12/04/12

Nem Crise Mundial Nem Solução Patriótica

(o meu artigo no i desta quinta-feira)

Há um pequeno grupo de quatro ou cinco economistas de esquerda cujo trabalho é importante acompanharmos por estes dias de crise. A melhor forma de o fazermos é seguindo a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, publicação que tem assumido uma linha política em grande medida determinada por aqueles economistas. Hoje em dia essa linha passa sobretudo pela defesa da seguinte ideia: uma saída pela esquerda da actual crise implica uma tomada de posição patriótica.

A hipótese desenvolve-se em cinco passos. 1) A globalização actual é uma máquina de produção de desigualdades nacionais à escala do mundo e de desigualdades sociais no interior de cada nação. 2) Deveremos por isso tomar distância em relação a essa máquina global, deixando o euro e adoptando uma moeda própria, com todas as possibilidades de política financeira e económica que daí resultam. 3) Estas possibilidades podem ser aproveitadas de modo a que, forçados pela privação resultante da desconexão parcial com o sistema mundial, desenvolvamos capacidades novas que julgávamos perdidas, para este efeito adoptando-se uma política industrial activa. 4) Ao mesmo tempo, acrescente-se, será possível irmos combatendo a desigualdade social no interior da nação, combate importante para elevarmos os níveis de confiança interpessoal da comunidade nacional e, também, para a própria regeneração da economia por via do consumo interno. 5) Finalmente, poderemos, atingido um certo nível de crescimento económico, regressar ao sistema mundial, talvez até tornando-o um pouco mais justo.

Esta é, creio, uma proposta interessante, desde logo porque tenta romper com a tendência em que boa parte da esquerda tem vindo a ser, nas actuais circunstâncias, aceleradamente atolada: a contínua defesa de direitos continuamente perdidos de luta em luta até à perdição final.

Mas é também, ainda assim, uma proposta que deve ser recusada sem qualquer hesitação.

Se me é permitido atalhar caminho, e correndo o risco de estabelecer uma comparação injusta para os nossos economistas de esquerda, diria que devemos recusar a proposta por motivos não muito diversos dos que nos levam a resistir ao argumento do governo de Passos Coelho segundo o qual as actuais políticas de austeridade são apenas medidas sacrificiais que, no futuro, e uma vez saldada a dívida, permitirão ao país recuperar a sua soberania e reactivar a democracia entretanto suspensa por ordens externas.

Em ambos os casos há uma desistência em relação à actualidade política europeia.

Passos Coelho desiste porque despolitiza a Europa obedecendo-lhe caninamente: para Passos Coelho, da Europa surgem apenas ordens que ele terá que cumprir, não se lhe ocorrendo participar politicamente no espaço europeu, por exemplo discordando do que diz ser-lhe imposto, por exemplo.

Já a proposta dos nossos economistas de esquerda acaba também por fazer acreditar que o espaço europeu não é mais susceptível de intervenção política, refugiando-se eles, por isso, no espaço nacional. Não s refugiam, note-se, por terem desistido da política em favor da economia, como Passos Coelho, mas porque querem – e bem – retomar a política como factor que determina a economia. O problema está em que desprezam a possibilidade de uma política económica europeia combater o desemprego, a desigualdade e a pobreza. Dirão os nossos amigos economistas que tal política europeia é uma utopia, mas não há nenhum motivo – pelo menos para quem não tenha uma crença nacionalista que o anime – para julgar que o tamanho dessa utopia seja menor porque a imaginamos apenas aplicável a Portugal. Se o ministro das Finanças de Portugal tem tantos laços de afinidade com o ministro das Finanças alemão, não há nenhum motivo para que os trabalhadores portugueses e as suas organizações não se irmanem com os seus congéneres da Alemanha.

3 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Nem mais nem menos, sempre leal camarada Zé Neves.
Eu só acrescentaria — já que o realismo é um argumento que muito gosta de evocar o social-patriotismo que analisas (e não se limita aos economistas que referes, assumindo noutros seus porta-vozes, economistas ou não, formas bem menos civilizadas e bem mais antidemocráticas) — que, dadas as dimensões, as raízes e a dinâmica das questões levantadas por aquilo que a palavra "crise" indica e oculta ao mesmo tempo, é muito pouco realista, em termos de relações de forças, apostar na concentração de esforços no quadro nacional, e /ou fazer da reafirmação ou reconquista da soberania do Estado-nação a condição sine qua non de reformas democratizadoras.

Abraço

miguel(sp)

Paulo Marques disse...

Em primeiro lugar, gostava de dizer no meu primeiro comentário que este é o blog que mais gosto de ler pela exactidão dos seus comentários.
Dito isto, não partilho do seu otimismo nem um bocadinho. Penso que o inevitável será mesmo a desintegração do euro e da europa, em moldes por estabelecer, e que Portugal será empurrado para fora do Euro lá para 2015, quer queira, quer não queira.
Afinal, é este o rumo que a população deseja, quer em Portugal quer na Europa, por muito que não veja as suas consequências.
Gostaria muito de estar enganado, mas prevejo a total catástrofe para a união europeia a nível económico e político, com velhos fantasmas a resurgirem trazidos por nacionalismos emergentes. Infelizmente, as ideologias de Mariane vão ser clonadas por todo o lado.

Anónimo que assina miguel disse...

"... não há nenhum motivo para que os trabalhadores portugueses e as suas organizações não se irmanem com os seus congéneres da Alemanha."

E quais são essas organizações dos trabalhadores portugueses que o Zé Neves reconhece poderem 'irmanar-se' com as suas congéneres (e quais congéneres)?