contemporânea. Assim, em síntese, reconheço que me equivoquei na interpretação que fiz do seu texto.

José Guinote disse...

E faz bem em reconhecer isso mesmo, acho eu. Fica sobretudo mais claro a sua posição em vez de poder ser confundido com alguns comentadores, como é que eu posso dizer isto?, "militantes". As fundações da nova crise finaceira - não li o artigo do Francisco Louçã, devo dizer - nunca deixaram de ser construídas. A geringonça também é um caso de estudo para o perceber. São ténues as alterações que podiam evitar esse processo. São, pelo contrário, muito fortes os sinais que relevam da manutenção de uma mesma estrutura que se apoia na reprodução do mesmo tipo de comportamentos que conduziu à crise anterior. Temos que olhar outra vez para o imobiliário e para a nova bolha, a da dita reabilitação urbana, que aquece a economia sem questionar, antes pelo contrário, as condições de desigualdade em que essa actividade económica se desenvolve. Ora o que se passa em Lisboa, e noutras cidades ainda que com menor expressão, é a utilização das dinâmicas do imobiliário para acelerar os processos de gentrificação e de expulsão das classes menos desfavorecidas dos centros tradicionais e da cidade.

José Guinote disse...

Meu caro Rui CS no post "A CAIXA NEGRA" falo dessa manutenção dos comportamentos que não podem levar a bom destino. Isso apesar da lengalenga sobre a importância estratégica da Caixa e outras modernidades. Cumprimentos.