O Nuno Ramos de Almeida escreveu um post em que considera que eu me limito a propagandear as ideias de outrem, no caso de Toni Negri. Como eu sei que o Nuno não acha que eu não tenha cabeça própria, vou considerar que a sua intentona contra o monstro Neves-Negri é apenas um modo de atalhar caminho. Mas este atalho acaba por ser nefasto para o debate. A política de Negri e Hardt é perfeitamente dispensável para esta discussão em torno do comunismo e patriotismo. Em relação à questão nacional, o pensamento de Negri e Hardt não tem nada de muito original e é, assim de repente, e sem pensar muito no tema, um ponto de encontro entre duas linhas: por um lado, a linha traçada pela ideia de Tronti segundo a qual o movimento migratório do proletariado “antecede” o movimento transnacional do capital (em parte uma originalidade do contexto político italiano dos anos 60); por outro lado, Negri e Hardt ecoam uma tendência mais geral que vai de Marx a Hobsbawm passando por Rosa Luxemburgo e que entende que a uma política comunista é mais conveniente (o termo é tosco, bem sei) uma escala mundial ou de grande amplitude e não tanto a micro-escala étnico-nacional. Aliás, a ideia de que o discurso do Negri se confunde com os ultra-liberais, trazida pelo Nuno, pode ser referida em relação ao Marx crítico do nacionalismo alemão e que, em última instância, opta pelo livre-cambismo de Smith em detrimento do proteccionismo de List. Uma opção discutível, por certo, mas cuja lembrança ajuda a pensar nestes tempos em que à esquerda a única opção parece ser a de defender o Estado social. Por fim, quanto ao Império e à Multidão, apenas dizer que não só o conceito de multidão (tal como trabalhado por Negri e Hardt mas também Virno) não é oposto a conceitos de classe (nomeadamente a uma ideia de proletariado) mas sim ao conceito de povo, como o próprio conceito de Império está longe de significar a assunção de um mundo plano e sem desigualdades. Trata antes da hipótese de não pensarmos a desigualdade através da bitola nacional e de assim evitar a tendência para pensar uma nação plana e sem desigualdades internas. Do desenvolvimento desigual e combinado dos trotsquistas à esquerda crítica de algumas concepções multiculturais para as quais a diferença cultural é sempre qualquer coisa de índole étnico-nacional, e passando pelo contributo de alguns teóricos dos estudos subalternos, são vários os contributos que podemos colher para pensar um anti-imperialismo que não seja nacionalista.
18/01/11
Sobre o fetiche negriano do Nuno Ramos de Almeida
por
Zé Neves
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7 comentários:
Texto de grande andamento,caríssimo. Tese muito articulada e de grande limpidez.Nota muito alta.Postura ético-política relevante. Endurence conceptual. Um senão:ultra sofisticada " ligação " ao imaginário marxista. Eu navego por outras águas- daí que tenha protestado contra a invectiva sobre os libertários ultra-liberais do gentil NRA. Bom vento! Niet
Essa asserção do List é, sem dúvida, interessante mas esquece que o proteccionismo do List refere-se a um proteccionismo amplamente relacionado com as camadas aristocráticas e nobiliárquicas e não com a burguesia ascendente que, em 1845, ainda não era a classe dominante na formação social alemã. O mesmo se passa nos textos em que o Marx defende o livre-cambismo contra o proteccionismo. Ora, não se pode transpor esse raciocínio para hoje no sentido em que o que o Marx vincava era a necessidade de, ainda na primeira metade do século XIX, rebentar com as estruturas sociais arcaicas e de forte enraizamento feudal, bem como as classes que lhe davam suporte. Daí que, lógica e correctamente, Marx defendesse o livrecambismo, como forma de acelerar o desenvolvimento do capitalismo contra sectores feudais e absolutistas remanescentes na Europa de então.
Espero ter contribuído para a discussão.
Cordialmente
Se calhar a memória (recente) está a falhar-me, mas não me parece que se possa dizer que Marx prefere o livre-cambismo de Smith ao Nacional-proteccionismo de List. É normal que num texto sobre List, o principal objecto de crítica seja o proteccionismo nacionalista, mas isso não autoriza a que se diga que Marx prefere o liberalismo.
No projecto de crítica da economia política, o liberalismo ocupa, como é natural, um espaço bem maior, como ideologia económica hegemónica que era e continua a ser.
Mas o que me parece mais importante no texto do Marx é justamente a ideia de que entre os dois não há que escolher nenhum. É simplesmente uma luta na qual o proletariado não tem a ganhar com a vitória de qualquer dos lados, e é isso que é importante reter na mensagem de Marx.
É certo que os textos do Marx, que muito bem prefaciaste na edição da Antígona, têm uma intenção clara: argumentar que, do ponto de vista da luta de classes o nacionalismo não é a resposta ao livre-cambismo. O último terá apenas a mesma vantagem que o capitalismo em relação aos anteriores modos de produção: tornar mais claro o facto da exploração.
abraço,
bruno.
o internacionalismo comunista face à globalização capitalista. onde está o movimento de massas? não faltará alguma actualização teórica para uma vida com práxis no Mundo que nos envolve?
Peço perdão por soar tão rasteiro, porém no meu tempo em Itália o pessoal não tinha grande pachôrra para longas elucubrações, queriam agir, e o prof 'Black Tony' teve o mérito de captar a essência do momento que se vivia.
O prof. era um dos "inspiradores" de P.O., os meus amigos bandeavam-se mais para L.C. e 'indiani metropolitani', mas havia uma osmose grande entre uns e outros, todos sabíamos ... de tudo, uns dos outros.
Entretanto no refluxo da 'coisa' o prof. teve que se escafeder para Francia.
Os idiotas do stato ita achavam que P.O. era uma 'organização terrorista', isto porque tinham um medo de morte de se chegar às B.R. ou a Prima Linea, especialistas em dar cabo dos joelhos a imbecis...
A vida é assim, o prof. agora filosofa à brava, e eu (for one) já não lhe ligo muito...
:-(
Bruno,
Na crítica de List, de facto, Marx opta por não escolher entre um e outro. No discurso sobre o livre-cambismo, opta por este. Quanto ao resto, estou de acordo contigo. Mas o raciocínio que aplicas ao Marx pode ser aplicado ao Negri em relação à sua "preferência" pelo Império em detrimento do estado-nação.
Cara Matilde,
A Crítica de Marx a List é uma crítica contra o que ele considera ser a ideologia da burguesia alemã.
Caro James,
Não me parece que o "professor" filosofe mais hoje do que ontem. Ontem, aliás, era professor universitário; hoje nem por isso.
abç
Caro Zé Neves,
agradeço a sua resposta. É da burguesia alemã, concedo, mas de uma burguesia alemã sem uma independência de classe como a que se verificou, por exemplo, no contexto de 1789 em França. Os próprios Marx e o Engels iriam criticar a ausência de veia revolucionária por parte da burguesia alemã na revolução de 1848. Mais ainda, esta é uma burguesia que se enfeuda fortemente com a aristocracia prussiana e que terá de fazer avançar um membro altamente cotado na aristocracia - Bismarck - em ordem a poder realizar um projector capitalista modernizador. Daí que eu tenha falado na ligação do proteccionismo a um projecto que não rebentava - como não rebentou - com o poder quasi-feudal dos Junkers. Lembremos que a estrutura agrária dessa que era a classe dominante na Alemanha dos anos 40 do século XIX não era capitalista nos seus termos mais acabados: uso de trabalho assalariado; forma de extracção da renda fundiária, etc.
MB
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