24/01/11

Quanto ao que será

Numa primeira leitura, fica a concordância com a Joana Lopes quando ela escreve:

23 de Janeiro de 2011 só pode ser um estímulo e uma porta escancarada para uma nova fase de luta, agora mais a sério e com carácter de urgência. É hoje – e não amanhã, muito menos daqui a cinco anos – que o descontentamento e a tristeza estão à espera de ser capitalizados. Para sairmos da crise que atravessamos sem servilismos ou espírito de martírio, para que não sejam permitidos silêncios quando há muitas explicações por dar, para impormos que os inquilinos de Belém e de S. Bento nos respeitem. Pura e simplesmente, porque queremos viver num país decente.

Mas relido, este discurso mostra a inconsequência daquilo que é puro voluntarismo. Ou seja, é um estruturado e fundamentado discurso inorgânico mas esquece, entre muito mais, que, nestas eleições, a esquerda perdeu muito e em quase todos os tabuleiros e valências. Prevalecendo as perdas “orgânicas”. O PS e o BE saem feridos gravemente da desastrosa campanha e pior resultado de Alegre assim como do resultado gordo de Nobre (onde desaguaram os socialistas e os bloquistas que não se quiseram juntos com Alegre mas já não se importaram de levar Nobre em andor, como se fosse santo da mesma tribo, porque com esse aí era só para “protestar”), cada partido per si e adiando para as calendas a hipótese de convergência ou unificação da esquerda não estalinista. Para já não falar nos votos de arqui-revolucionários, meio cínicos e outro meio sarcásticos, entregues ao Coelho e inspirados na clarividência dos taxistas, elevando o lumpen ao lugar de classe-guia. Quanto ao PCP, mostrou que este partido se fechou a cadeado para viver em festa de condomínio fechado reservada a funcionários, os de facto (os que foram ou são dirigentes e os que aspiram vir a ser, até o partido se resumir a um “imenso comité central”, todos assinalando a "vitória" expresso num "significativo resultado do PCP") e os simbólicos (os que só votam, mais os que vão aos comícios e manifestações, ainda os que passam por algumas reuniões de célula), derrubando todas as pontes com a sociedade existente para além da tribo. E quanto a alternativa, na esquerda, não sobrou nada que dê nervo e osso à oposição e à luta, muito menos dando coluna vertebral. Pelo contrário. É que Sócrates acabou de contabilizar uma das suas vitórias políticas mais camufladas sobre a esquerda mas sem deixar de ser espampanante: arrumou na depressão os militantes e o eleitorado de esquerda do PS. E acenou a Cavaco, em nome da “estabilidade”, através de um PS depurado de “esquerdismo”, com uma bengala de aliado, quiçá mais garantida que a oferecida por Passos Coelho & Portas. Assim, de uma forma magistralmente maquiavélica, o discurso de derrota feito ontem por Sócrates pode ter sido, antes e além da aparência das palavras, um discurso de vitória ideológica muito mais expressivo que o de Cavaco, auto-encurralado este na revelação do seu lado odioso de revanchismo, de mau ganhar ao saber que tem a imagem irremediavelmente debilitada e um mandato manchado pelo prestígio corroído para cumprir.

Obviamente, como bem diz a Joana, há que dar a volta, ir à luta e tem que ser para já. Mas julgo ser excesso de confiança pensar-se que os novos estragos provocados na esquerda por todos os partidos de esquerda, vão ajudar no quer que seja relativamente à revitalização da insubmissão. Digo assim porque admito que a raiva canalizada para Nobre e Coelho, mais a dos abstencionistas, dos brancos mais os nulos, a raiva dos impacientes, dos desesperados e dos aristocratas snobs da política pura e exigente, se esgotou em cruzinhas no gelado dia de ontem, não dando, agora, para "formar partido" ou "frente", ou sequer empurrar ânimos de trabalhar para mudar. Primeiro, julgo, impõe-se a catarse pela reflexão. Porque de voluntarismos mal estruturados e desenhados por amadores, bastou o alegrismo de segundas núpcias que azedou mais a "sopa da esquerda" que aquela que serviu novas veredas de uma esquerda a unir-se na luta.

