22/02/14

A Ucrânia e as certezas absolutas num tempo de incertezas

Não há expectativas muito positivas para o que está a acontecer na Ucrânia. Mas a verdade é que estas não existem seja para onde for. No entanto, não é por a revolução que desejamos não estar ao virar da esquina que alguma vez deixamos de lutar e de ir para as ruas quando surge a oportunidade. Se é inevitável que as nossas escolhas sejam condicionadas pelas condições (estruturais e conjunturais) do mundo em que nos movemos, não é inevitável que sejamos por elas determinados. As nossas escolhas fazem-se perante um conjunto imenso de opções. E, diria mesmo, nunca sem ambiguidades e alguns becos sem saída. Apesar disto, temos visto, nos últimos dias, perante o caos registado na Ucrânia, muita gente apressada em dividir o cenário entre “bons” e “maus” (ou entre “maus” e “terríveis”) e em escolher um desses lados sem hesitações, como se estivéssemos perante um jogo de xadrez e não houvesse outra hipótese senão cair para um de dois pólos. Acompanham a sua posição com a afirmação, comum em quem só tem certezas, que o que está acontecer “é óbvio” e que quem não se conforma com igual facilidade é “ingénuo”. Uma destas posições, sem que o assuma sempre com clareza, coloca-nos perante a inevitabilidade de aceitar o actual presidente Viktor Yanukovych e, como tal, os interesses russos, como forma de resistir ou aos interesses norte-americanos e da união europeia ou aos avanços da extrema-direita no país.

Há vários problemas com a firmeza destas posições. Estes começam logo com a adopção duma espécie de certeza absoluta perante um cenário que contém sempre algum grau de imprevisibilidade. Digamos que uma escolha que limita o conjunto de opções que temos ao nosso alcance não pode ser, creio eu, a melhor escolha. A forma simplista em que algumas leituras têm procurado arrumar o conflito ucraniano, empurrando-nos para uma posição definitiva, limita-nos da pior forma, com a agravante de implicar uma vinculação pelos termos em que é feita (neste caso, fazendo-nos assumir, por exemplo, que a escolha entre a Rússia e os EUA ou a União Europeia é evidente). Em parte, essas leituras derivam da armadilha de se basearem nos termos impostos pelas forças tendencialmente dominantes (sejam elas as forças imperialistas ou, mais discutivelmente, as de extrema-direita), o que leva ao desprezo de todos os outros lados presentes no conflito. Mas, por outro lado, essa arrumação simplista, e esse desprezo que lhe é inerente, não é necessariamente um equívoco. Ao procurar fugir a um pesadelo autoritário entregando-se “estrategicamente” a outro, revela, também, uma opção política – no mínimo assustadora, até pela facilidade com que tal passo é dado, mascarando-se, como é habitual nestas situações, de inevitabilidade ou fatalidade.

Se é verdade que não podemos ignorar alguns sinais tenebrosos presentes na Ucrânia como parte de uma tendência mais ampla (falo da emergência da extrema-direita e do racismo e xenofobia), também não podemos deixar de ver parte do que aí ocorre como ligado à onda global de protestos que explodem um pouco por todo o lado e exigem mais democracia, mais participação política, mais igualdade. Uma escolha que ignore ou menospreze isto carrega consigo o seu fracasso e anuncia a sua derrota. Parafraseando um dito célebre, tem um cadáver na boca.

Não há nenhuma luta, entre todas as que temos pela frente, que não traga consigo as ambiguidades e os riscos que vemos em jogo na Ucrânia. Em todos os potenciais cenários tumultuosos há sempre interesses obscuros em causa (geopolíticos ou de outra ordem) que fogem aos sonhos e desejos da multidão anónima que traz as lutas para a rua. Não podemos ignorá-los, é certo, mas tal não pode implicar uma rendição, especialmente quando desejamos um mundo radicalmente diferente. Não foi assim na Guerra Fria, não deve ser assim agora.

Estamos perante uma crise profunda dum sistema político e económico e é inevitável que múltiplas e antagónicas forças disputem esse tabuleiro agitado. Temos pela frente um horizonte que não pára de se abrir e não parece estar perto de se fechar. O futuro permanece imprevisível e as possibilidades são muitas, por isso não nos apressemos a encerrá-lo.

1 comentários:

Anónimo disse...

Tanta parra e nenhuma uva.

A esquerda é uma grande merda e o capitalismo continua a ser o futuro das sociedades.