Não sou grande admirador da vaga de filósofos-celebridades com que a esquerda académica nos tem brindado na última década e que ocasionalmente irrompem na comunicação social para nos explicar o presente estado de coisas. Alguns parecem-me mais interessantes do que outros, mas, tudo somado, continuo a preferir o que se vai escrevendo em registos mais anónimos e colectivos, posto a circular por meios mais modestos e sussurrado nas entrelinhas desse grande oceano turbulento que, à falta de melhor, responde pelo pomposo nome de "movimento".
Mas o texto que Giorgio Agamben foi recentemente ler em Atenas pareceu-me estimulante e cheio de coisas que vale a pena debater, que estão inscritas nos impasses do nosso tempo e que não receiam enfrentar vários territórios difíceis nos quais amiúde tropeço, a saber: soberania, governamentalidade, estratégia e poder. Parece-me também que não sendo um texto (ou um pensador) propriamente fácil, presta-se a vários equívocos e leituras apressadas, que lhe retiram porventura leitores que de outra forma não deixariam de nele ponderar.
Dá-se o caso de ter encontrado algures um outro texto de Agamben sobre o mesmo conceito de poder destituinte (e que clarifica alguns dos pontos levantados em Atenas), pelo que traduzi uma parte que me parece iluminar o que se entende por semelhantes palavrões. Tudo o que nele possa ser menos claro fica subsumido nas minhas costas largas. Tudo o que ele tornar mais claro, deve-se à fulgurante inteligência do leitor. Á falta do original italiano, tive mesmo que utilizar uma tradução inglesa, o que não tornou o labor mais fácil. Sejam generosos e destituam por aí, meus queridos seres-quaisquer.
Nota: Em boa hora o João Viegas recomendou-me que corrigisse o título do livro de Aristóteles, de Ética para Nicomeu (como estava na versão inglesa) para Ética para Nicomaco. Aqui fica um agradecimento.Inoperância não significa inércia, mas designa antes uma operação que desativa e torna as actividades (da economia, da religião, da linguagem, etc.) inoperantes. É uma questão, isto é, de regressar ao problema que Aristóteles colocou agudamente na Ética para Nicomaco, quando, no âmbito da definição do objecto da epistēmē politikē, da ciência política, se interrogou relativamente ao facto de, tal como para o flautista, o escultor, o carpinteiro ou qualquer outro artesão existe um trabalho específico (ergon), também existirá para o homem enquanto tal qualquer coisa como um ergon ou se ele não é pelo contrário argos, destituído de efeito, inoperante. Ergon do homem significa neste contexto não apenas "trabalho", mas aquilo que define energeia, a actividade, o ser-em-acto especificamente humano. A questão relativa à actividade ou ausência de actividade do homem tem por isso uma importância estratégica decisiva, uma vez que dela depende não apenas a possibilidade de lhe atribuir uma natureza específica e uma essência, mas também, como pudemos ver, a de definir a sua felicidade e a sua política. O problema tem por isso um significado mais amplo e envolve a própria possibilidade de identificar a energeia, o ser-em-acto do homem enquanto homem, independentemente e para lá das figuras sociais concretas que este pode assumir. Aristóteles abandona rapidamente a ideia de uma argia, de uma inoperância essencial do homem.Eu procurei, pelo contrário, recuperando uma tradição antiga que surge em Averróis e em Dante, pensar o homem enquanto um ser vivo sem trabalho, ou seja, desprovido de qualquer vocação específica: enquanto um ser de potência pura, que nenhuma identidade ou actividade poderia esgotar. Esta inoperância essencial do homem não deve ser entendida enquanto a cessação de toda a actividade, mas enquanto uma actividade que consiste em tornar inoperante os trabalhos e produções humanas, abrindo-as a uma nova utilização possível. É necessário colocar em questão a primazia que a tradição esquerdista concedeu à produção e ao trabalho e perguntar se uma tentativa de definir a actividade verdadeiramente humana não implica antes de mais a crítica destas noções.A época moderna, a começar pelo cristianismo - cujo criador divino se definiu a si mesmo enquanto a origem, em oposição ao deus otiosus dos pagãos - é ontologicamente incapaz de pensar a inoperância a não ser na forma negativa de suspensão do trabalho. Assim, uma das formas na qual a inoperância tem sido pensada é a festa, que, segundo o modelo do shabbat Hebreu, foi concebida essencialmente enquanto a suspensão temporária da actividade produtiva, da melacha. Mas a festa é concebida não apenas por aquilo que nela não é feito, mas antes do mais pelo facto de que aquilo que é feito - que em si mesmo não se distingue do que se faz todos os dias - se ver desfeito, tornado inoperante, libertado e suspenso da sua "economia", das razões e