07/02/14

Por um Poder Destituinte

Numa palestra pública recente, Giorgio Agamben, filósofo italiano, defende que a classe dominante, em particular através das estruturas de Estado, tem vindo a mudar o modo como aborda a contestação às medidas que tenta implementar e as crises sistémicas do capitalismo. Aqui podem encontrar a transcrição dessa palestra muito interessante. Segundo Giorgio Agamben, cada vez mais a governação tem substituído o planeamento estratégico, que pretendia evitar crises futuras que pudessem colocar em causa o Poder da classe dominante, pelo desenvolvimento de instrumentos de controlo da contestação ao sistema, que se agudiza em situação de crise (sociais, económicas, ambientais).

"(…)Since governing the causes is difficult and expensive, it is safer and more useful to try to govern the effects. I would suggest that this theorem by Quesnay is the axiom of modern governmentality. The ancien regime aimed to rule the causes; modernity pretends to control the effects. And this axiom applies to every domain, from economy to ecology, from foreign and military politics to the internal measures of police. We must realize that European governments today gave up any attempt to rule the causes, they only want to govern the effects. And Quesnay’s theorem makes also understandable a fact which seems otherwise inexplicable: I mean the paradoxical convergence today of an absolutely liberal paradigm in the economy with an unprecedented and equally absolute paradigm of state and police control. If government aims for the effects and not the causes, it will be obliged to extend and multiply control. Causes demand to be known, while effects can only be checked and controlled.(…)"

"(…)The state in which we live now is no more a disciplinary state. Gilles Deleuze suggested to call it the État de contrôle, or control state, because what it wants is not to order and to impose discipline but rather to manage and to control. Deleuze’s definition is correct, because management and control do not necessarily coincide with order and discipline. No one has told it so clearly as the Italian police officer, who, after the Genoa riots in July 2001 declared that the government did not want for the police to maintain order but for it to manage disorder.(…)"

Esta mudança resulta da percepção no seio da classe dominante que a frequência e a severidade dessas crises vai aumentar, pouco podendo fazer para o evitar, pelo menos sem abdicar duma fracção muito substancial do seu Poder. As implicações desta mudança de paradigma para a contestação ao sistema ainda não são claras, mas não as podemos deixar de discutir, sob pena de continuarmos a insistir em processos que acabam por reforçar o sistema na vã tentativa de o derrubar.

"(…)The security paradigm implies that each form of dissent, each more or less violent attempt to overthrow the order, becomes an opportunity to govern these actions into a profitable direction. This is evident in the dialectics that tightly bind together terrorism and state in an endless vicious spiral. Starting with French Revolution, the political tradition of modernity has conceived of radical changes in the form of a revolutionary process that acts as the pouvoir constituant, the “constituent power”, of a new institutional order. I think that we have to abandon this paradigm and try to think something as puissance destituant, a purely “destituent power”, that cannot be captured in the spiral of security. (…) While a constituent power destroys law only to recreate it in a new form, destituent power — insofar as it deposes once for all the law — can open a really new historical epoch. (…) To think such a purely destituent power is not an easy task. Benjamin wrote once that nothing is so anarchical as the bourgeois order. (…) It is precisely because power constitutes itself through the inclusion and the capture of anarchy and anomy that it is so difficult to have an immediate access to these dimensions; it is so hard to think today of something as a true anarchy or a true anomy. I think that a praxis which would succeed in exposing clearly the anarchy and the anomy captured in the governmental security technologies could act as a purely destituent power. A really new political dimension becomes possible only when we grasp and depose the anarchy and the anomy of power. But this is not only a theoretical task: it means first of all the rediscovery of a form-of-life, the access to a new figure of that political life whose memory the security state tries at any price to cancel."

O abandono da primazia (porque continuará a ter a sua utilidade) da oposição espectacular, que interessa antes de mais aos que apenas almejam em herdar ou reconstruir o sistema, será essencial para criar esse "poder destituinte". Cuja essência terá necessariamente de radicar na re-criação do colectivo, da comunidade, da alternativa de vivência que permita o abandono, a sabotagem, dos fluxos sociais e económicos sob controlo da classe dominante, em grande parte através do Estado.

21 comentários:

Anónimo disse...

