É verdade que várias gerações de portugueses viveram à sombra das garantias do Estado. Acreditaram que este seria uma “pessoa de bem”, “de direito”; capaz de administrar a justiça e zelar pelos desvalidos, redistribuindo parte do que exigia aos mais afortunados. Imagine-se que a confiança na providência ia ao ponto de lhe confiarem o bem-estar na doença e na velhice.
Mas não era para menos: nas suas origens, o Estado existia por graça divina, tendo esta legitimidade sobre-humana dado depois lugar à miragem de uma entidade neutra que velaria pela liberdade de todos, com o “interesse nacional” a tudo justificar.
Isso até ao dia em que uma conveniente crise internacional pôs nas mãos de uns poucos a oportunidade de devolver o Estado à sua real condição: a de ferramenta de domínio na luta de classes.
O Estado português é hoje um dispositivo que retira a maior verba possível a quem trabalha, sacrificando-a no altar na estabilidade dos mercados e das instituições financeiras. Nos estilhaços desta ofensiva jazem os danos colaterais do costume: os doentes, os pobres, os desempregados, os velhos, as crianças. “Custe o que custar” – todo um programa em quatro palavrinhas.
Bens supérfluos como a noção de dignidade mínima do cidadão... ei-los tragados pela nova configuração do nosso mundo: um gigantesco formigueiro onde só temos é de aceitar cada sacrifício suplementar sem fazer ondas. Quem não suportar esta nova ordem que fuja para o estrangeiro ou para debaixo de um comboio.
2 comentários:
O "Estado e a Revolução" tem permanecido na minha estante, confesso que, mais por provocação e como "vassoura atrás da porta" para enxotar visitas indesejáveis, do que por convicção de que viesse a ter necessidade da sua releitura.
Pois não é que o post do Luís Rainha me obrigou a ir novamente retirar o livrinho da estante? - Vou reler, pelo menos, sublinhados e anotações. Mas julgo pouco plausível que a releitura me leve a suspirar por alguma forma de advento do "Estado do Proletariado".
nelson anjos
Rainha, quedo-me, ainda, tartamudo ante as tuas palavras!! Digo-te que, à laia de cão velho, vais repetindo os mesmos olhares com diferentes expressões!! Há já alguns anos que te leio e ainda hoje me quedo supreso pela expressividade das tuas ironias, risos, formas, cansaços e desabafos de encanto e desencanto!!
Digo-te isto com lamento, bem sabendo que te não embeveces, pois que prefiro, à laia de albatroz desengonçado, lançar-me-te em contradição!! Paciencia, fica prá próxima!!
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