objectivos que o definem durante os dias da semana (e não fazer é, neste sentido, apenas um caso extremo desta suspensão). Se alguém come, não o faz apenas para se alimentar; se alguém se veste, não o faz apenas para se cobrir ou proteger do frio; se alguém acorda, não o faz apenas para trabalhar; se alguém caminha, não o faz apenas para chegar a algum lado; se alguém fala, não o faz apenas para transmitir uma informação; se alguém troca objectos, não o faz apenas para vender ou comprar. Não existe festa que não envolva, nalguma medida, um elemento destituinte, ou seja, que não comece por tornar inoperante as actividades humanas.Nas festas sicilianas dos mortos descritas por Pitrá, os mortos (ou uma mulher idosa denominada Strina, de Strena, o nome latino para as oferendas trocados durante as festividades no início do ano) roubam bens aos alfaiates, mercadores e padeiros, para depois os oferecer às crianças (algo semelhante ao que acontece em qualquer festa que envolva oferendas, como o halloween, no qual os mortos são personificados pelas crianças). Em todas as festas de carnaval, como as saturnalia romanas, as relações sociais existentes são suspensas ou invertidas: não só os escravos mandam nos seus donos, como a soberania é colocada nas mãos de um rei satírico (saturnalicius princeps) que toma o lugar do rei legítimo. A festa revela-se assim acima de tudo uma desactivação dos valores e poderes existentes. "Não existem festas antigas sem dança"m escreve Luciano, mas o que é a dança senão a libertação do corpo dos seus movimentos utilitários, a exibição dos gestos na sua pura inoperância? E o que são as máscaras - que desempenham diversos tipos de papéis nas festas de diversos povos - se não, no fundo, uma neutralização do rosto? Apenas desta perspectiva poderá a festa oferecer um paradigma para pensar a inoperância enquanto um modelo da política. Um exemplo permitir-nos-á clarificar de que forma podemos entender esta "operação inoperante". O que é um poema, de facto, senão uma operação levada a cabo na linguagem para a tornar inoperante, para desactivar as suas funções comunicativa e informativa, de forma a abri-la a um novo uso possível? Aquilo que o poema concretiza para a potencialidade do falar, a política e a filosofia devem concretizar para o poder de actuar. Ao tornar inoperantes as operações biológicas, económicas e sociais, revela-se aquilo que o corpo humano pode fazer, abrindo-o a uma nova utilização possível.Se a questão ontológica fundamental hoje em dia não é o acto mas a inoperância, e se esta inoperância pode, contudo, ser concretizada apenas através de um acto, então o conceito político correspondente já não pode ser o de "poder constituinte", mas algo que poderia ser designado enquanto "poder destituinte". E se as revoluções e insurreições correspondem a um poder constituinte, ou seja, a uma violência que estabelece e constitui o novo Direito, para pensar um poder destituinte temos que imaginar estratégias completamente outras, cuja definição é uma tarefa para a política que vem. Um poder derrubado meramente por meio da violência emergirá novamente de outra forma, numa incessante e inevitável dialética entre poder constituinte e poder constituído, entre violência que produz o Direito e violência que o preserva. Trata-se de um conceito que está apenas a começar a surgir na reflexão política contemporânea. Segundo estas linhas, Tronti alude numa entrevista à ideia de um "poder destituinte" sem conseguir de alguma maneira defini-lo. Vindo de uma tradição na qual a identificação de uma subjectividade era o elemento político fundamental, ele parece associá-lo ao crepúsculo das subjectividades políticas. Para nós, que começamos a partir desse crepúsculo, e do questionamento do próprio conceito de subjectividade, o problema coloca-se noutrso termos. Foi uma "destituição" deste tipo que Benjamin imaginou no ensaio Crítica da violência, procurando definir uma forma de violência que escapou a esta dialética: "no quebrar deste ciclo que se desenrola na esfera da forma mítica do Direito, na destituição (Entsetzung) do Direito com todos os poderes do qual este depende (tal como eles dependem dele), em última análise, portanto, na destituição da violência do Estado, uma nova época histórica encontra a sua fundação" (Benjamin)
31 comentários:
A filosofia é o recalcado da ideologia e da politica mais tradicional que existe(m).Parece óbvio que Agamben- como acontecia com o Foucault...-construiu um subtil " sistema " retórico e filosófico para interpretar os males do Mundo de uma forma " poética". O G. Bataille dizia que a " poesia é inadmissivel e não existe ", em contraponto ao deus-ex-machina da Metafisica soberana, Martin Heidegger. Niet
Ola,
Obrigado pela tradução (isto é sincero, contrariamente ao que se segue).
