Não voto nem em Cavaco nem em Nobre porque não voto nem em Cavaco nem em Nobre.
Não voto Alegre porque sempre que há um candidato à esquerda do candidato do PS não voto no candidato do PS. (Sendo que quando só existirem candidatos do PS e do PSD-CDS, emigro). Foi assim que nas eleições para Lisboa, há uns anos, ainda militante do PCP, votei em Miguel Portas e não em João Soares. Entre outras coisas, tais como a necessidade de com o voto apoiar projectos políticos que se reivindicam de uma crítica do capitalismo, trata-se de tentar sempre aumentar a amplitude do campo de possibilidades do sistema político, convicto (embora ciente da preversão do jogo) de que isso ajuda a aumentar o campo de possibilidades de transformação fora do sistema política (isto é, crente na lógica do Pacheco Pereira, de que o Louçã diz isto e aquilo todo mansinho mas o que quer mesmo é a revolução social).
Sobram quatro opções: Defensor de Moura, Coelho, Lopes, abstenção. A vantagem das três primeiras opções é que ajudam a alimentar alguma hipótese que haja de derrotar Cavaco. A vantagem de Defensor de Moura é que é o voto mais inócuo dos que alimentam tal hipótese. No máximo, um bom resultado de Defensor de Moura dar-lhe-á legitimidade para estar nas listas de deputado do PS por mais quatro anos ou coisa que o valha, em detrimento de outro tipo qualquer. A vantagem de Coelho é semelhante, embora a caricatura de populista que ele elabora me irrite um pouco. Não por ser populista, mas por ser inconsistentemente populista. Uma coisa é o populismo de Lula (hoje já não lhe chamam isso) ou de Chavez. Trata-se aqui de projectos sérios, discutíveis mas sérios, e ancorados à esquerda. Não é o caso de Coelho.
Sobra Lopes. Votei sempre PCP ou BE. E se em todas as legislativas tivesse dois votos seria sempre aí que eles cairiam. Não havendo candidato do BE, o óbvio seria votar Lopes. No entanto, hesito seriamente. Há umas semanas atrás, não tinha dúvidas de que não o faria. O comportamento de uma parte importante do PCP na manifestação contra a NATO foi absolutamente lamentável. Um comunista não faz e polícia. E um comunista não se revolta contra a violência policial somente quando um dos "seus" apanha porrada. E a isto junta-se - embora uma coisa não tenha necessariamente que ver com a outra - o modo impune como uma parte do Partido tem feito com que o estalinismo caia nas boas graças dos comunistas (e quando falo de estalinismo distingo-o de marxismo-leninismo, entendamo-nos). A falta de vontade da direcção do PCP em exercer os poderes que lhe são conferidos pelo centralismo democrático vigente e, consequentemente, em reprimir os desvios estalinistas em curso é assustadora. O candidato escolhido não ajuda, mas isso é o menos relevante, porque permanece a ideia de que estaremos a votar num Partido e não num indivíduo. E um Partido que é o único elemento de crítica anticapitalista presente nestas eleições, mesmo se um anticapitalismo muito atenuado pelo patriotismo frentista que procura perfilar o comunismo como a simples versão encarnada da social-democracia abandonada pelos social-democratas. Concluindo: a votar em alguém, será em Francisco Lopes.
E dipomos ainda da quarta opção: não votar. A abstenção tem um potencial. Não se trata de escolher nada dizer. Mas de escolher nada dizer no âmbito que nos é previamente apresentado como o único âmbito possível. Neste sentido, a abstenção é um indício da possibilidade de um outro âmbito. Um indício que não é político no sentido convencional do termo mas que também não é simplesmente apolítico - ou não fosse política a batalha pelo que é e não é considerado como político. É claro que esse outro âmbito pode ser melhor ou pior do que o que temos hoje. Mas isso é o que dá vivermos em tempos em que se torna mais claro que os tempos são sempre de crise.
Ou no Lopes ou na Abstenção.
21/01/11
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19 comentários:
Bem melhor.
Renato T.
Zé Neves: percebo a lógica da primeira parte da sua argumentação, mas não concordo com a conclusão.
1. Abstenção:NUNCA! Votar é um acto cívico, excepto em ditaduras onde pode ter um significado político. Votarei sempre, quanto mais não seja em homenagem aos milhares de democratas que nunca puderam votar durante o fascismo.
2. Lopes: tem sentido para os militantes e simpatizantes do PC.
3. Alegre: votei nele em 2005 (tb. contra o PS de Soares) mas é-me impossível votar nele agora quando o vejo mal acompanhado (Sócrates & Cia).Dá-me vómitos!
4. Nobre: um arrivista de bisturi na mão, convencido que é o chefe dos filantropos como Cavaco o líder da honestidade (olha quem!).