Fugindo à sordidez do espectáculo e ao cinismo dos aparentes "!triunfadores", o Pedro Viana tem multiplicado as iniciativas de leitura e análise. Sobre a autonomia e os conselhos operários, em texto anterior, acertou em cheio: tudo depende da vontade de emancipação dos explorados e marginalizados. A coisa fia fino, pois Pannekoek e Marcuse colocam mais diferenças num conjunto muito complexo onde a dominação e a ideologia dominante asfixiam quase por completo. Salut! Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Curioso texto, caro Pedro. O grande problema que me levanta é, todavia, o seguinte: Não vejo como um poder puramente destituinte, como um poder destituinte que não resulte e não decorra como efeito (ainda que necessário, claro) de uma vontade e de um poder instituinte, poderá antecipar, nos vários sentidos do termo, a refundação da política e da democracia, que GA não parece, apesar de tudo, tão disposto como Foucault a pôr pura e simplesmente de lado.
Confesso que me parece bastante inquietante e de mau agoiro que em certos meios de esquerda goze de cada vez mais voga a ideia de que a alternativa às instituições presentes se apresente como a fantasia de uma sociedade sem instituições — ou seja da ausência de sociedade. Nem o carnaval nem a santidade são alternativas políticas, a autonomia não é ausência de determinações mas autodeterminação, a anomia não é decerto a melhor via nem da reinvenção da política nem da liberdade.

Abraço

miguel(sp)

XXI disse...

"Confesso que me parece bastante inquietante e de mau agoiro que em certos meios de esquerda goze de cada vez mais voga a ideia de que a alternativa às instituições presentes se apresente como a fantasia de uma sociedade sem instituições".

Talvez porque começa a surgir a impressão de que a auto-determinação pode estar a ser conduzida para algo como "participa na construção das tuas próprias limitações".

Pedro Viana disse...

Caro Miguel,

Não creio que o Giorgio Agamben advoge a anomia, a ausência de vontade, de determinação. Apesar de algumas partes do texto parecerem-me confusas na sua intenção, a frase que o encerra

"(…)it means first of all the rediscovery of a form-of-life, the access to a new figure of that political life whose memory the Security State tries at any price to cancel."

tem um significado que julgo claro. Em vez de tentarmos construir instituições alternativas ao Estado (já nem para falar das tentativas de re-instituir o Estado sob novas roupagens), devemos primeiro (re-)construir / (re-)descobrir vivências ("form-of-life") políticas, sociais, económicas, ambientais, que a classe dominante, através da mercantilização e do Estado securitário tenta nos fazer esquecer / impedir de criar. O primeiro passo, que destitui o Capitalismo e do Estado, é a recusa e abandono destes. Através da criação em colectivo, em comunidade, das condições para uma outra vivência, ou experiência de vida. As instituições que enquadrarão essa vivência, naturalmente dela surgirão. Reflectindo a recusa do Poder hierárquico, que caracteriza Capitalismo e Estado, serão instituições radicalmente democráticas. O meu receio é que não tenhamos tempo suficiente para tal, sem antes ocorrer um colapso do sistema vigente, com as consequências trágicas facilmente imagináveis.

Abraço,

Pedro

Anónimo disse...

Aonde pára o meu comentário, Pedro Viana? Vamos assumir as coisas? Ou acha que se deve controlar ad nauseum? Diga, please? Niet

joão viegas disse...

Ola aos dois,

A minha primeira reacção, provisoria embora, é exactamente a mesma do que a do Miguel : a priori, estamos perante uma figura que parece carregar consigo todas as tentações do radicalismo erratico com o risco de descambar no aventureirismo lunatico. Eu sei que ha o Gramsci, e a teoria da crise salutar, mas caramba, sera que faz sentido sacrificarmos tudo ao poder destrutivo, abandonando a perspectiva construtiva e a necessaria responsabilidade cidadã que é (e deve ser) a seiva verdadeira da democracia ?

Na minha modesta opinião, o que distingue a esquerda, não é que ela sonhe, mas antes que ela pugne incansavelmente, com preocupação de eficacia, no sentido de transformar os seus sonhos em realidades concretas e efectivas.

Foguetes, ha muitos...

Bom, devo estar a ser injusto, como tantas vezes. Ja ca volto.