Li os dois textos. São convincentes num ponto que julgo não ser despiciendo : a fronteira entre a filosofia e a conversa fiada é melindrosa, e provavelmente impossivel de delinear com clareza.
Pela parte que me toca, apesar do brio da demonstração, continuo convencido de que é possivel ler Aristoteles, e os muitos outros autores citados pelo Agamben, e compreender minimamente o que eles procuraram dizer.
Acredito também que é possivel compreender o que é o "poder constituinte", assim como as figuras latinas, gregas e hebraicas que o antecederam, e perceber que o "poder destituinte" lhe é mais ou menos tão consubstancial como a sombra é consubstancial ao corpo ilmuinado pelo sol poente.
Dito isso, a dança, o carnaval e a pesca desportiva são importantes.
Alguém duvida ?
Abraços a todos
PS : E o "poder destituinte" também é importante. Alias, mal me recompus do choque de o ter descoberto graças ao génio do Agamben, comecei logo a utilisa-lo, por exemplo aqui em cima.
Grande camarada Ricardo,
aprecio o esforço e, sobretudo, a fluência e acerto da tradução (enfim, quanto ao título de Aristóteles, a forma clássica em português é Ética a Nicómaco… mas não tem importância de maior).
No entanto, apesar das múltiplas afinidades electivas que nos acamaradam, suponho que o diferendo que nos opõe acerca de Michel Foucault se repete, ainda que ligeiramente atenuado, a propósito do programa agambeniano. As minhas razões são as que enunciei na caixa de comentários do post do Pedro sobre o "conceito", e também as que já te tinha indicado num comentário a um teu post no Passa Palavra (cujo link ignoro e que não consigo encontrar — pelo que, caso saibas do que estou a falar, te agradeço que aqui divulgues). Acrescento só a seguinte nota: o facto de nenhuma determinação esgotar a "potência pura" (indefinida e indeterminada) não significa que esta só possa exercer-se através da acção instituinte (afirmação e negação) determinada.
Abraço e saudades equestres
miguel(sp)
Ola de novo,
Bom não sei qual é o vosso diferendo sobre o Foucault. Quanto a mim, ha aspectos que me irritam, mas Surveiller et punir é um grande livro. E a introdução a Les mots et les choses, a rabula do Borges, a analise das meninas, a parte sobre o Quixote e também a Naissance de la clinique, e os textos sobre Herculine Barbin, ou Pierre Rivière... E a histoire de la folie !
Bom, quanto a mim, no caso de F., estamos a milhas daquilo que me foi dado ler do Agamben até agora...
