03/02/14

Federalismos

Emenda: ao contrário do que escrevo abaixo, afinal o Bloco não defendeu um "salário mínimo europeu"

Texto original:

Em todas estas polémicas entre supostos defensores e supostos adversários do "federalismo" como solução para a UE, há uma coisa que nunca ficou bem clara: o que é que querem exactamente dizer com "federalismo"?

Em teoria, o que distingue um Estado federal de uma confederação ou de uma simples aliança entre Estado é que os estados federados não podem abandonar unilateralmente a federação; diga-se que nem sempre os nome coincidem com as coisas - a Etiópia é uma confederação (constitucionalmente qualquer estado etíope pode declarar a independência) mas chama-se "República Democrática Federal da Etiópia", enquanto a Suíça é uma federação mas chama-se "Confederação Suíça".

Já agora, a diferença entre um estado federal e um estado unitário é que um estado federal não pode abolir unilateralmente a autonomia dos estados federados, enquanto um estado unitário, por mais autonomia que dê às suas regiões, provincias, etc., pode sempre abolir essa autonomia (na prática, essa diferença consubstancia-se em que, num estado federal, é suposto que os estados federados tenham alguma forma de participação nas revisões constitucionais [pdf], seja através da revisão ser votada não só no parlamento federal mas também nos parlamentos dos estados, seja tendo que ser aprovado nalgum orgão federal mas composto por representantes dos estados federados).

Diga-se que a diferença entre uma confederação, uma federação e um estado unitário não tem necessariamente a ver com a maior ou a menor centralização - podemos ter um estado unitário cujas provincias tenham mais autonomia que os estados de uma federação (há quem argumente que é o caso de Espanha), e também podemos ter uma confederação cujo estados membros tenham menos autonomia que os estados de um federação (talvez fosse o caso da antiga URSS, embora aí não é muito claro se se tratava de um confederação centralizada, ou se era mais uma confederação super-descentralizada governada por um partido único super-centralizado). O que distingue uma confederação, um federação e um estado unitário é sobretudo a questão "quem tem poder para mudar as regras do jogo?".

E agora regressamos à questão do federalismo europeu; a verdade é que, no sentido estrito do termo, não me parece existir praticamente "federalistas" - pode haver uma caso ou outro, mas até agora ainda não vi/li/ouvi ninguém defender que os países membros da UE deveriam deixar de poder abandonar a UE (o que é o sinal distintivo de um estado federal); na verdade, quando se fala em "federalismo" o que toda a gente quer dizer (seja adversários ou defensores) é, simplesmente, reforço das compentências da UE face aos estados nacionais.

E agora vamos ao ponto a que eu quero chegar - a recente descoberta do Bloco de Esquerda de que é contra o federalismo, e que o PS e o PSD (imagino que o LIVRE também esteja incluído) serão a favor. Se definirmos "federalismo" no sentido rigoroso do termo, ninguém é a favor do "federalismo"; se usarmos o termo simplesmente no sentido de "reforço das competências das instituições europeias", parece-me que o Bloco é (ou, pelo menos, era) dos mais "federalistas" dos partidos portugueses - afinal, penso que foi o primeiro partido a defender os eurobonds, a harmonização fiscal e acho que há tempo até defendia um salário mínimo europeu.

1 comentários:

joão viegas disse...

Muito bem,

Eu acrescentaria um ponto fundamental : que eu saiba, ninguém põe hoje em causa o principio da autodeterminação dos povos. Nesse sentido, nem os Estados Federais stricto sensu, nem sequer os Estados unitarios são completamente fechados ao principio de autonomia das suas componentes territoriais.

Mas, mais uma vez, acho que estamos a discutir teologia. Na pratica, nenhum Estado membro da União aceitou até hoje "abandonar" a sua soberania, apenas aceitaram limita-la (transferindo em parte o seu exercicio para orgãos comuns, que se regem, quer pelo principio da igualdade entre Estados, quer pelo principio da soberania popular), em condições que permanecem muito proximas dos moldes classicos do direito internacional. E' certo que existe uma logica de integração, mas esta logica nunca foi imposta de cima para baixo.

Abraços