22/01/11

As urnas ainda não fecharam mas também não será por isto que a pátria correrá perigo

Dizem por aí que há eleições presidenciais. Uma frescura de cidadania, um rendez-vous caricioso e inviolável, uns ex-votos constitucionais. Pode ser que sim! Como deparámos com uma zarzuela política provinciana, utilíssima para encarapuçar indígenas falidos e despeitados, inspirada & estrugida por uns curiosos artistas prometendo o visionamento de novos amanhãs celestiais ou financeiros, é muito conjecturável existir tão caridoso evento.

Não fora a colónia dos rapazes dos jornais grasnando o pavor pela reputação lendária do fuhrer Angela Merkel e as finanças nativas pós eleitorais, o alvoroço condimentado pelas agências de rating articulado por ex-economistas [gute nacht! frau Teodora Cardoso] ou as réplicas simplórias do "mártir" dr. Cavaco Silva nos saraus televisivos, quase que apostávamos que não. Que eleições presidenciais eram no tempo em que havia homens probos, cavalheiros de carácter e de bons costumes. Não agora.

Mas pode ser que sim, que um dia haja eleições, já que alguns espíritos superiores como o dr. Marques Mendes, o padre-mestre Emídio Rangel & a sua lança socrática, sem esquecer a casta Helena Matos (oh! a geração do 69) e a presença iluminante do perigoso lidador esquerdista Pedro Adão e Silva, a ela (presidenciais) deram acolhimento, bizarria e musculação.

Ao que nos dizem os troveiros, o candidato Cavaco Silva (e a sua Maria) tem o morgadio do Palacete de Belém por mais uns tempos. O raminho de "democratas" praticantes que se aprestam a colocar a écharpe para ensaiar o novo (ex)reportório cavaquista está em franco movimento. O talento da gente bizarra do ex-BPN, o contágio financeiro da sopa dos ricos do sr. Fantasia & Cia, a prosa enlevada de Lobo Xavier e a pesporrência do arq. Saraiva do Sol – conhecidos trampolinistas - vão dar, certamente, a táctica e estratégia futura para que o dr. Cavaco graciosamente prospere in limine, enquanto o sr. Sócrates pode segurar a comédia a que nos habituou. Duas almas gémeas!

No resto, e entretanto, os defuntos do PSD podem (des)esperar, que fenecem descalços. O pieds-de-nez costumeiro do dr. Cavaco à política ou a sua prosápia sobre o carácter humano engrossou o aranzel indígena, mesmo entre os seus acólitos e demais cativos. A coisa está negra, mesmo para o futuro presidente. Quanto a nós, pouco dados a albardas ou a meneios que não sejam as da liberdade e virtude cívica, teremos de nascer duas vezes para acreditar que corre por aí qualquer excerto eleitoral. Mesmo sabendo que "nada é mais atraente que as coisas desonestas" [Ovídio], não ficaremos na foto para a posteridade. Sans rancune

[pois daqui, de onde haveria de ser?]

11 comentários:

António Geraldo Dias disse...

Procissão do phallus, embriaguês dionisíaca, canto de estrofes líricas, sacrifício do bode e parressia -liberdade absoluta da palavra - primeiro era o culto da morte do deus representado no bode expiatório,a segunda parte celebrava o alegre renascimento do herói.

rui disse...

muito bonito texto. a sério.
mas amanhã o Cavaco ganha as eleições com uma maioria que vai justificar uma série de coisas nos próximos meses barra anos. o povo, "as massas" como alguns dizem também, que agora darão (pelo voto directo) ou permitirão (através do voto nulo ou da abstenção) essa maioria vão depois "encetar um processo"? Porque raio de carga de água?
A questão pragmática é mais simples: sem dúvida que o reforço esperado dos poderes da horda do cavaco (na Presidência ou numa brevemente esperada reconfiguração da Assembleia da Republica e tomada de posse de novo Governo), permitirão a muita gente "sonhar", à falta de melhor.O resto que se dane.