Abraços a todos
Caro João,
há muitos anos, uma vez, o Henri Lefebvre disse de Sartre que este, embora não acreditasse em Deus, acreditava no Diabo. Apesar de tudo o que separa Foucault de Sartre, o mesmo dele se poderia dizer, quando consideramos a sua teodiceia que tem por eixo a oposição entre a "resistência" e o "poder". É que, esquematizando um pouco ma non troppo, Foucault bem pode denunciar as astúcias do poder e fazer a apologia da resistência: feitas todas as contas, fica-se com a ideia de que tudo o que a segunda consegue — e tudo o que não seja "inconseguimento", como diria a Esteves, é aos olhos de Foucault suspeito — é um refinamento dos mecanismos do poder, que se refaz apesar da resistência e através dos seus aparentes triunfos. A concepção do poder de Foucault é também monolítica: o poder é sempre, só e necessariamente concebido como dominação. A ideia de que se poderia transformá-lo e exercê-lo para lá da dominação (da vigilância, da disciplina, do controle, do raio que o parta) só mereceria da sua parte um escárnio de aristocrata desabusado. Mas se a ordem é sempre poder, e se o poder é sempre dominação, quala racionalidade da resistência? Ah, mas é que a raciponalidade e a razão são também para Foucault, necessariamente e sob todas as formas, formas de poder (dominação)…
De momento, não posso ir mais longe, embora muito houvesse a dizer sob outros aspectos: a apologia da "revolução em nome de Deus", os milhares de páginas sobre a sexualidade que têm por tese que esta não tem importância (objecção de Blanchot), etc., etc. Mas creio que já te dei uma ideia da apreciação que faço de Foucault (há grãos de verdade - embora a verdade para ele seja outra forma de poder do mal que é todo o poder - nas suas análises, mas, no essencial, nada de muito novo em relação ao que já tinham visto os autores da Escola de Frankfurt e muitos outros, menos irracionalistas e/ou perversos…).
Abraço
miguel(sp)
Confesso-me desarmado pela força dos argumentos. Não me parece que alguém pretenda que o poder destituinte seja inconsubstancial ao poder constituinte. Tanto quanto sei não vem de Marte, mas antes representa uma hipótese, a de encontrar novas possibilidades e usos, de identificar estratégias no âmbito de uma arte de não ser governado. Não será tão original como exigir uma modernização democrática, um novo contrato social ou uma política patriótica de esquerda, mas quero crer que tem as suas virtudes. Quanto à clareza, trata-se de uma tradução de uma tradução, como aliás se avisa, feita entre a meia-noite e as 2h00 da manhã, numa noite de insónias londrinas.
Miguel, o próprio conceito de "programa agambeniano" é algo que, penso eu de que, Agamben recusaria. Um abraço aos dois e a luta continua.
Miguel, não me revejo nessa tua descrição do trabalho de Michel Foucault. Quererás tu ilustrar tão severo juízo com um par de citações?
Viva, Ricardo.
A tua tradução é clara e excelente — pelo menos, tanto quanto se pode julgar sem o original.
Não quero nem posso perder muito mais tempo com este diferendo menor. Se dizes que o poder destituinte é consubstancial ao poder constituinte — ou, como eu preferiria dizer, à acão política instituinte como via de uma sociedade autónoma —, continua a parecer-me que interpretas mal Agamben, mas que tens razão na tua tese.
Quanto ao Foucault, vou ver o que se pode arranjar mais logo ou amanhã — mas sem compromisso, que o trabalho aperta. De qualquer modo, o Surveiller et punir, por exemplo, tende a sugerir que a minha leitura não é de todo desacertada… Enfim, como sabes, MF bateu-se pela abolição da pena de morte (guilhotina) em França — o que só o honra. No entanto, só pôde fazê-lo arruinando os alicerces mais profundos da sua teoria, pois, à luz desta, a alternativa ao poder que faz morrer é o poder que gere a vida da "bipopolítica". E tenho muita curiosidade em que, com notas erduditas ou não, me digas se achas que Foucault autoriza outra maneira de conceber o poder que não seja uma forma ou outra de dominação.