5. Moura: um PS regionalista cujo único mérito na campanha foi afrontar a ética cavaquista. Meritório mas curto...
6. Coelho: populista? Sim. Provocador? Sim. Mas o único a fazer uma campanha diferente: irreverente, satírica, corajosa, económica, chamando os bois pelos nomes.
É louco? Talvez. Mas não foi Michel Foucault que disse que "la folie est la plus obstinée des sagesses"?...
Outro argumento a favor da abstenção: ganhando o Cavaco como se espera, para os que votam ele passa a ser o seu presidente. É assim a democracia representativa, quando se perde há que aceitar democraticamente o resultado das eleições. Votar significa ter como presidente Cavaco, enquanto que com a abstenção essa situação fica em aberto. Fica em aberto poder recorrer a outras formas de intervenção e de luta que não as legal e democraticamente aceitáveis.
A abstenção é a única forma de não abdicar do direito de decisão. Quando se elege alguém está-se a entregar o poder decisório nas suas mãos sobre todos problemas importantes durante o período do mandato. Troca-se assim a escolha de um representante que é episódica e em grande medida imprevisível, por todas as outras escolhas e decisões que se poderiam tomar nesse período. Má opção.
Nada contra os candidatos "maiores" (Alegre, Francisco Lopes), daquilo que poderemos chamar de esquerda. No entanto, os projectos políticos que lhes deram origem e, mais do que isso, a decisão que os colocou como "inevitáveis" para o voto à esquerda, merece toda a reprovação e castigo.
Mais do que os candidatos, o meu voto irá na crítica ao que os pariu, porque a esquerda (BE, PCP) tem de perceber que não esteve bem. Votar num deles é dar um sinal de aprovação ao caminho que seguiram na escolha desses candidatos.
LAm,
Não discordo, não discordo...
Pró Coelho,
Acho que podemos encontrar outras formas de homenagear esses mesmos milhares de democratas...
Caro LAM,
"os projectos políticos que lhes deram origem e, mais do que isso, a decisão que os colocou como "inevitáveis" para o voto à esquerda, merece[m] toda a reprovação e castigo". Sublinho e subscrevo.
Desculpa lá o mau jeito, Zé. Mas acho que, apesar do teu projecto kierkegaardiano de "converter os cristãos ao cristianismo", que te faz incorrer por vezes numa excessiva caridade argumentativa, não poderás deixar de reconhecer as boas razões do LAM, e o caminho que apontam para focar o problema destas pequenas eleições num contexto menos exíguo.
Abrçs
miguel (sp)
miguel, essa do kierkegaardiano foi muito baixa... :)
abç
Uma homenagem, camarada Zé Neves, uma homenagem…
msp
«Um projecto sério»?
Se continuas a usar expressões dessas expulsamos-te para o Jugular em menos tempo do que leva a dizer «Esquerda democrática».
Que discussão tão gira e importante. Gosto de ver a argumentação do Luís Ferreira( o anarca Mescalero, penso ) em favor da abstenção, o crescente destaque muito inteligente e de malha fina de LAM na análise política; e, por fim o desassombro eclético (Baudrillard face a Kierkgaard não é de menos...) da fase marxista pletórica do incontornável José Neves. Como diria o Justiniano, um grande bam-haja a todos vós! Niet
Perdoai-me a publicidade, mas a minha declaração de voto (a contragosto) em Alegre está aqui: http://doismaisdoisigualacinco.blogspot.com/2011/01/porque-vou-votar-em-manuel-alegre.html . Permito-me colocá-la aqui na integra. Há é uns links para outros blogues ("a direita pura e dura", a "extrema-esquerda"), que o comentário não permite explicitar.
Esta é uma declaração de voto a contragosto. Somando erro atrás de erro, Manuel Alegre perdeu muito do capital político e de esperança que uma figura com a sua, que pertence aquela pequena parte do PS com que vale a pena fazer pontes, certamente não merecia. Hoje por hoje toda a gente já percebeu o erro crasso que foi trabalhar para o apoio envenenado do PS de Sócrates. O próprio Bloco de Esquerda, o partido em que costumo votar nas legislativas, vai pagar caro (já está a pagar com algumas dissensões) a contradição que é estar a apoiar um candidato que, nesta campanha, anda a jogar um perigoso jogo do equilibrista, procurando agradar à esquerda sem comprometer o centro. Mesmo a campanha, em si, é uma desilusão, sem chama, sem rumo (o jogo do equilíbrio), e deixando transparecer uma imagem de solidão. Posto isto: vou votar Manuel Alegre. Por duas razões, que se mantém absolutamente válidas: primeiro, porque como a direita pura e dura percebeu muito bem, mas a esquerda mais "radical" parece incapaz de compreender, o verdadeiro candidato de Sócrates não é Alegre, mas Cavaco. Ou será que todo o processo inquinado que levou a um apoio tardio e com ares de forçado, ou a ausência da máquina-PS na campanha, são meras coincidências? A previsível derrota de Alegre vai também, como a direita pura e dura igualmente percebeu, dar uma machadada na ala esquerda do PS, e acabar com veleidades "secessionistas" e de aproximação ao BE, o que interessa a Sócrates e aos seus, e a mais ninguém. Segundo, porque se não vejo grandes diferenças para Sócrates entre ter Alegre ou Cavaco na presidência, já com um possível governo Passos Coelho tudo será diferente. Passos, Cavaco e o FMI: eis a tríade para destruir de vez o estado social em Portugal, e fazer-nos ainda ter saudades dos anos negros de Sócrates.
