O João Rodrigues ficou chateado com o meu artigo. Mas eu acho que ele não tem razão. Que fazer? Comecemos pelo essencial e deixemos o acessório para o fim. O João Rodrigues acha que exagero na crítica ao seu patriotismo. A mim parece claro que a política defendida pelo João Rodrigues assume um pendor cada vez mais patriótico e cada vez menos internacionalista. Por que entendo as coisas assim? Porque vejo o João a propor uma desglobalização, quando eu sempre pensei que o problema era a globalização mercantil e não simplesmente a globalização. Desmercantilizar a globalização, claro que sim, mas desglobalizar é uma palavra de ordem muito diferente. E é uma palavra que se arrisca a por tudo no mesmo saco, o movimento de mercadorias e o de pessoas, o livre-cambismo e o cosmopolitismo, a globalização neoliberal e o internacionalismo de classe. Infelizmente o internacionalismo do João Rodrigues é cada vez mais uma forma de mediação entre sentimentos nacionais e não uma forma de ler e agir no mundo transversal a esses sentimentos. Ao internacionalismo do João poderíamos chamar um internacionalismo nacionalista. É pelo menos neste sentido que leio a sua proposta para que em vez de internacional passemos a escrever inter-nacional, isto dito entre vivas aos hinos nacionais e à soberania nacional, que me parecem querer continuar em França, via Mélenchon, o ido projecto alegrista que animou o João e os seus colegas de blogue. (Embora deva dizer que a candidatura de Mélenchon é evidentemente bem mais interessante do que a de Alegre, o que ainda assim deveria evitar histerismos personalistas que não têm cabimento em qualquer projecto de esquerda que se preze, ao contrário do que parece querer demonstrar o Nuno Teles).
Há uma outra questão importante no post do João Rodrigues que gostaria de comentar. O título do post é “Nem nada”, em referência ao título do meu artigo “Nem Crise Mundial, nem Solução Patriótica”. É um título, o do João, que é feliz enquanto sound-byte e os títulos também são isso, por certo que o são. Mas enquanto programa de argumento, é mau. É mau, em primeiro lugar, porque revela uma concepção enfraquecida do que possa ser criticar. O João Rodrigues parece exigir que eu, para criticar, tenha uma alternativa concreta a oferecer. Temo que o João esteja a aplicar a mim o tipo de argumento que os Camilos Lourenços tantas vezes aplicam ao próprio João Rodrigues e que no fundo reza assim: “falam mal do capitalismo mas não têm alternativa”. Ora, o que o João parece presumir, tal como o Camilo Lourenço e afins pressupõem em relação ao João, é que criticar é simplesmente dizer mal. Presumem que a crítica não é em si mesmo construtiva. Eu não vejo a crítica como uma simples denúncia e por isso não creio que ela seja menos construtiva do que as alternativas concretas que o João vai propondo. Depois, há aqui um segundo problema, tão grande, se não maior, do que o primeiro. É que o João Rodrigues só pode presumir que eu não procuro alternativas concretas porque ele entende que isso só se faz do modo como ele o faz. E que modo é esse? Intervindo num partido enquanto dirigente ou no espaço publicado enquanto intelectual. Eu também já fui um pouco assim e se calhar ainda sou. Mas já não acredito em alternativas concretas pré-fabricadas e creio que isso é coisa que devemos dispensar liminarmente, pelo menos no quadro de uma política democrática, defina-se como revolucionária ou como reformista. Prefiro mil vezes ouvir o João Rodrigues em detrimento do Camilo Lourenço, mas não reduzo a questão das alternativas concretas ao modo como o João entende o que possam ser lutas contra-hegemónicas.
Não vejo o meu próprio papel como o de alguém que por escrever num jornal ou ser especialista nisto ou naquilo tem mais responsabilidade em propor alternativas concretas do que os outros cidadãos. Esse papel “responsável” é o que o João Rodrigues vem assumindo, no quadro de uma sua leitura do que será um projecto contra-hegemónico. Que leitura é esta? O João dá grande importância ao confronto entre o que ele considera serem os intelectuais. A sua maneira de ver a ascensão do neoliberalismo é a esse respeito muito clara. Ele concede muita importância ao pensamento de alguns autores que há décadas terão começado a construir um programa ideológico que hoje é finalmente aplicável (a narrativa do João para a ascensão do neoliberalismo é mais complexa do que isto, claro, mas sublinha muito – em demasia, diria eu – este ponto). Eu acho que a história do neoliberalismo, não dispensando essa dimensão intelectual da história do pensamento económico e político, e devendo ser uma história das ideias, deverá sê-lo dirigindo a problemática das ideias não apenas (ou primeiro) aos intelectuais como Hayek e demais. Deverá ser também uma história social das ideias. E em consequência (ou como causa) acho que um projecto contra-hegemónico não passa tanto por criar os futuros Hayeks de esquerda mas por agir e pensar a acção política e o pensamento político aquém e além da “responsabilidade” de dirigentes e "pensadores" (e por isso não tenho simpatia nenhuma pela estratégia educação popular de Mélenchon, que o Nuno Teles tanto aprecia, mesmo se também eu votaria em Mélenchon caso pudesse votar nas eleições francesas).
Finalmente, a questão menor, que, porém, parece ser a única que verdadeiramente empertigou o João Rodrigues. Acha o João que eu deveria ter nomeado individualmente os economistas que dirigem a edição portuguesa do “Le monde diplomatique” e não simplesmente ter referido o grupo de economistas do “Le monde diplomatique”. Tudo bem. Se o João entende que isso é importante para tornar o debate mais interessante, passarei a fazer como ele manda. Seja como for, não creio que esta questão seja motivo para tanto azedume. Depois, bom, depois diz o João Rodrigues que engano os leitores ao afirmar que há uma linha dominante dessa publicação que é determinada por esses economistas quando na verdade existirá uma pluralidade de pontos de vista de esquerda expressos no jornal em questão. Sim, é claro que há outros economistas a escrever no jornal em questão (por regra o jornal tenta ter uma pessoa do PS, uma do PCP e outra do BE, parece-me), mas creio também (de facto, não fui contar) que o João Rodrigues e o Nuno Teles são os autores mais regulares do jornal e que em grande medida (foi a expressão que utilizei no artigo) marcam a linha política da publicação. Não há é qualquer problema nisto, pelo menos para quem não faz parte do jornal. Devo até dizer ao João Rodrigues e ao Nuno Teles que um dos motivos porque continuo a pensar comprar o jornal é justamente o facto de saber que aí encontro publicada, muito provavelmente, a opinião destes meus bons amigos economistas. Com os quais tantas vezes discordo mas que sempre tento acompanhar de perto.
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