01/10/10

Apontamentos sobre a economia do "default"

[Nota: neste post por "default" refiro-me a uma situação em que uma instituição deixa de pagar as suas dívidas a tempo e horas; estou incluindo caso de renuncia ao pagamento, de suspensão provisória de pagamentos, de pagar, não na moeda contratada, mas noutro moeda, etc]

1. O risco de um Estado entrar em default pode aumentar-se a si próprio

Quanto maior o risco de um Estado não poder pagar as suas dívidas, mais altos serão os juros que terá que pagar para conseguir empréstimos, levando a maior despesa e aumentando ainda mais o risco de default (um corolário disso é que as previsões da agências de rating podem tornar-se profecias auto-cumpridas: mesmo que as finanças de um Estado estejam numa situação razoãvel, se as agências baixarem o rating do país provavelmente esse Estado vai ter que pagar mais juros, tornando a situação orçamental má mesmo que inicialmente não o fosse)

2. O risco de um banco entrar em default pode aumentar-se a si próprio

Se os clientes de um banco acharem que ele está em risco de não ter dinheiro para pagar aos depositantes, poderão ir levantar o dinheiro que lá têm depositado, aumentando ainda mais o risco

3. O risco de default dos bancos aumenta o risco do Estado

Como no mundo moderno quase todos os bancos funcionam com um aval (mais ou menos explicito) do Estado, o aumento do risco de um banco ficar sem dinheiro significa um aumento do risco do Estado ter uma despesa adicional com esse banco

4. O risco de default do Estado aumento o risco de default dos bancos

Aqui há dois mecanismos distintos; por um lado, quanto maior o risco de um Estado ficar sem dinheiro, menos seguros se sentem os depositantes de bancos "seguros" por esse Estado (já que significa que não estão assim tão seguros), podendo até levar muitos a transferir as suas contas para bancos sediados em países cujos Estados sejam menos arriscados (isso é particularmente provável quando vários países têm a mesma moeda, como na Europa, tornando simples fazer um transferência de um banco para outro; até há quem diga que o que tem salvado os bancos gregos é o isolamento geográfico face ao resto da zona euro).

E depois há o mecanismo mais simples - quanto maior o risco de default de um Estado, maior também o risco dos bancos a quem esse Estado deve dinheiro

5. Se um Estado da UE entrar em default, isso aumentará o risco de default dos outros

Apesar de tudo, ainda há a expectativa que a UE não vai deixar nehum dos seus membros falir, e essa expectativa reduz o risco que "os mercados" atribuem aos países membros; se essa expectativa se revelar errada e um país da UE "defaultar" isso vai subir o risco de todos ou quase todos os outros

6. Se mais algum banco importante da UE falir, isso aumentará o risco de os outros também falirem

O mecanismo aqui é tão parecido com o anterior que não vale a pena explicar

Conclusão - o que pode acontecer em caso de default de algum país ou de algum banco importante na Europa.

3 comentários:

Anónimo disse...

e não se arranja uma expressão portuguesa para o default? tipo "incumprimento" ou "cessação de pagamentos"?

Miguel Madeira disse...

Bem visto - "incumprimento" soa bem.

Niet disse...

Como interpretar a ida expressa a Lisboa do secretário-geral da OCDE? Aí está uma questão maior de geopolítica atlântica ! Ontem, em conversa com um interlocutor politológo em Paris, ele mostrou-se quase convicto de que foi a adminstração Obama- que lidera a OCDE, claro- que pressionou os seus " delegados " a irem a Lisboa por causa do Plano de Austeridade! Portugal, velho aliado da NATO, economia pequena e em putrefacção vê-se assim tratada com esmero e carinho pelos USA. Ignoro se alguma interpretação foi publcamente assumida em Portugal. O VdFacto tem,por isso, uma oportunidade soberana de se debruçar sobre esta imortantissima questão. Niet