Abraços

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro, creio que o João Viegas põe bem um aspecto fundamental do problema. Dito isto, estou bem mais de acordo contigo e com a tua leitura (ainda que a meu ver errónea) do que com o que diz o texto que lês, e creio que distorces, ainda que para melhor. Porque o construir ou reconstruir "formas de vida" de que falas, o que é senão o propor, criar e desenvolver de "instituições [ou embriões de instituições e de uma relação diferente com elas] alternativas ao Estado". E acresce que o passo de que falas, da recusa e do abandono do Estado securitário, para ser uma saída tem de sair para algum lado ou "forma de vida". E assim por diante… A destituição do poder da dominação classista e hierárquica tem por condição necessária o exercíco de um (contra-)poder alternativo através da participação igualitária de todos nas deliberações e decisões do seu governo ou modo de organização da sua polis.

Abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Bom dia Niet,

Um pouco de calma. Não estou sempre a verificar a chegada de comentários. E às vezes esqueço-me que tenho de os aprovar, como foi o caso (lembro que os comentários dos membros do Vias são automaticamente publicados).

Cumprimentos,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro XXI,

é verdade que o sentido de palavras como "política", "democracia", "liberade", "igualdade", "cidadania", etc. é distorcio, falsificado e recalcado no discurso corrente. É verdade também que isso levanta dificuldades maiores que nem sempre sabemos enfrentar da melhor maneira. Mas a questão de fundo subsiste: não será destruindo ou destituindo a linguagem, abandonando-a pelo silêncio, a onomatopeia ou a "lalação" infantil, que resolveremos a dificuldade ou venceremos os sofismas da "ideologia" ou "desideologização" dominante. Destituir a linguagem ou suspender o uso da palavra seria uma rendição que nos deixaria ainda mais desarmados e só reforçaria a dominação.

Cordialmente

msp

Pedro Viana disse...

Caros João e Miguel,

Posso realmente estar a interpretar mal o que Giorgio Agamben pretende dizer no que se refere ao aspecto que vocês mencionam. Na verdade, a parte que mais me interessou da sua palestra foi a proposta de que a classe dominante, nomeadamente através das estruturas de Estado, está a abandonar a prevenção da(s) crise(s) em prol da sua gestão. Tal só se justifica se tiverem concluído que ou o custo (para eles) da prevenção é muito maior do que o associado à gestão (o que poderá indiciar uma confiança acrescida nos seus mecanismos de gestão de crises) e/ou que as (ainda maiores) crises que se avizinham são inevitáveis. Qualquer uma destas justificações sugerem dificuldades acrescidas de contestação ao sistema, e sua eventual superação, num futuro próximo. Como agir face a esta mudança de cariz do sistema de dominação?

Adiante, voltando aos vossos comentários, o que continuo a ler na intervenção de Giorgio Agamben é a sugestão de que antes de tentarmos construir um novo tipo de instituições, capazes de assegurar funções essenciais de coordenação sócio-económica, em parte hoje asseguradas pelo Estado, devemos (re-)construir uma vivência (política, social, económica, ambiental) da qual essas novas instituições resultem de forma "natural", ou emergente (ie. como resultado das necessidades concretas de coordenação social e económica com que os vários colectivos e comunidades se verão confrontadas a dada altura do seu crescimento). Esta sugestão parece-me que resulta de vários factores, entre os quais: (1) hoje em dia a noção de Estado é de tal modo omnipresente, que é praticamente impossível construir uma alternativa (institucional) real ao Estado com a participação duma fracção minimamente significativa da população (ou seja é muito difícil ao cidadão típico hoje "pensar fora" do conceito de Estado; a meme Estado foi uma das mais eficazes colonizadoras da mente humana); (2) enquanto existir Estado, qualquer instituição (por mais alternativa que seja) corre o risco de ser co-optada, mais que não seja porque a dada altura será obrigada (pelo Estado) a entrar em diálogo (mesmo que reduzido a mera interacção do tipo acção-reacção) com o Estado. Ou seja, muito dificilmente conseguimos hoje construir instituições amplamente participadas que não mimetizem o Estado, nem o conseguiremos após um eventual futuro colapso do Estado, se as pessoas que então tiverem em mãos a tarefa de re-construir formas de coordenação sócio-económica, continuarem inconscientes da existência de formas alternativas de interagir, de viver, que não sob o jugo hierárquico e modos de exploração, para cuja perpetuação o Estado foi construído. Precisamos primeiro de (re)aprender a caminhar (viver), individual e colectivamente, fora do caminho estreito que nos querem impor. Desobedecemos. Depois, dessa liberdade, algo novo surgirá, naturalmente muito diferente do que antes nos era obrigado. Isto não é sonhar. Pelo contrário. É um apelo há concretização, em cada passo que damos (como se fosse fácil caminhar livremente…), dum processo de ruptura e reconstrução, em contraponto à (vã) tentativa de substituição de-hoje-para-amanhã (processo revolucionário clássico) das formas de Estado por algo por alguém ou muitos sonhado, ou apenas discutido.