Abraço e até já
miguel(sp)
A par de Agamben,Daniel Bensaid e Medhi Belhaj Kacem realizaram comentários admiráveis sobre o sistema de poder em Michel Foucault. Todavia, o amplexo e a complexidade das questões já tinham sido enunciado muito antes por Baltazar Gràcian, ao sublinhar que, " hoje, são precisos mais meios para construir um sábio do que antigamente eram necessários para construir sete "... Um pouco como assistir a uma peleja interminável sobre o estatuto e funções da Katarsis e da Imaginação... " Os homens, simples pontos agenciadores no sistema das mensagens, não existem e valem senão em função dos estatutos e das posições que ocupam na escala hierarquica. O essencial do mundo, consiste na sua assimilação a um sistema de regras formais,nisso incluindo as que permitem calcular o " seu " futuro.A realidade não existe todavia senão estiver registada, no fundo o verdadeiro não é nada e só o documento é verdadeiro. E aqui surge o que se nos afigura o traço especifico, e o mais profundo, do imaginário moderno, o que possui mais consequências e promessas também. Este imaginário não tem carne própria, toma a sua matéria de outra coisa, é investimento fantasmático, valorização e autonomização de elementos que em si não derivam do imaginário: o racional limitado do entendimento e do simbólico.O mundo burocrático autonomiza a racionalidade como um dos seus momentos parciais, o do entendimento, que não se interessa senão das conexões parciais e ignora a questão dos fundamentos,da totalidade, dos fins e da relação da razão com o homem e com o mundo( é por isso que apelidámos a sua " racionalidade " uma pseudo-racionalidade); e vive no essencial num universo de simbolos que, a maioria das vezes não representam o real nem são necessários para o pensar ou o manipular. (...). Justamente, devido ao facto do imaginário social moderno fazer derivar a sua substância do racional, numa fase de racional que transforma dessa forma em pseudo-racional, que adquire a possibilidade " objectiva "de uma transformação do que foi até hoje o papel do imaginário na história.(...) Um sentido aparece na realidade histórica, desde as suas origens, que não é racional, ou positivamente irracional, que não é verdadeiro nem verdadeiro nem falso e, todavia, é da ordem da significação, e que é a criação imaginária própria da história, pela qual ela se estrutura para começar ". C. Castoriadis. Instituição Imaginária da Sociedade(1975). Niet
Paciente e intrépido camarada Ricardo,
não tenho, de facto, tempo para organizar um bêtisier de Foucault. Mas, para o efeito desta discussão, vou basear-me em dois ou três excertos de uma "entrevista política" do autor, concedida a Le Monde em 11-12 de Maio de 1977 e que, creio, documenta bem a moral "anto-estratégica" que o autor opõe à moral "estratégica" do poder.
Nessa enrevista, MF afirma: "A minha moral teórica é inversa [em relação à do poder]. É 'anto-estratégica': respeitar uma singularidade que se insurge, ser instransigente quando o poder infringe o universal". Este apoio à resistência ou emergência da singularidade enquanto tal — indiscrimnadamente — tem como contrapartida a denúncia da "grande necessidade do conjunto". Mas esta denúncia é tão indiscriminada e tão vaga que acaba por identificar a "política" enquanto tal com o "totalitarismo", ou com o exercíco (panóptico, disciplinar, gestor do bios, etc.) do poder ou a sujeição a este. Com efeito, a plebe "desde que se fixa adoptando uma estratégia de resistência" — ou seja, a própria resistência a partir do momento em que se torna "política" formulando ou desenvolvendo alternativas — vê-se reduzida a ser recuperada pelo poder.
É assim, porque a política é fatalmente recuperada pelo poder existente ou pelo que lhe sucede, e porque o poder omnipresente não se distingue da dominação, que o último Foucault aposta como única saída ou alternativa o "cuidado de si" , a par, quando muito, do respeito e aprovação cegos das singularidades (ou do "acontecimento" por oposição à "história", que não como manifestação da potência de autocriação desta). E se, como observa bem Vincent Descombes a este propósito, Foucault "não reconhece a validade de nenhum conjunto, nem ideal nem existente", e "não imagina que possa condenar-se o levantamento de qualquer singularidade", pelo que legitima tendencialmente o poder do "tirano" que "exerce precisamente o poder segundo as singularidades do seu desejo e não segundo 'a grande necessidade do conjunto'", é também possível que tenhamos aqui a chave do seu fascínio "racionalizado" (no sentido psicanalítico do termo) pelo "crime", bem como da sua simétrica e paradoxal criminalização do direito, da lei e da instituição enquanto tais.
Abraço extenuado
miguel(sp)
Ola aos dois,
Bom, tal como o Miguel, também não vejo em Foucault nada que consiga sustentar uma ética, nem estou alias convencido de que ele proprio tenha acreditado que a ética dele, por exemplo a subjacente às suas intervenções politicas, fosse apenas um prolongamento das suas analises teoricas.
