03/07/11

As "falhas de mercado" na TV

No momento em que se debate a privatização da RTP, re-posto o que escrevi há uns tempos sobre as "falhas de mercado" na TV (nomeadamente de como a TV privada de sinal aberto pode produzir resultados que não são os desejados pelos consumidores/espectadores):

Imagine-se uma TV com 2 canais, ambos procurando maximizar audiências.

Imagine-se que temos 12 potenciais espectadores (ou um milhão e duzentos mil, se acharem mais realista).

Temos também 3 tipos possíveis de programas - series de acção com enredo fantasista, estilo Buffy, a Caçadora de Vampiros; documentários sobre a natureza, estilo A Vida na Terra; e telenovelas.

Vamos supor que os telespectadores têm a seguinte ordem de preferências:

1º Buffy; 2º Vida na Terra; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Vida na Terra; 2º Buffy; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Buffy; 2º Telenovela; 3º Vida na Terra - 3 espectadores
1º Vida na Terra; 2º Telenovela; 3º Buffy - 3 espectadores
1º Telenovela; 2º Buffy; 3º Vida na Terra - 2 espectadores
1º Telenovela; 2º Vida na Terra; 3º Buffy - 2 espectadores

Há aqui um padrão neste modelo simulado: tanto a "Buffy" como a "Vida na Terra" têm relativamente poucas segundas preferências, ou seja, alguns espectadores gostam muito, enquanto os outros gostam pouco; pelo contrário, as telenovelas terão uma vasta gama de espectadores que não são "fãs", mas também não desgostam.

Agora, supondo que todos os potenciais espectadores vão ver televisão (suposição irrealista, mas não afecta muito o raciocínio - só afectará se houver muitos espectadores que só vejam a 1ª preferência), quais serão as audiências para cada canal, conforme as programações?

Se um canal emitisse a "Buffy" e outro uma telenovela, o primeiro teria 5 espectadores e o outro 7.

Se um canal emitisse a "Vida na Terra" e outro uma telenovela, de novo, 5 para um e 7 para o outro.

Se um canal emitisse a "Vida na Terra" e outro a Buffy, teriam cada qual 6 espectadores.

Se ambos os canais emitissem programas do mesmo tipo (estilo 2 telenovelas, ou a "Vida na Terra" vs. "National Geographic", ou a "Buffy" vs. "O Homem Invísivel"), possivelmente teriam 6 espectadores cada.

Conclusão - em principio, a melhor maneira de as televisões maximizarem as audiências é ambas passarem telenovelas, mesmo que não seja o programa favorito de 2/3 da audiência (ou seja, o objectivo acaba por ser, não passar os programas que os espectadores mais gostam, mas os programas que menos espectadores desgostam)!

[Atenção - esta critica à lógica de funcionamento das televisões privadas não significa necessariamente uma defesa das televisões estatais]

17 comentários:

Tá na laethanta saoire thart-Cruáil an tsaoil disse...

esta lógica pouco critica

melhoraria se não usasse estereóhipos

e numerais instead of %

1º Buffy; 2º Vida na Terra; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Vida na Terra; 2º Buffy; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Buffy; 2º Telenovela; 3º Vida na Terra - 3 espectadores
1º Vida na Terra; 2º Telenovela; 3º Buffy - 3 espectadores
1º Telenovela; 2º Buffy; 3º Vida na Terra - 2 espectadores
1º Telenovela; 2º Vida na Terra; 3º Buffy - 2 espectadores

além de usar coisas do passado...

telenovela portuguesa versus brasileira

há muito mais morte na terra além da vampiragem

e esse da vida na terra devia ser do Félix Rodriguez de La fuente

que me lembre já acabou há 35 anos

só se é outro com o mesmo nome

resumindo: mais críptico c'aminha
prozé

Tá na laethanta saoire thart-Cruáil an tsaoil disse...

as falhas como se vê

não andam só no mercado

Miguel Madeira disse...