Abraços,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Pedro, as novas formas de viver de que falas requerem formas de organização colectiva regulares, que permitam tomada de decisões, repartição de tarefas, produção e repartição de bens, definição de objectivos comuns a alcançaretc. Para que tudo isto seja possível, não bastará destituir o poder do Estado securitário nem abolir as suas leis sem lhes substituir outras, mas tornar-se-á necessário INSTITUIR modos de deliberação e decisão, regras de funcionamento, ordenamentos do espaço e do tempo, que não serão naturais — sobretudo se quisermos que sejam igualitários e garantam a autonomia democrática, tanto a nível colectivo como individual. Muito mais haveria a acrescentar — como, por exemplo, que uma sociedade é irredutível às relações interpessoais dos seus membros, etc. —, mas, de momento, nao irei por aí. Basta-me dizer que tenho a impressão de que a tua própria argumentação pressupõe muito mais do que a destituição.

Renovado abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

Tocas em alguns pontos interessantes. Por exemplo, "uma sociedade é irredutível às relações interpessoais dos seus membros". É verdade, mas assenta nestas (e aqui considero todas, desde entre 2 pessoas até ao nível de comunidades alargadas), e nas decisões que cada membro toma individualmente. Diria que existe sociedade, existe algo mais do que apenas a soma dessas interacções, mas que esse algo mais é uma propriedade emergente, que resulta dessas interacções. Ou seja, não é algo exterior a essas relações, do que resulta que uma dada "forma social" só é possível se certos tipos de relações interpessoais forem dominantes.

Portanto, o que tenho tentado dizer é que o processo de construção institucional deve ser "de-baixo-para-cima", e emergente. Primeiro experimenta-se em pequena escala, no seio de projectos concretos de cooperação que tentam construir um caminho alternativo, depois constroem-se ligações, que irão então exigir a implementação de processos comuns de decisão, e assim por diante (e a dada altura o Estado vai tentar interferir...), até chegarmos às instituições de cariz genérico e âmbito global que mencionas. Este processo de construção institucional é diferente duma tentativa "de-cima-para-baixo", em que o esforço inicial é colocado na construção dessas instituições e processos decisórios. No actual contexto "cognitivo", tal é uma via que desembocará noutra forma de Estado.

Abraço,

Pedro

Zé Neves disse...

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514128-o-sacro-dilema-do-inoperoso-em-giorgio-agamben-artigo-de-antonio-negri

XXI disse...

"Para que tudo isto seja possível, não bastará destituir o poder do Estado securitário nem abolir as suas leis sem lhes substituir outras, mas tornar-se-á necessário INSTITUIR modos de deliberação e decisão, regras de funcionamento, ordenamentos do espaço e do tempo, que não serão naturais — sobretudo se quisermos que sejam igualitários e garantam a autonomia democrática, tanto a nível colectivo como individual. Muito mais haveria a acrescentar — como, por exemplo, que uma sociedade é irredutível às relações interpessoais dos seus membros, etc"

Será? Não será essa alternativa passar de uma caixa pequena para outra um pouco maior?
É esse o horizonte que se consegue vislumbrar para o ser humano?
É esse o limite de auto-responsabilização e auto-determinação a que o ser humano pode aspirar, transferir as decisões de uma representação minoritária para uma representação maioritária mesmo sendo parte dela?
É esse o pináculo de uma sociedade livre?
Atenção que tenho plena consciencia da necessidade da progressividade dos "saltos quanticos" mas no plano das ideias há uma diferença entre conceber o utópico/realizar o possível e conceber o possível/guardar o utópico.