No entanto, estas ultimas não deixam de ser interessantes e muito esclarecedoras. "Les mots et les choses" peca provavelmente por excesso de sistematismo, mas em contrapartida a analise que ele fez do discurso cientifico sobre a loucura a partir do século XVII (Histoire de la folie à l'âge classique), ou ainda sobre a prisão como pena principal a partir do século XIX (surveiller et punir), são muitissimo interessantes e ensinam-nos de facto algo de inédito sobre a sociedade onde ainda vivemos hoje, e talvez mesmo sobre a ordem social em geral. Mesmo no "Les mots et les choses", ha coisas muito fortes. A analise do Dom Quixote, por exemplo, é uma delas, logo nas primeiras paginas.
Que tenha havido, depois dele, uma moda intelectual perfeitamente estéril que, em nome do "estruturalismo", se contentava com substituir clareza e discernimento por referências obscuras e ocas à linguistica, isso não ha duvida que houve. Mas o Foucault não tem necessariamente a culpa. E, se formos ver, ha autores muitissimo interessantes que souberam, cada um à sua maneira, aproveitar os seus ensinamentos, desde P. Veyne, a I. Hacking, ou mesmo a P. Hadot.
Seja como fôr, o que é certo é que ainda não consegui encontrar nada de comparavel em Agamben (que, obviamente, se esforça muito por tentar seguir o mestre). Mas não perco a esperança...
Abraços
OH.Sr.Noronha: Tenha vergonha na cara. Você anda há anos a colocar-se em bicos de pés para se " governar " à custa dos bons sentimentos de quem ilude. Em que bases se permite censurar o meu apontamento? Não percebe? V. usa e abusa de um comportamento de comissário super-estalinista de museu de cera.. O que é de um ridiculo atroz, a todos os niveis. E agora lançou mão COBARDEMENTE da censura mais rasteira,pifia e senil. Pobre diabo. Jamais esquecereio seu reles e inacreditável servilismo quando foi representar- eleito por quem?- o blogue Cinco Dias num programa de Tv sobre Blogues...Os seus fretes hediondos mascarados por uma linguagem pseudo-revolucionária fizeram-me temer o pior, que culminou agora. Vá Badamerda! Niet
Caro Miguel,ainda sobre o poder destituinte,parece-me que a metáfora do poema é feliz a mais do que um nível. Para o que nos interessa, oferece-nos a imagem de uma operação que abre um dado fazer a múltiplas possibilidades e usos, cujo "valor" é intrínseco e imanente. Eu leio tudo isto como uma aproximaçao à filosofia da história que busca reinventar uma tradição do oprimidos em torno da noção de "singularidade". Os seus limites não te terão porventura passado despercebidos, mas eu estou interessado num pensamento que parece partir de pressupostos consideravelmente outros que não aqueles com os quais estou familizariado.
Quanto a Foucault, acho que a introdução da ideia de totalitarismo não nos ajuda a compreender o seu programa (neste caso o termo parece-me funcionar melhor). Ou seja, é sempre de práticas que estamos a falar, nesse binómio poder/resistência, e as práticas decorrem sempre em circunstâncias variáveis, num campo saturado de tensões e desafios. São sistemas atravessados por estratégias e subjectividades, não mecanismos dotados de uma regularidade fechada. Acho que isso fica muito claro na estratégia de investigação e argumentação de Foucault relativamente às práticas disciplinares. Ler o poder como um conjunto de relações é o contributo fundamental do seu trabalho. Eu não vejo (nem procuro) ali nenhuma "saída". Apenas uma cartografia do conflito à qual reconheço um elevado nível de rigor.
Um abraço.
Não seja COBARDE, PUBLIQUE O MEU TEXTO: FAR/Niet
Oh, sr. COBARDE E FALSISSIMO ESQUERDISTA, AGORA JA CENSOR INVETERADO AO SERVICO DO SISTEMA.
PUBLIQUE O MEU COMMENT E DISCUTA-O!
SEU PALHACO FEIOSO E MERDOSO.
FUI Auditor Livre do Foucualt no Collège de Francxe nos anos 80; e ALUNO de Deleuze, LYOTARD, RANCIÈRE,JA. MILLER, POULANTZAS !
TENHAS VERGONHA! Niet
Curioso, meu caro, o símile do poema. E, com efeito, eu creio que o pensamento e a acção política muito terão a aprender com a frequentação da poesia. Um dia, voltaremos ao assunto em si mesmo, pois penso que vale a pena.