Miguel Serras Pereira disse...

E o Rui acha que a eleição de Manuel Alegre não reconfortaria o outro pilar, na cena política, do nosso descontentamento? Refiro-me ao governo, claro está. Não lhe parece que Sócrates e o próprio Manuel Alegre transformariam essa vitória num trunfo da equipa de capatazes que tem sido a fiel correia de transmissão da ofensiva capitalista e oligárquica que, justamente, seria preciso travar?

Saudações republicanas

msp

rui disse...

acho o manuel alegre um grotesco erro de casting (apesar da diversidade dos apoios... apoios esses que quanto a mim são tiros nos pés de ambos os seus "pilares", cada um pelas suas razões) mas dada a situação criada, acho inevitável engolir o sapo, sob pena de termos um programa sinistro completamente legitimado, a pretexto de evitar algo muito remotamente possível. Certamente erro meu, mas se a "ofensiva capitalista e oligárquica" é um dado permanente da vida (com excepções muito pontuais que neste momento não se vislumbra como podem, mesmo com esse carácter altamente efémero configurar-se no horizonte), há gradações, e parece-me que reduzir tudo ao mesmo é um brincar com o fogo de que oxalá não venhamos todos (apesar das diferenças)a arrependermo-nos muito em breve.

Ana Cristina Leonardo disse...

rui, é verdade, infelizmente, que as coisas podem ser piores do que são. mas o que ainda não percebi é como é que o manuel alegre (e vamos deixar de lado o "grotesco" da personagem)poderia impedir o "programa sinistro completamente legitimado"; por um lado, porque esse programa já está em andamento, e pela mão do sócrates e sus muchachos (de braço dado com o Coelho, seria bom não esquecer); segundo, porque sendo o regime português semi-presidencialista me parece um pouco demagógico, e tb. ingénuo, pensar que o PR, seja ele quem for, pode interferir assim tanto nas decisões da AR. A não ser que a dissolva, como fez o sampaio, na minha opinião, de forma ínvia e oportunista (e eu não sou santanete - ou só fui, uma vez, qd o dito santana, e não o dos filmes, se levantou em directo da televisão e boa-noite)

Ana Cristina Leonardo disse...

quanto aos sapos, de que me tinha esquecido, deixe-me responder-lhe com outra imagem, se não pragmática, pelo menos prosaica: há uma altura em que, quando a gente se baixa demais, se vêem as cuecas.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Rui,
loge de mim reduzir tudo ao mesmo. Nunca me ouvirá dizer em política que porque não podemos tudo, não vale a pena fazer nada - ou porque não temos tudo devamos desprezar as liberdades e direitos parcelares que secularmente os movimentos (operários, democráticos, radicais e populares…) lograram impor às classes dominantes.
O problema é que não vejo, nem você me dá razões para ver, diferenças significativas entre um pilar e outro do regime: como sugere a Ana, os bandos "psocrático" e o dos "cavacocratas" estão bem um para o outro, são dois aparelhos de governo de interesses que são, estrutural e fundamentalmente, os mesmos: concentração dos poderes do capital financeiro, suspensão e/ou restrição "económica" das liberdades cívicas e direitos sociais, redução da cena política a dispositivo de intendência profissional, etc. Se o BE e outros que aceitam pelo menos verbalmente este diagnóstico decidiram - da maneira que se sabe - apoiar as figuras e direcções que politicamente os traduzem, só podemos lamentá-lo e denunciá-lo: é o melhor serviço que podemos prestar-lhes no sentido de retomarem formas de acção e intervenção que valham a pena e que não sejam rentabilizáveis pelo regime. É difícil imaginar espectáculo mais grotesco do que este, de vermos Manuel Alegre, em torno do qual se esboçou há meses um movimento de revolta contra os "psocratas", chegar ao final desta sua campanha a defender o governo como alternativa de esquerda e opção pelo "Estado Social", perante o silêncio contrafeito do BE e a invocação cada vez mais retórica e oca de uma espécie de grande batalha contra a reacção por parte dos que continuam a apoiar um candidato da continuidade governamental.

