Não, não tinham nem nunca terão razão os que, nos últimos meses, sagraram Kadafi como baluarte anti-imperialista, decerto comovidos pelo tratamento de favor que o fantoche sangrento parecia disposto a dar ao império governado pelo Partido Comunista Chinês, ainda que sem se atrever a beliscar demasiado o "amigo americano" e desenvolvendo ao mesmo tempo estreitos laços político-financeiros com alguns dos oligarcas mais reaccionários da UE. Mas, de qualquer maneira, como lembrava recentemente a Joana Lopes, uma coisa é derrubar uma ditadura, outra instituir e respeitar as liberdades democráticas. E mal vão as coisas quando o derrubamento do tirano mantém a tirania, reiterando a sua necessidade, embora representada por adversários ou rivais do déspota anterior.
E a verdade é que a AI, ainda há pouco tida por fonte indigna de crédito pelos amigos locais de Kadafi, denuncia agora as práticas do novo regime. O que obviamente não significa que tenha arquivado os requisitórios que tem continuado a divulgar sobre a ditadura derrubada.
13/10/11
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12 comentários:
Dão sempre democracias infantilizadas
E os novos líderes dão-se só Ares de mudança mas repetem os corta-fitismos e as maningâncias dos anteriores que derrubaram
costumam é ser menos comedidos
de resto kadahfi foi um desses líderes democratas e populares que derrubou o tirano e instalou-se como chefe tribal duma sociedade em que o estado era ele
foi o Luís XIV do norte de África
se tivesse sido o Jean Bedel Bokassa da Líbia ainda era capAz de ter desistido a tempo
O mundo mudou muito e ele tentou como outros mudar a maré
mas não se pode voltar atrás
e os massacres e ajustes de contas em guerras civis prolongadas
costumam durar bastante
a guerra acabará numas semanas talvez mais um ou dois meses
as vinganças vão ultrapassar em duração a nossa depressão económica
Caro MSP
Confesso que ainda não percebi esta sua conversa de "instituir e respeitar as liberdades democráticas". Vamos ser mais concretos: que liberdades democráticas é que pretende instituir na Jamahiriya, e que ainda não existam?
Cumprimentos
Caro Miguel Lopes,
respondo com uma pergunta: você pensa que um regime que praticava os abusos denunciados pela AI e outras organizações goza do mínimo de liberdades e direitos, que, noutras paragens, foram secularmente conquistados e impostos como limitações tendencialmente democráticas do poder oligárquico?
Se me responder que a AI ou, talvez, qualquer organização ou voz que tenha denunciado esses abusos não é digna de crédito - pelo facto de os ter denunciado? -, então, francamente, não sei que dizer-lhe.
Mas gostava que, embora divergindo muito e em coisas importantes, fosse possível evitar tão estéril impasse.
Cordialmente
msp
Caro MSP,
Creio que é impossível ultrapassar este impasse antes de chegarmos aos factos.
E sim. Vou-lhe dizer que a AI está completamente descredibilizada e tomou posição a favor do CNT. Uma pequena pesquisa e vejo a página pejada de "alegações", algumas que já sabemos hoje que são falsas, como os bombardeamentos da força aérea sobre manifestantes, e outras.
A NATO cometeu uma série de crimes de guerra, e nada é mencionado. Destruiu os sistemas de canalização de água, os sistemas eléctricos, sabotou a internet, impediu a Cruz Vermelha de entrar em Sirte e bombardeou o hospital da mesma cidade (há vídeos para o provar). Há provas de utilização de urânio empobrecido. Veja os vídeos de guerra que estão no youtube, e os ditos 'rebeldes' à saída da, a despejar mísseis balísticos lá para dentro de forma completamente aleatória. Veja os panfletos que a NATO deixou cair em Sirte e Bani Walid, onde ameaçam a população com bombardeamentos caso não se rendam.
Bombardearam uma catrefada de zonas residenciais (há muitos vídeos sobre isso). A NATO está sistematicamente a violar a Resolução 1973. Enfim, um rol enorme de patifarias. O que diz a AI? Onde estão os documentos da AI sobre todas estas violações das Convenções de Genebra? Zero!
Você dá credibilidade a isto?!?!
Sobre as liberdades democráticas na Jamahiriya: não sabia nada e fiz algum trabalho de campo, falei com líbios; li alguns documentos, como a declaração de 2 de Março de 1977 e a carta verde dos direitos humanos. Saberei ainda muito pouco, mas dos testemunhos que pude recolher, parece-me que há uma vontade genuína de implementar um sistema de democracia directa, tal como está na declaração e no livro verde. Outra conclusão a que pude chegar é que a esmagadora maioria do povo defende a Jamahiriya, e isso não é irrelevante.
Estamos perante uma guerra de ocupação, e nada mais.