Mas — e isto vale mais para o Aamben do que para o Foucault, sobre o qual não tenho muito, de momento, a acrescentar — o poema não se limita a destituir e a inoperar, a ficar-se pelo chamado estado de "inspiração", nem se furta a essa "longa paciência" que, segundo Rilke, é o seu génio (ou geração criadora). A "destituição" da linguagem já dita ou já feita é, no fundo, subsidiária de recriação da linguagem que, dizendo e fazendo o que nada dissera ou fizera ainda, que o poema opera na linguagem, justamente lá onde ela é essa metamorfose interna ao real que, corpo a corpo com ele, o ilumina, e, a uma luz que não preexistia nem como origem nem como destino antecipado, reconhece.
Ou engano-me muito, pá?
Abraço
miguel(sp)
O MS. Pereira alertou-me ontem - 17 do corrente por volta do Meio Dia Menos 10 ...- Que o meu comment já tinha sido publicado! Parece ter sido ou um engano ou uma péssima manobra de diversão, a certificar o carácter anti-democrático dos Blogues com caixa fechada e equipagens pretorianas blindadas numa hierarquia de interesses inconfessáveis! Fico a aguardar, antes de tomar outras iniciativas, sr. Noronha de Ronha!. Niet
Sr. Noronha de ronha : Publique o meu comment, conforme o dava realizado ontem, dia 17 pelo Meio-Dia-Menos Dez, o sr. poeta Miguel Serras Pereira. Niet
Oh, senhor Ricardo Noronha von Ronha!
Quando sai o meu comment que V. Excia se permitiu censurar reaccionariamente? Vai ser lindo, vai... Niet
Ricardo Noronha: A coisa devia ser discutida sobre a situação politica e cultural que envolve os blogues com caixas estanques.Eu afoitava-me a mantê-las sempre abertas. Como fizeram avant la lettre a Constança e o VP. Valente no
por eles concebido, e que o FG Viegas tinha em arquivo. Se bem me lembro... Aparecia lá o Manuel Vilaverde Cabral a escrever em alemão macarrónico. Vão lá mais de
8 a nove anos. Como diz sibilinamente o grande poeta Miguel Serras Pereira, o vinho produzido pelo Henrique Granadeiro na Herdade de Évora anda-me a fazer mal. Gostei do seu gesto de abertura! Niet
Niet, sou efectivamente um palhaço, mas não assim tão feioso e apenas tão merdoso como qualquer outro ser humano. Não tinha reparado que era necessário aprovar comentários.
Os seus são particularmente interessantes e estimulantes. Queira desculpar a minha pretoriana distracção e volte sempre.
Ricardo Noronha,como sublinhou H.Putnam num livro ditirâmbico sobre o eclipse da razão, " justificar e explicar não são sinónimos; todavia nos debates politicos passamos de um ao outro, como se fossem a mesma coisa ". E depois não deixa de aprofundar essa tese: " A política não é uma arte, é qualquer coisa como a Gastronomia, como dizia Platão: dá prazer/estimula sem ser boa para o corpo: Aqui é a ignorância ou a inconsciência que são bajuladas. Como as bajular? Fazendo passar as opiniões por valores, quando não são senão ignorância, tanto quanto seja considerado verdadeiro o assunto da opinião ". O R. Noronha por certo já muitas vezes meditou naquela injunção do Freud de que " nada é terno ", muito menos em ciência e politica...Salta-lhe, é evidente, na sua resposta, um reflexo para tentar menorizar o que apresento de forma fragmentária ou parcial,descurando malevola e acintosamente mais uma tese de Putnam: " a descoberta do último conceito- mesmo se foi produzido por nós-próprios - não suprime jamais o mistério, que é a caracteristica do trabalho quando é bem feito ". Rorty bem justifica, por outro lado, que a filosofia e a sociologia são géneros de escrita, isto é, assumem tanto por bem como por mal a sua afirmação tentando deslocar os vocabulários,os problemas, os critérios,etc que são admitidos para inventaroutros novos e mais interessantes ". Niet
Ricardo Noronha: Agradecia que se não esquecesse da minha resposta, sff. É importante, do meu ponto de vista para esclarecer a necessidade de mudar as regras dos Blogues, claro. Thanks. Niet
Obrigado, Ricardo Noronha! Niet
Não me esqueço de nada e vejo-o muito avançado no caminho sugerido por Agamben. Assim de repente, vejo-o perfeitamente destituído de interesse, inteligência ou sentido das proporções.
