20/01/11

Nacional e Popular (2)


Caro Manuel Gusmão, algumas notas acerca das suas notas.
1) Discordo da afirmação segundo a qual a "instância nacional é a da maior proximidade entre aqueles que se combatem, aquela em que os operários estão frente a frente com os seus exploradores.” 
Parece-me, pelo contrário, que a instância da maior proximidade entre aqueles que se combatem, aquela em que os operários estão frente a frente com os seus exploradores, é precisamente o terreno da produção. É nessa dimensão proletária da exploração, e não na dimensão cidadã da nação, que a luta de classes toma forma. Em todo o caso, considero que a nação é um momento da luta de classes e não o terreno histórico do qual ela brota. Enquanto momento, as suas possibilidades emancipatórias parecem-me esgotadas.
2) Note que não tenho desta «produção» uma concepção estreita, antes pelo contrário, parece-me que o conjunto da sociedade vai assumindo crescentemente a forma de uma fábrica e que a produção se ocupa tanto de objectos como de imagens, signos e outros elementos imateriais. Pelas razões acima expostas, a ideia de uma política de alianças entre a classe operária e o resto do «povo trabalhador» também me parece desajustada. Bem vê o Manuel que, a partir do momento em que se considera o trabalho produtivo em toda a sua amplitude, o proletariado torna-se imediatamente a classe mais numerosa de qualquer população. É necessário levar mais a sério as reflexões de Marx sobre as tendências para a concentração do capital e o seu efeito de proletarização sobre as antigas classes intermédias. Bem sei que esses efeitos são contrabalançados por outros tantos efeitos contrários e que esse processo é lento e complexo. Mas não estou a ver em que é que contribui para a emancipação dos trabalhadores a apologia da pequena propriedade contra os monopólios, ou da economia real contra a especulação financeira.
Se a aliança proposta tem como objectivo unificar a classe operária com os trabalhadores assalariados mais qualificados do ponto de vista técnico e científico, então penso que teremos que levar mais longe o debate sobre o que é a classe operária.
3) Sustenta o Manuel que é necessária a luta nacional para que ela possa ser coordenada à escala internacional. E está aí, penso, uma das raízes da divergência. O internacionalismo pelo qual pugna o Manuel (e o PCP e a candidatura patriótica de Esquerda de Francisco Lopes ) é basicamente a coordenação entre várias realidades nacionais. Aquele que eu considero desejável, necessário, urgente, imprescindível, é precisamente um internacionalismo proletário capaz de criticar as identidades nacionais (os«povos da Europa») e as fronteiras, num momento em que a força-trabalho assume uma mobilidade crescente e o capitalismo aprofundou os processos de divisão mundial do trabalho, fragmentando um mesmo ciclo produtivo à escala mundial. Um conceito como o de «produção nacional», por exemplo, é cada vez mais difícil de sustentar. Mas faça o favor, que eu estou atento.
4) E vai daqui que essa acumulação de forças no marco nacional – uma ideia sedutora – me pareça também ela equivocada. Desde logo, dispensa a ideia de «patriotismo», se a consideramos uma tarefa instrumental num quadro estratégico mais amplo de uma acumulação de forças à escala internacional. Ou seja, se é um meio para um fim, seria bom que fosse encarado enquanto tal, sem que os mortos pesem sobre a cabeça dos vivos. Diz o Manuel que “é no marco nacional que temos visto [as lutas] desenvolverem-se impetuosamente. É no marco nacional que as massas e a classe descobrem e inventam (para começar) o apelo à internacionalização”. Mas esse estado de coisas não é algo que os comunistas devam aceitar como se de um fenómeno natural se tratasse, semelhante às monções do Índico ou aos tornados do Novo México. Pelo contrário, o facto de o «marco nacional» continuar a conter as lutas é um problema que explica muitos dos impasses e derrotas sofridas nos últimos anos, por lutas que vimos desenvolverem-se da forma mais impetuosa que se possa imaginar.
5) Eu escrevi «um problema», mas noto agora que deveria ter escrito «o problema». E é isso mesmo que conclui também o Manuel, quando realça, na sua última frase, quão mais avançada está a burguesia e o seu aparelho político, no plano da organização à escala internacional. «Eles» sabem bem que a escala deste tabuleiro de xadrez é planetária e organizam-se em conformidade. Visivelmente, não dispensam o «marco nacional». Mas é cada vez menos com base nele que se organizam do ponto de vista estratégico.
Escusado será dizer que, nesse jogo das cadeiras entre Estados-nações rivais, o tema do patriotismo será uma porta aberta para transformar o movimento operário em peão da respectiva burguesia, sempre que esta sentir estar a perder a corrida. Penso que devemos aproveitar as contradições presentes nesse processo, sem nos deixarmos conduzir por elas, e que a condição para o fazer continua a ser o partido da revolução mundial. A forma e o conteúdo desse partido continuam em aberto, mas o «marco nacional» dificilmente poderá ser o seu principal ponto de referência.

3 comentários:

tempus fugit à pressa disse...

E quando a dita burguesia for maioria e o proletariado minoria...

Sai Marx e entra H.G wells?

Anónimo disse...

nao creio que isso funcione dessa forma. tao importante como manter o estado das coisas é manter que são pouco os que nelas mandam.

Ricardo Noronha disse...

Ora, disse a Morsa ao Carpinteiro
vamos ter muito que falar:
de botas, e lacre, e veleiros,
de reis, e couves da casa,
de saber porque ferve o mar,
ou se há porcos com asas.