Pelos motivos que apresentei, preparo-me para engolir um sapo e depositar o meu voto num candidato que pouco me entusiasma. Mas fá-lo-ei sem remorsos: a política é, também mas não só, a arte do possível. Evitar a reeleição de Cavaco deve ser visto como um dever de cidadania para todos os que ainda acreditam num país solidário e livre, e nas funções sociais do Estado. É com muita pena que vejo que alguns não tem noção do facto de este ser um momento paradigmático e crucial para Portugal; preparam-se hoje as condições finais para o derradeiro ataque ao que resta do 25 de Abril, e para trocarmos o estado social pela selvajaria neoliberal. E é com alguma revolta que assisto a uma certa extrema-esquerda atacar todos os dias Alegre mas nunca Cavaco, trabalhando activamente para a vitória da direita, provando mais uma vez, se preciso fosse, que o seu papel actual na história define-se em uma palavra: reaccionário.
Caro André Carapinha,
compreendo a sua posição, embora discorde dela. Não me parece que a aposta defensiva em Manuel Alegre faça sentido, porque creio que a sua eventual eleição, pelo que a candidatura e os tempos anteriores deixaram ver, não defenderia coisa nenhuma: ou, quando muito, defenderia uma ou outra forma de continuidade do actual governo.
Mas sublinho com agrado que não confunde o mal menor com o bem supremo, a limitação dos estragos com uma gloriosa vitória, etc. Nisso, pelo menos, estamos de acordo. Quanto às minhas razões, estão por aí, nos últimos posts que publiquei no Vias - e, resumidamente, neste: http://viasfacto.blogspot.com/2011/01/quem-tem-medo-da-instabilidade.html
Abrç democrático
msp
o teu calculo politico faz-se sempre muito além do que deveria ser a principal matéria da politica: as condições de existência.
a lógica que segues para a escolha do teu voto faz-se exclusivamente pela análise do poderá vir a beneficiar, "aumentar o campo das possibilidades", do que concebes como sendo a forma ideal para atingirmos uma radical transformação social.
no entanto, pareces ignorar o que está em jogo nestas eleições, como se fosse indiferente a destruição do serviço nacional de saúde ou a liberalização dos despedimentos. quando a politica se esquece daquilo que está em causa a cada momento, e se mantém abstrata e alheada da realidade, então ela morreu.
josé,
se não tivesse existido movimento revolucionário não teriam existido governos reformistas. de modo que eu poderia dizer o mesmo: ao não votar mais à esquerda, está a condenar as reformas de amanhã.
como vê, a "realidade" é uma coisa muito pouco definida.
Caro José Neves
Não não confundas a estratégia "patriótica" do PCP, com uma posição frentista. O PCP recusa neste momento todas as alianças com qualquer partido que ele considere social-democrata, como para ele é o Bloco de Esquerda, e continua a ser patriótico pelo seu passado e pela inserção de Portugal na CEE. Mas sobre isto hei-de oportunamente fazer um post no meu blog.
Olha, Zé, que há alguma verosimilhança na observação do JNF, quando alerta para a natureza pouco "frentista" da actual orientação do PCP. Eu diria que o PCP está hoje mais próximo de ressuscitar a linha "esqurdizante" e ultra-sectária de arrumar tudo o que mexe na categoria de "social-fascismo" do que de buscar um "programa comum"… A ver vamos - e não, não esqueço a repercussão que as dinâmicas exteriores ao aparelho, apesar de filtradas com o rigor que se sabe, acabam por ter até sobre o seu reduto mais estanque. Por isso, o que formulo aqui não é uma previsão, mas o que julgo perceber como tendência dominante na orientação do PCP.
Abrç
msp
caros jorge e miguel,
sim, de acordo. mas uma e outra coisa - frentismo e sectarismo - não são assim tão incompatíveis. enquanto em moscovo se matavam comunistas, em paris os comunistas aliavam-se a social-democratas com base na exclusão de protestos anticoloniais...
enfim, só para dar uma rápida achega a um debate historicamente muito mais complexo do que o parágrafo anterior faz parecer...
abç
Sem dúvida, Zé. É isso mesmo. E tal é a razão - ou as duas razões em uma - por que me parece eminentemente desaconselhável votar em Francisco Lopes.
Abrç
miguel (sp)
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