Cumprimentos
Miguel Lopes, a sua tese sobre a implantação da Democracia Directa na Libia por M.Khadaffi não tem sustentação histórica nem política. O ditador libio servia-se das fabulosas rendas petrolíferas para investir no mercado capitalista internacional( na sua esmagadora maioria) e para corromper os seus potenciais adversários como em qualquer falsa democracia espalhada pelo Mundo. E estava manipulado e refém da lógica do sistema de exploração capitalista, o que se explica pela explosiva taxa média de desemprego, a rondar os 30 por cento, que atirou para os braços da Al-Qeda o grosso de uma Juventude desbussolada ao extremo. Os livros verdes, amarelos e azuis são um amontoado de falsas interpretações do Corão e do irredentismo muçulmano de que o delírio e a intransigência absolutista do ex-lider libio se serviam para desestabilizar os regimes semelhantes ao seu no Médio Oriente e no continente africano. A Democracia Directa precisa de abolir o ciclo de exploração consagrado pela hierarquia e a separação política e social entre governantes e governados, acima de tudo. Salut! Niet
Caro Miguel Lopes,
a AI tem denunciado os abusos nos dois campos - como prova o texto a que o meu post se refere. Mantém há anos uma campanha intensa contra a pena de morte nos EUA, quer sentar Bush no banco dos réus como criminoso de guerra - isto para não falar do papel histórico que desempenha desde a sua fundação na defesa das liberdades e direitos fundamentais, o que faz com que tenha sido perseguida por todas as ditaduras e oligarquias autoritárias do mundo.
Mais: uma coisa são as constituições no papel, outra a realidade dos regimes que as invocam. Pouco depois de a URSS se orgulhar de ter a constituição mais democrática do mundo, o seu principal redactor, Bukharine, era executado na sequência de acusações inverosímeis, e todas as regiões da União Soviética conheciam uma vaga de terror sem precedentes.
Kadafi podia dizer o que quisesse sobre a democracia directa e a igualdade, mas não passava internamente de um monarca absoluto, ao mesmo tempo que desempenhava com peculiar brutalidade o papel de polícia de fronteira da UE. E perante a contestação do seu poder, foi ele, e não os seus inimigos, quem se declarou disposto a emular a selvajaria de Franco contra o campo republicano, etc., etc.
Mas creio que estaremos mais próximos de nos entendermos quanto a repudiar os termos da intervenção da NATO, violando o mandato das Nações Unidas, promovendo no terreno os seus próprios "filhos da puta", e o mais que queira. Só que, a meu ver, o facto de julgar monstruosa a forma assumida pela intervenção "estrangeira" na Líbia, não me impede de manter que há circunstâncias em que a ingerência nos assuntos internos de um país é altamente desejável - tudo depende da forma e do conteúdo do que se faz, de quem assume a iniciativa, e por aí fora. O Estado-nação continua a ser um obstáculo maior à mundialização da democracia.
Até amanhã (quem sabe se, embora não nos conhecendo pessoalmente, não nos veremos na manif ?), com as minhas cordiais saudações internacionalistas
msp
Niet,
"O ditador libio servia-se das fabulosas rendas petrolíferas para investir no mercado capitalista internacional( na sua esmagadora maioria) e para corromper os seus potenciais adversários como em qualquer falsa democracia espalhada pelo Mundo."
Isso tem que ser provado. Dê-me provas objectivas de que assim é.
"E estava manipulado e refém da lógica do sistema de exploração capitalista"
De acordo.
"A Democracia Directa precisa de abolir o ciclo de exploração consagrado pela hierarquia e a separação política e social entre governantes e governados, acima de tudo."
De acordo. Estava, portanto, a caracterizar a superestrutura. O mesmo raciocínio é válido para as democracias representativas ocidentais.
MSP,
"há circunstâncias em que a ingerência nos assuntos internos de um país é altamente desejável"
Sem dúvida. As brigadas que foram constituídas em vários países para auxiliar as forças progressistas na guerra civil espanhola, são disso um exemplo.
Mas o meu argumento não é "não-ingerencista", e por isso eu creio que nem o MSP, nem o Niet, o estão a replicar.
O meu argumento é simples. Há no terreno duas forças que disputam o poder: o CNT e a Jamahiriya.
A primeira é composta pela NATO, por mercenários do Qatar e Emirados Árabes Unidos, por algumas tribos de Benghazi (apoiantes da antiga monarquia) e outras tribos islamitas (também de Benghazi e Derna).
A segunda é a Jamahiriya, apoiada pela maioria da população. Mais progressista e democrática que a anterior e não sujeita ao colonialismo - significará por exemplo, que os serviços públicos que hoje são financiados pela renda do petróleo, deixam de o ser.
For the sake of argument, mesmo supondo que a descrição que o Niet faz é correcta - e há uma usurpação de Gaddafi que corroí um processo democrático que se quer participativo -, isso não altera a questão de fundo.
Os dois lados do conflito não me são indiferentes. Só as forças da Jamahiriya podem derrotar um novo período colonial na Líbia. E por isso temos o dever de as apoiar.