Concordo com Pedro Viana no seu ultimo comentário quando diz que "o processo de construção institucional deve ser "de-baixo-para-cima", e emergente", considero o individuo a unidade indivisível e a acção um movimento individual e como tal, um conjunto de individuos é que faz um colectivo e não o colectivo um conjunto de individuos.

Porquê a relutancia (pelo menos no plano das ideias) de que a "ordem" tenha a possibilidade de nascer da acção livre do individuo?

É que não sendo contra a "institucionalização da vontade comum" tenho alguma dificuldade em permanecer sentado aí.

Abraço.

Miguel Serras Pereira disse...

Viva, Pedro.
Muito haveria a dizer sobre a irredutibilidade do social-histórico a uma intersubjectividade dos indivíduos. Mas, como te disse, não me parece que seja o momento de a discutirmos agora. Dito isto, tens razão em dizer que a relação entre uma sociedade e os seus indivíduos não é de exterioridade, etc. Um dia destes, havemos de voltar a este aspecto.
Quanto ao resto, à oposição "de baixo para cima" e "de cima para baixo", por exemplo, também continuo a dizer-te que concordo mais contigo do que com o texto de GA. Só que, também aqui, não é saindo da sociedade que a alternativa se organiza, mas transformando, na sua base, o modo de organização — contra o modo hierárquico e não fora do seu alcance, ou no "deserto".

Abraço

miguel(sp)

joão viegas disse...

Ola a todos.

Tanto que ler...

Uma coisa no entanto continua a causar-me alguma confusão. Em que é que as considerações do Pedro Viana, algumas de muito bom senso, legitimam a expressão "poder destituinte", que sugere coisas muito diversas daquelas que ele defende.

Entendamo-nos : em Roma, supostamente, a plebe retirou-se para o monte sacro, ameaçando com isso fazer secessão, porque considerava que não era tratada como parte integrante da republica (por ser menorizada, nomeadamente em razão do peso da dividas dos pobres). Mas, a seguir, o seu combate consistiu sempre em procurar legitimar os seus orgãos (e o seu poder) dentro da republica...

Mais uma vez, sou inteiramente a favor de formas de auto-organização cidadã e julgo mesmo que nelas podemos ver uma forma legitima e eficaz de lembrar a todos qual é a verdadeira fonte do poder democratico. Muitas revoluções tornaram-se possivel por esta via.

Mas porquê falar em poder "destituinte" ?

Abraços

Anónimo disse...

A Comuna de Paris( 18 Março a 28 Maio 1871) por Debord, Kotànuyi e Vaneigem( Ratgeb)

Um fragmento de um texto colectivo dos fundadores da I. Situacionista, de indesmentivel impacto.

" A Comuna revela como os defensores do Velho Mundo beneficiam sempre, num ou noutro ponto, da cumplicidade dos " revolucionários "; e, sobretudo,da parte dos que" pensam" a Revolução. É nesse ponto que os revolucionários pensam como os reaccionários. O Velho Mundo conserva desse modo as bases( ideologia, linguagem, sentimentos e gostos )no interior dos seus inimigos, e disso se serve para recuperar o espaço de luta social perdido.( Só não conseguiu jamais recuperar o pensamento em acto natural do proletariado: o Tribunal de Contas ardeu !)". Salut! Niet

Pedro Viana disse...

Bom dia,

Talvez este outro texto

http://eipcp.net/transversal/0507/nowotny/en

ajude na compreensão do conceito de "poder destituinte".

Eu interpreto a expressão como sendo um modo de colocar ênfase no processo de desconstrução das instituições existentes. O qual, na minha interpretação, requer a experiência de viver na ausência dessas instituições, ou seja implica o desenvolvimento de vivências alternativas, que servirão de embrião para a construção de novas formas institucionais de decisão. Sem a destituição das formas actuais, sem passarmos pela experiência de formas alternativas de interacção política, social, económica, ambiental, sem o desenvolvimento deste poder destituinte, deslegitimizante, das formas e relações dominantes hoje em dia, temo que continuemos a repetir os mesmos erros do passado. A (re-)construir, mesmo que inconscientemente, sobre as fundações das instituições e formas de relação que queremos superar. E um edifício é o que as suas fundações deixarem… Destituir, verdadeira e conscientemente, antes de instituir (que como antes sugeri, talvez devesse ser um processo emergente e não conduzido a priori com esse fim em vista).