Saudações democráticas

msp

rui disse...

Ana Cristina Leonardo: eu não chamei grotesco ao personagem Manuel Alegre. Classifiquei a sua candidatura de grotesco erro de casting. Também fui "santanista" no momento que referiu e quanto à questão do ditado popular sobre as cuecas, passo.
Referi a legitimação do programa sinistro porque a vitória a grande distância do Cavaco, por mais "leituras" que se façam sobre os significados da abstenção e do voto nulo, terá um impacto muito maior do que o que decorre dos poderes presidenciais, inalterados quaisquer que sejam os resultados eleitorais.
Quanto ao Miguel, as suas análises são, como sempre, irrepreensíveis. Não posso efectivamente ignorar nem a natureza, nem a venalidade do regime actual nem a contribuição de personagens dos dois principais partidos para essa condição. Prefiro porém um regime venal a uma ditadura "moral", qualquer que seja a sua aparente côr, e digo aparente porque as ditaduras só têem uma côr. Mais uma vez, a votação no Alegre não é para tornar o regime mais democrático.
É para sinalizar inequivocamente uma oposição. Identificação, mesmo que mínima, ou táctica, com um discurso.
Num momento de total desarticulação da esquerda a nível mundial,de total passividade popular, de total triunfo ideológico e político do pensamento único, é simbólico mas é o mínimo que se pode fazer.
Se a abstenção significa desinteresse, o voto nulo ou em branco, não significa mais do que isso, uma manifestação de recusa - ineficaz - que, dadas as regras do jogo, é neutra quanto à eleição de um deles, qualquer, pois é esse o resultado final da eleição.
Ambos, abstenção e voto branco, podem ser vistos como voto de protesto, ok... mas quem pode arrogar-se o direito de saber que o protesto é o "seu", partindo do princípio que o seu é o "correcto"? Esses votos são uma mole à disposição do primeiro populista que apareça, não têem qualquer virtualidade "solidária" ou "libertária".
E o Cavaco já vai dizendo que as eleições ficam muito caras...
Quanto ao "neoliberalismo"
Basta ler os artigos de opinião dos jornais, ler e ouvir as posições da esmagadora maioria dos economistas e seus jornais amestrados, o clima que se vive na Comissão Europeia e no Parlamento europeu, e last but not least as opiniões que se generalizam na blogosfera, de onde virão a ser cooptados muitos dos próximos ditadores de opinião, gestores, economistas, juristas, políticos, etc.
Espero enganar-me rotundamente, mas a tendência será para que depois de tanto gritar pelo neoliberalismo, em breve possamos vir a ser brindados com a versão unabridged e deluxe do neoliberalismo.

Anónimo disse...

Se é isto a esquerda que venham também o Niet e o André Carapinha ajudar à festa, i.e. ao Vias. O msp, a ACL e o almocreve ficaram em 1974 sem pilares nos dias de hoje. Mundo ingrato! Aprendam com o camarada Durão e com o camarada Crato.

Ana Cristina Leonardo disse...

Rui, peço desculpa por ter interpretado mal a sua adjectivação. Eu própria acho o candidato em causa mais "fátuo" do que grotesco.
Quanto ao ditado popular, eu sei que os há para todos os gostos, mas nem por isso devíamos ser snobs a ponto de ignorar a sabedoria que alguns deles encerram.

Anónimo disse...

Cadelas apressadas parem os filhos cegos e por aqui, passe o subjectivismo, ganhou a análise objectiva. Vivó marxismo e o Cavaco. O PCP que se cuide pois consegiu pôr na Direita gente que se pretende de esquerda. Vivó Cavaco!