Se estivéssemos perante uma revolução socialista, para se cumprir aquilo que está no nome oficial do país (mas não na prática), os lados do conflito continuariam a não me ser indiferentes e apoiaria a revolução. Mas não é esse o caso. As forças do CNT são extremamente reaccionárias e perigosas - têm que ser derrotadas!
Até amanhã, que eu também vou à manifestação. Talvez possamos discutir isto nessa altura.
Saudações!
OK, caro Miguel.
Duvido que amanhã possamos discutir. Mas, telegraficamente, você exagera quando reduz a oposição a Kadafi que se manifestou nas ruas e desencadeando uma situação de guerra civil aos interesses representados pelo actual CNT. E esquece pormenores como o facto de Kadafi ser sócio de Berlusconi, financiador de Sarkozy, pessoa grata até ao último momento da diplomacia ocidental, etc., etc. - factos que, entre muitos outros, dificilmemte são compatíveis com o lutador anti-colonialista que V. quase faz dele.
Quanto à "democracia directa", acresce ao que V. discutiu com o Niet, uma verdade elementar: os ditadores e caudilhos sempre gostaram de invocar e a vontade popular e de se invocar seus instrumentos directos, dispensando as formalidades e órgãos da sua expressão efectiva e regular, em termos que, tornando-a tendencialmente governante, significariam a deposição do seu sumo pontífice autocrata.
Até amanhã, Miguel. A ver se é desta que a maré começa a levantar-se.
msp
Caro Miguel Lopes: Estas coisas fiam mesmo muito fino, com efeito. Vou ilustrar, servindo-me de um extracto magistral de uma entrevista entre Olivier Mongin e Castoriadis, inserto num dos livros de C.C., por acaso também já traduzido em português, " A ascensão da Insignificância ", que perspectiva em diversos capítulos a longa e dura marcha da autonomia- como processo explicito de autoinstituição e autogoverno, em mutação histórica e filósófica há mais de 22 séculos.O livro, em si, é o grande ensaio do " maestro " inolvidável de Mai-68 sobre o novo processo revolucionário.Tem que se partir daí. Não há volta a dar, se bem me faço entender. (...) O. Mongin: " Quais os pontos sociais de encontro para uma contestação e para uma crítica eficazes? Por vezes evoca uma estratégia de espera e ou de paciência, que aguardaria um descalabro acelerado dos partidos políticos. Há uma estratégia que consiste em esperar pelo pior, que desejaria o agravamento da situação para que se pudesse sair da apatia generalizada, mas também existe uma estratégia de urgência que vai mais além que o imprevisivel. De que modo, e através de quem, chegará aquilo a que chama " conceber, criar outra coisa " ?. "C. C.: Já respondeu à sua pergunta, eu não posso fornecer sozinho uma resposta a essas questões. Se ela existir, será dada pela grande maioria do povo. (...) O que é certo é que aqueles que têm consciência da gravidade destas questões devem fazer tudo o que está ao seu alcance- quer se trate da palavra, da escrita, ou simplesmente da sua atitude relativamente ao local em que se encontram -para que as pessoas despertem da sua letargia contemporânea e comecem a agir no sentido da liberdade ". Salut! Niet
"dispensando as formalidades e órgãos da sua expressão efectiva e regular"
Olhe que não, olhe que não.
Já escrevi aqui qualquer coisa sobre o assunto num post do João Bernardo. Transcrevo:
"Na Líbia o poder legislativo e executivo são função do Congresso Geral do Povo, composto por 2700 mandatários dos congressos populares de base. Qualquer líbio pode votar, submeter propostas à votação e escolher o seu mandatário no Congresso Geral.
Não existe um Primeiro-Ministro, nem um Presidente. Gaddafi não tem qualquer poder na hierarquia do Estado desde 2 de Março de 1977 com a abolição do Concelho da Revolução. Gaddafi tem apenas um título honorífico de "Guia da Revolução", que não lhe confere poderes nenhuns."
Portanto não é por aí que você o apanha, que segundo sei, as formalidades estão lá. Glosando aquilo que tem vindo a dizer: a burguesia também não precisa de formalidades para governar efectivamente o país, isto é, ser a classe ditadora.
Cumprimentos
M. Lopes: Esqueci-me de me referir à Libia. A coisa está mesmo " preta "... Será um novo Yémen? Ou terão que ir para lá tropas da NATO e ONU para acalmar a nova guerra civil? Consulte esta especialista, libia-americana, em doutoramento na Columbia University, Najila Abdurrahaman, que tem teses consistentes sobre o post- Kadaffi consulado. Niet
Caro Miguel,
não estamos a usar "formalidades" no mesmo sentido - você fala na letra da "constituição"; eu, nos procedimentos e modo de funcionamento dos órgãos efectivamente em exercício…
Bom, poderemos discutir um destes dias estas questões, que talvez valha a pena, sobretudo se outros quiserem fazê-lo também.
Mas, quanto à Líbia, para já, ficamos por aqui. Se estiver de acordo, claro.
Abraço
msp
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