Abraços,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
deixando de lado outros aspectos, acontece que a "experiência de formas alternativas de interacção política, social, económica, ambiental" que propões basta para mostrar que a destituição é tributária da acção instituinte dessas formas. Acontece também que, se queres dizer que a criação e extensão de novas formas de (inter)agir) implica a destituição ou destruição das formas do poder instituído, limitas-te a enunciar um truísmo, uma evidência, que dispensa bem a tentativa de opor um "poder destituinte" como alternativa ao "poder constituinte", uma vez que tal oposição só serve para obscurecer o que está efectivamente aqui em jogo.
Em suma, estou como o João Viegas: não compreendo porque insistes em reivindicar o termo de "poder destituinte" para propostas e reflexões que seriam bem mais claras ignorando-o — ou, se insistes, e sans rancune, "destituindo-o".

Abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

Parece-me que nosso o desencontro reside mais na semântica do que na essência. Na sua intervenção, Agamben propõe o conceito de "poder destituinte", em contraponto ao conceito "poder instituinte", após argumentar que a transformação dos processos de governo/domínio, a passagem da prevenção para a gestão da(s) crise(s), impõe uma mudança de estratégia aos que procuram superar esse sistema. No passado, essa estratégia, mais evidente no marxismo-leninismo, assentava no desenvolvimento duma capacidade instituinte, caracterizada pela procura do confronto com os poderes-de-facto, na tentativa dos capturar/destruir, substituindo-os posteriormente por outras estruturas institucionais de exercício de poder (nomeadamente, a célebre "ditadura do proletariado"). Parece-me que quando Agamben fala em "poder instituinte", está a pensar nessa forma clássica. E é da opinião que não basta defender um "outro tipo de poder instituinte", sendo necessário ser mais claro no corte com essa estratégia clássica, cada vez mais ineficaz tendo em conta a mudança de estratégia da classe dominante.

Finalmente, o simples facto do termo "poder" fazer parte do conceito em discussão, parece-me demonstrar que Agamben não está a defender a anomia, mas sim o desenvolvimeto duma capacidade, dum "poder", o que necessariamente requer determinação, vontade. Neste caso, para abandonar o que existe, e estar disposto a (re)construir uma verdadeira alternativa.

Abraços,

Pedro

Anónimo disse...

O futuro do projecto de Autonomia- " A finalidade de uma sociedade autónoma não consiste no desenvolvimento das forças produtivas mas, sim, na criação de seres humanos livres e tanto quanto possivel sages/razoáveis.
Sociedade autónoma: como o socialismo quando o compreendiamos outrora, não é senão a ideia de democracia pensada até ao fim. O que é que significa democracia? Duas palavras gregas: dèmos, kratos, povo, poder, poder do povo; mas o povo é composto por individuos, portanto os individuos devem também ter o poder enquanto membros do povo; e isso quer dizer também que o povo como os individuos devem ser livres. Mas o poder do povo só se pode realizar pela democracia directa, isto é, por decisões que toma a colectividade por-si e não por representantes insubstituiveis.A representação, tal como existe hoje, é acima de tudo uma alienação do poder dos representados oferecida aos representantes e ao mesmo tempo uma divisão do trabalho politico estrutural e instituido entre dirigentes e dirigidos. Esta divisão do trabalho deve ser abolida. É isso que significa: abolir a dominação de uma fracção de classe sobre as outras. A divisão do trabalho não é a mesma coisa que a divisão das tarefas, não acham? As tarefas devem ser repartidas, todo o mundo não pode fazer a mesma coisa ao mesmo tempo. O que deve ser suprimido, é a existência de uma categoria social cujo papel é o de dirigir as outras. O que não quer dizer apesar de tudo que não possam existir pessoas que durante um periodo ou durante algum tempo joguem um papel mais importante que as outras; a questão, é que essas pessoas não cristalizem institucionalmente a sua posição para sempre ". Castoriadis, Conferência de Porto Alegre( Brasil), 1991. Niet