"e esse da vida na terra devia ser do Félix Rodriguez de La fuente"

Não, esse era "O Homem e a Terra"; estou a falar deste, com o Attenborough, que é de há apenas 30 anos

Anónimo disse...

não sei se percebi bem, mas parece-me que a sua argumentação falha. A tese é de que o mercado privado falha em fornecer serviços de qualidade. E para isso analisou um mercado bastante restrito, pouco competitivo, e com a coexistência de dois canais públicos.
Um exemplo: se analisasse o mercado das companhias aéreas e hipoteticamente só existissem duas: a Air France (sic) e a British airways (tvi). Chegaria às mesmas conclusões: as duas acabariam por oferecer o mesmo tipo de serviços aos seus clientes. iriam competir pelo mais rentável: a versão deles das novelas.
Ora com um mercado aberto, temos a ryanair e easyjet por exemplo... Por isso não se pode concluir que o mercado falha, porque o que se analisa não é um mercado aberto...

Miguel Madeira disse...

"A tese é de que o mercado privado falha em fornecer serviços de qualidade."

Talvez não exactamente - a tese é que o mercado privado tende a "não passar os programas que os espectadores mais gostam, mas os programas que menos espectadores desgostam"; não sei se poderemos falar de "qualidade" aqui, já que isso tem implícito um juízo de valorm coisa que eu não fiz aqui.

"E para isso analisou um mercado bastante restrito, pouco competitivo, e com a coexistência de dois canais públicos. "

Eu não estou a analisar o mercado realmente existente, estou a analisar um mercado abstracto (se em vez de 2 canais e três tipos de programas, o exemplo fosse com quatro canais e 6 tipos de programas, as conclusões seriam as mesmas)

A grande diferença entre as televisões (por sinal aberto) e as companhias de aviação é que a quantidade de companhias de aviação é variável - se as companhias existentes descuram uma faixa de mercado, pode-se sempre criar uma nova companhia para entrar nessa faixa. Já a quantidade de canais de televisão é fixa (estão dependentes das frequências disponíveis), logo, se todas as televisões existentes desprezarem uma secção dos espectadores, não é possivel abir um novo canal dadicado a eles.

Note-se que isto só se aplica aos canais hertzianos, não ao cabo

Miguel Madeira disse...

Já agora, algo sobre o assunto (ainda que não referente a programas de TV, mas com o mesmo raciocinio):

http://en.wikipedia.org/wiki/Hotelling%27s_law

http://people.bath.ac.uk/ecsjgs/Teaching/Industrial%20Organisation/Papers/Hotelling%20-%20Stability%20in%20Competition.pdf

Anónimo disse...

qual é o limite dos canais hertzianos?

Miguel Madeira disse...

Confesso que não sei, mas as emissões televisivas são normalmente na frequência entre 30 MHz e 3 GHz; penso que um "canal" normalmente tem um "intervalo" de 6-7 MHz, o que dará um pouco menos de 500 canais, para televisão, rádio, telemóveis e afins, no mundo inteiro (imagino que dois países distantes possam usar o mesmo canal).

Miguel Madeira disse...

Aliás, para o rádio tenho certeza que duas cidades a uma distância de algumas dezenas de quilómetros podem usar o mesmo sinal

Batata disse...

Não, esse era "O Homem e a Terra"; estou a falar deste, com o Attenborough, que é de há apenas 30 anos....e já é muito

os programas sobre divulgação ecológica ou geológica são hoje muito diversificados, internet inclusive

a RTP 2 continua a ser um canal de TV para élites culturaia muito restritas

as touradas na RTP1 também já se restringem a um público cada vez menor

assim serviço público devem ser as olimpíadas, o festival da canção e o futebol, se juntarmos a isso os concursos o futebol e os programas infanto-juvenis

qual é a diferença do serviço público da RTP do estado novo?

De resto a transmissão por cabo é hoje em dia uma realidade para quase metade da população portuguesa fora das grandes cidades e quase 75% nos grandes núcleos urbanos

logo o papel da RTP vai-se esvaindo

de resto poucos são os miúdos que veêm a RTP1, ou a 2 andam nos canais por cabo ou na internet ou na TVI

e na raia a TV espanhola...

No pessoal dos 18 aos 30 pelos blogues aparentemente o AXN black é o que está a dar com a Rainha das Sombras e o Bordwalk Empire
que é um revivalismo da lei seca

the potato couch médio (que vê TV desde os 2 anos de idade) tem hoje muita diversidade televisiva

de resto o mercado de aluguer de vídeos e CD's que explodiu durantes uns tempos e agora está em contracção por causas várias

provam que os canais clássicos de TV por mais que as sondagens digam o contrário já não é o que era

Tá na laethanta saoire thart-Cruáil an tsaoil disse...

