É impressionante o contraste entre o que nos dizia o Público acerca da Tunísia e o que nos passou a dizer desde que a Sofia Lorena (a única repórter portuguesa a dizer-nos algo sobre o Iraque que não fosse apenas a tradução das agências noticiosas) se começou a ocupar do assunto. De notícias que colocavam os tunisinos e as suas revoltas noutro planeta, passámos a reportagens que nos explicam, cada vez mais, quantas semelhanças eles têm connosco.
Ainda a 10 de Janeiro, a notícia de que catorze pessoas tinham sido mortas pela polícia estava na página 13 e merecia pouco mais do que umas curtas linhas. A palavra era dada ao governo tunisino, à Reuters e ao Le Monde, com parágrafos de fino recorte jornalístico (a peça não foi assinada) como este: "Os manifestantes dizem que querem mais emprego e investimento do Estado, enquanto o Governo tem afirmado que se trata de extremistas que querem prejudicar os interesses nacionais, ao desencorajar investimento e turismo." A conclusão do artigo era ainda melhor: "O país teve apenas dois presidentes desde a independência de França, há 55 anos. Protestos como este, gerados pelo desemprego que grassa entre sem esperança entre os mais jovens e mais educados, são raros."
O espaço era semelhante ao que foi atribuído, na mesma edição, à notícia de uma manifestação islamita em Carachi (pedindo a pena de morte para a blasfémia, como compete a qualquer resistência anti-imperialista digna desse nome) e correspondia a menos de metade do que foi concedido ao ataque à congressista Gifford, nos EUA. O leitor não deixará de registar o contraste com o amplo destaque dado aos protestos realizados no Irão, na sequência das últimas eleições presidenciais. Tudo indica por isso que motins e confrontos de rua são jornalisticamente relevantes na medida em que ilustram o épico combate entre o obscurantismo xiita e a sede de modernidade democrática dos «jovens iranianos». E desinteressantes quando opõe o governo de um partido da internacional socialista a uma multidão de trabalhadores e desempregados.
No dia 18, com Sofia Lorena já em Tunes, tivemos finalmente direito a um destaque na primeira página e a uma reportagem sobre a situação política, daquelas que nos permite finalmente perceber o que ali está a acontecer. Na mesma altura, as televisões portuguesas começaram a prestar um pouco mais de atenção aos acontecimentos, motivadas pela preocupação do costume, ou seja, saber se havia portugueses por lá e em que situação estavam (toda a gente sabe que quando num país árabe se derruba um governo autoritário passa-se imediatamente à caça ao português nas ruas). Sintomaticamente, é sempre a mesma preocupação quer caia um governo, a terra trema ou chova muito: trata-se de uma catástrofe face à qual a comunidade portuguesa se encontra exposta e impotente.
Felizmente, continuam a existir jornalistas que nos oferecem o mundo quando compramos um jornal:
Como é que se ocupa a sede de um partido que durante 23 anos governou pelo medo uma população inteira? Não custa nada, pelo menos por estes dias. Pelo menos em Sidi Bouzid, a pequena cidade do Centro da Tunísia onde há um mês começou a contestação ao regime do Presidente Zine El Abidine Ben Ali. Basta determinação.
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