Até agora você era apenas um imbecil que habitava as caixas de comentários. Doravante é um imbecil desagradável que habita as caixas de comentários. Se alguma vez tiver oportunidade de vir a Lisboa não hesite em informar-me previamente e teremos oportunidade de conversar sobre os curiosos adjectivos que me dirigiu. Garanto-lhe que aprenderá coisas que não se ensinam no College de France.
Desculpe lá, oh. sr. Noronha,congratule-se por eu o ter chamado à razão em não censurar! O que é imenso, como deve realizar: era uma mancha negra que lhe colocava na pele e nada faria jamais desaparecer. Não esperava que me incensasse ou prodigalizasse: eu sei o que valho e não é qualquer Noronha que me pode incomodar. Passe bem ! Niet
DE um texto que coloquei na Net, selecciono: " Leram bem a resposta do sr. R.Noronha? Não desmente nenhuma das minhas acusações de enorme acutilância no que se prende com a representatividade politica pessoal e as funções gerais do Blogue.
Eu nunca pensei que fosse possivel encontrar alguém tão agrilhoado a uma retórica ambiciosa, despudorada e elitista no sentido mais cruel e reaccionário que se possa ler!
Que lindo enterro que esses aprendizes de feiticeiro vão fazer ao Vias. Ou melhor, irão concluir.
É PRECISO SER-SE MESMO O PIOR DOS CRÁPULAS E IGNORANTES PARA DIFERENCIAR A QUALIDADE DOS TEXTOS E A DOS COMENTÁRIOS.
COMO SE,APRENDIZ DE BUROCRATA; ELE SE ACHASSE POSSUIDO DE UMA SUPERIORIDADE DIFERENCIADORA E HIERAQUIZADA DO SISTEMA.
Pobre diabo, e quem vai no seu mavioso canto ainda parece ser pior e mais rasca!
Claro, participei num Blogue colectivo seleccionado pelos mais representativos dos seus parceiros nacionais, desde 2006. E nunca me coloquei em bicos-dos-pés ou ensaiei rábulas de entrar/sair...por motivos inconfessáveis ou chantagistas...
Niet
OH.sr. Noronha: Publique oa minha resposta ao seu lamentável e funesto texto, a todos os titulos! Niet
Sr. Noronha de altissima Ronha: Só tipinhos como o sr. cometem a arbitrariedade letal e fatal de adiar a publicação dos comentários sine die. Publique a minha resposta ao seu último comentário, sff. Assuma a sua terrivel e crassa ignorância do dever e do sentido da democracia em acto,que V. Excia teve o arrojo de queimar e deitar por terra ao defender a diferença qualitativa entre textos e comentários, e entre postadores e leitores/participantes. É uma falta gravissima e intolerável, e que pode colocar em dúvida o futuro do Vias! Niet
72 horas à espera de ver publicada a minha réplica ao seu mais que infeliz comentário: onde mostrou toda a sua miserável arrogância e ignorância ao tentar, sibilina e crapulosamente, dividir e justificar a oposição ( imaginária, direi eu!)entre a putativa qualidade dos textos dos postadores do Blogue e a dos comentários dos ilotas que aceitam aparar esse jogo inacreditável e insustentável a todos os titulos! Percebe a sua maldade e estupidez? Foi um erro capital! Não seja cobarde nem prepotente e publique a minha réplica, sff. Niet
A ver se nos entendemos: não tenho vida para aprovar ou desaprovar comentários e esqueço-me com frequência da própria existência de semelhante tarefa. Quanto ao resto e uma vez que não vislumbro propriedades terapêuticas no acesso à internet, confesso que me custa compreender as razões pelas quais o seu psiquiatra lhe recomenda que passe tanto tempo na caixa de comentários de um post que não aprecia, escrito por alguém que é isto e aquilo, senão mesmo outra coisa qualquer. Considero esta questão encerrada e juro que não volto a vir cá ver que outros epípetos me reserva, enquanto não substituir os comprimidos vermelhos pelos azuis.
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