Resumindo há muitas opções hoje em dia, excepto para os 20% de desfavorecidos sociais

basta ver que o homem que foi despejado da casa após 18 anos sem pagar renda também tinha TV cabo

notícia que abriu o período de fenomenologias avulsas de alguns telejornais (todos na verdade)

logo acho toda esta celeuma sobre
qualidade versus diversidade uma falsa questão

mas enfim

mesmo o sinal por ondas hertzianas vai sofrer bastantes alterações nos próximos anos

Anónimo disse...

então miguel, o seu argumento falha. embora não tenha interpretado bem no inicio o que quis dizer, ele continua a falhar no ponto que defendi.

"A grande diferença entre as televisões (por sinal aberto) e as companhias de aviação é que a quantidade de companhias de aviação é variável - se as companhias existentes descuram uma faixa de mercado, pode-se sempre criar uma nova companhia para entrar nessa faixa. Já a quantidade de canais de televisão é fixa (estão dependentes das frequências disponíveis), logo, se todas as televisões existentes desprezarem uma secção dos espectadores, não é possivel abir um novo canal dadicado a eles."

Mas depois diz que pode haver 500 canais hertzianos. Quer dizer que pode haver uma oferta muito superior àquela que existe actualmente. Ou seja analisar 3 ou 6 canais, não é suficiente para se tirar conclusões. Creio que a razão porque há tão poucos canais hertzianos é pela limitação de mercado. Se o mercado fosse realmente livre, provavelmente nem teríamos cabo, ou pelo menos da mesma maneira que agora temos... mas posso estar errado.

anónimo anterior

Miguel Madeira disse...

O facto de na natureza haver espaço para uns 500 canais hertzianos não quer dizer necessariamente que em cada país possa haver 500 canais (usados para transmitir tv, rádio, etc.).

Há uma instituição (a União Internacional de Telecomunicações) que distribui as frequências por países (como disse, imagino que vários países possam usar a mesma frequência, desde que não fiquem muito ao pé - sem saber bem o que estou a dizer, suspeito que quanto menor a frequência, maior o alcance, logo menos emissores poderão usar essa frequência).

Não faço é ideia de quantas frequências estão atribuidas a Portugal.

Anónimo disse...

pois também não sei muito bem do que estou a falar. a verdade é que sempre houve rádios piratas, mas nunca houve televisões piratas, pelo menos que eu conheça. e deve haver uma razão para isso

Miguel Madeira disse...

Eu suspeito que a razão para isso tenha mais a ver com a dificuldade em obter o equipamento para fazer emissões de televisão do que propriamente com falta de frequências.

No final dos anos 80, a época de ouro tanto das rádios piratas como dos "retransmissores" de TV (parabólicas que captavam emissões internacionais de TV ligadas a uma antena emissora que permitia a toda a gente de um bairro ou cidade ver os programas captados inicialmente pela parabólica) chegaram a haver algumas TVs piratas (que eram basicamente um video ligado à antena emissora do retransmissor).

Ricardo Alves disse...

Miguel Madeira,
o que se verifica é que todos os canais «comerciais» (RTP1, SIC, TVI) passam o mesmo tipo de programas à mesma hora. Telejornais em simultâneo às 20 h, telenovelas quase à mesma hora (a excepção parece ser a RTP1), etc. Nas noites de contagens de votos, até se verifica que estão combinados para fazer intervalos ao mesmo tempo.

Portanto: longe de tentarem chegar a segmentos diferentes do público, deixam isso para o cabo e tentam chegar ao mesmo segmento, supostamente maioritário.

Anónimo disse...

Não há "espaço" para 500 canais de tv. Montes de frequencias nessas bandas são para rádio-amador e outras comunicações. Na península ibérica possibilidade para no máximo ~50 canais e não 500.

E estamos a falar do espaço de frequencias, esquecendo-nos dos limites que impõe a estrutura física. Ter uma rede de transmissão e assim.

A coisa para um espaço como portugal fica mesmo limitado a 4 ou 6 canais. Neste sentido a análise do Miguel está bem feita. Não dá para abrir mais o mercado.

Já pelo cabo ...