(publicado aqui também)

8 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

Exactamente porque sócrates não se distingue de cavaco é que não se podia votar num candidato apoiado por este 1º ministro.
durante os anos cavaquistas tivemos as auto-estradas, os pato bravos e os negócios com os fundos europeus; nos anos de sócrates tivemos os simplex, os choques tecnológicos e os negócios/delírios dos boys - a merda é a mesma, só as moscas mudaram.
Um é filho do outro. Com uns pozinhos de modernidade engolidos à pressa pelo mais novo.

Joana Lopes disse...

A minha resposta, João.

Anónimo disse...

Em Defesa da Abstenção

Nos meios libertários depois de algumas tentativas frustradas, tipo Plataforma Abstencionista, de desenvolver uma campanha abstencionista nesta eleição presidencial quase não se fizeram ouvir os defensores da abstenção. Isso talvez porque o desinteresse absoluta da campanha política e a desmotivação geral do povo com os debates entre estes candidatos já anuncia uma abstenção que não precisa de mais nenhum argumento. Só os dependentes dos partidos de esquerda e direita: funcionários, burocratas, candidatos a um favor, serviçais gerais e os grupos dominantes, além de um grupo de crédulos, sentem ainda a necessidade de votarem nestes actos rituais. Mesmo que setores das esquerdas, até da dita anti-capitalista como os do «Mudar de Vida», defendam o voto contra Cavaco como última motivação, esses argumentos esotéricos já não mobilizam ninguém...
Amanhã, um resultado significativo da abstenção, e do voto em branco e nulo, tem o mérito de expor a falta de legitimidade crescente dos políticos e dos partidos que dominam o poder neste país, ou dos que se candidatam a isso. Quanto menos legitimidade tiverem os grupos dominantes mais fica exposto o seu papel de serviçais dos verdadeiros detentores do poder: os grandes grupos económicos, o capitalismo multinacional e os centros de poder político externo. Quanto a essa velha esquerda parlamentar do tipo do PCP e do BE, transformaram-se em parte da representação do Sistema, no sentido teatral, da qual nada há a esperar.
Há, no entanto, um problema, e um impasse, na sociedade portuguesa: não acreditando uma parte substancial das pessoas nos partidos, de direita e de esquerda, nem nas instituições políticas, não se desenvolvem formas autónomas e auto-organizadas de associação que possibilitem uma acção anti-capitalista consequente e durável. Sendo assim, apesar do descrédito, os detentores do poder e da riqueza não se vêem ameaçados pelas ruas. Até quando?
Não se ultrapassando esta situação, nem a abstenção crescente nos pode trazer ilusões sobre a fragilidade do sistema político e económico capitalista desta paróquia da Europa.

22-01-2011

João Tunes disse...

Ora, camarada Ana, dizendo que "sócrates não se distingue de cavaco", "a merda é a mesma, só as moscas mudaram" e "um é filho do outro" ...

Ana Cristina Leonardo disse...

... sim, camarada joão...?

JG/Gato Vadio disse...

“a inconsequência daquilo que é puro voluntarismo”; “de voluntarismos mal estruturados e desenhados por amadores”… cabe perguntar, em que é que o João Tunes se constitui? Ou seja, em que colectivo se organiza?

“é um estruturado e fundamentado discurso inorgânico mas esquece[m]”… que quem denuncia, isenta-se.

JG/Gato Vadio

Anónimo disse...

Desenvolva camarada João. Desenvolva. Para além da merda ser sempre igual o que distingue os camaradas? É só o olfacto? Quanto ao Bibi estão de acordo? Desenvolva camarada João que nos colectivos a malta é assim.

Anónimo disse...

Já agora tomem xanax e sonhem com a Tunísia e com o Egipto. A revolução lá fora inquieta os camaradas impotentes cá dentro. Há sempre um Passos Coelho para vos fazer sonhar e um povo sábio para nos descansar. Avanti!
Mas camarada desenvolva.