Não é coisa que estaria à espera de fazer, mas o último artigo do Miguel Sousa Tavares no Expresso, onde este se arma numa espécie de Dijsselbloem ao contrário, dizendo que a civilização vem toda da Europa do Sul (a democracia grega, o Renascimento em Itália, a Revolução Francesa...) e que a Europa do Norte não produziu nada, leva-me a vir defender a Europa do Norte.
Não vou falar da Revolução Industrial, porque claramente MST está a falar apenas de cultura e política; também não vou falar do protestantismo, porque o seu balanço é ambíguo (há quem diga que a sua ideia de que só o que vem escrito na Bíblia interessa, em detrimento de interpretações posteriores, abriu caminho à democracia e à liberdade individual, porque implica que a palavra de Deus está ao acesso de qualquer um que leia a Bíblia em vez de estar dependente das interpretações feitas uma elite de sacerdotes; mas a mesma atitude também contribuiu para o fundamentalismo bíblico, o puritanismo moral e para as execuções de bruxas - algo que, apesar do mito, tem mais a ver com o protestantismo do que com a Inquisição), nem do Romantismo, porque a sua relevância como movimento estético também é discutível, ou do Idealismo Alemão (porque é possível que ninguém tenha conseguido ler os seus autores).
Vou sim, falar exatamente da democracia e da Revolução Francesa, essas duas criações supostamente "sulistas". É lugar-comum dizer-se que os gregos inventaram a democracia - mas a verdade é que os gregos apenas inventaram a palavra "democracia": cidades governadas por assembleias de cidadãos (com maior ou menos generosidade no que se considera "cidadão") é algo que existiu em praticamente toda a história humana, em montes de sítios (se calhar raras são as cidades independentes que não adotaram alguma forma de governo, se não "democrático", pelo menos "republicano"); e aldeias em que as decisões eram tomadas em reunião geral de moradores sempre foi, creio, mais a regra do que a exceção.
Se formos ver a história da democracia moderna, de onde é que ela vem? A Revolução Francesa foi inspirada pelas Revolução Americana e Inglesas, pelo Iluminismo e por Rousseau (que pode ou não ser considerado parte do Iluminismo); a Revolução Americana foi inspirada pelas Revoluções Inglesas; o Iluminismo teve uma importante contribuição holandesa (acho que era o único país da altura onde não havia censura, e muitos textos eram impresso lá e depois distribuídos pela Europa); a obra de Rousseau teve provavelmente alguma influência da sua Suiça natal (o "Contrato Social", em muitos aspetos, é simplesmente o funcionamento dos cantões suíços levado ao extremo); as Revoluções Inglesas tiveram influência da Magna Carta e também influência holandesa (a Revolução de 1688 pouco mais foi que uma invasão holandesa de Inglaterra). Ou seja, a história das revoluções democráticas e/ou constitucionais e/ou republicanas do segundo milénio na Europa é mais ou menos assim:
Se vermos bem, as raízes até estão sobretudo na Europa do Norte (a Suiça até pode estar geograficamente quase no Sul, mas historicamente é "Norte" - no século XVIII, Montesquieu chegou a ter a teoria de que a "liberdade inglesa" teria nascido nas "florestas da Germânia", considerando que o parlamentarismo britânico derivaria da tradição germânicas das assembleias tribais; isso talvez seja um bocado de exagero, mas penso que é inegável que as invasões bárbaras, ao terem destruído por algum tempo o estado centralizado, podem ter lançado os embriões dos sistemas parlamentares atualmente existentes na Europa (reis fracos tinha que frequentemente convocar assembleias de nobres, eclesiásticos e municípios, já que não tinham força para governar sozinhos; essas assembleias praticamente desapareceram com o fim da Idade Média, mas nos primeiros tempos das revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX serviam muitas vezes como referência mítica dos revolucionários, que alegavam estarem apenas a recuperar uma tradição antiga).
31/03/17
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1 comentários:
«Do Norte nunca veio nada de especial. Agora é de onde vêm as ordens, pois são eles que mandam. Tudo o resto, toda a história, a lógica das coisas grandes e pequenas veio do Sul. Os países do Norte não nos suportam. Não suportam a nossa conceção do tempo, sem ser para trabalho útil. Nós vivemos o tempo de outra maneira. Vivemos a casa de outra maneira.»
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-04-01-Claudio-Torres-Foi-na-prisao-que-recebi-o-primeiro-abraco-do-meu-pai
1-04-2017
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