26/01/11

Voto obrigatório?

A respeito da elevada abstenção, voltaram a ouvir-se vozes defendendo o voto obrigatório (p.ex., aqui).

Mas que beneficio teria o voto ser obrigatório? Antes que alguém me pergunta qual o beneficio de não ser obrigatório, respondo que, nisto como em tudo, o default deve ser a máxima liberdade e que são as proibições e obrigações que têm que ser justificadas; ou seja, o ónus da justificação está do lado dos que defendem o voto obrigatório.

A minha análise - o voto obrigatório prejuducaria aqueles que, sem ele, se iriam abster - afinal, se eles se abstêm é porque consideram o incómodo de votar (e não estou a falar apenas do incómodo físico de ir votar, estilo "estão-se a marimbar"; estou a incluir também o incómodo ideológico que, p.ex., um anarquista, um absolutista-monárquico ou um separatista algarvio poderão sentir por irem participar num sistema a que se opõem) maior que o satisfação de participarem na decisão colectiva; por outro lado, aqueles que votariam de qualquer maneira também ficam a perder, já que o seu voto passa a contar menos.

Ou seja, o voto obrigatório é daquelas coisas que prejudica todos os envolvidos.

[Só imagino uma situação em que se justifique o voto obrigatório - se existir uma forte pressão social para não ir votar, estilo bandos armados ameaçando quem ir votar, o voto obrigatório pode ser útil como forma de proteger os que efectivamente querem votar]

18 comentários:

James disse...

Completamente de acordo.

O estado (que nunca vai acabar, claro...) já se mete suficientemente na vida privada das pessoas singulares.

Não tem que se meter ainda mais.

Ir ou não ir ali ou aqui, por estas ou akelas razões é uma decisão livre de pessoas que são livres, e não escravas de ninguém.

(Just my friggin' two cents)

L. Rodrigues disse...

Antes de obrigar as pessoas a votar deviam obrigar os mortos a sair das listas.... Aposto que oferecem menos resistência.

M. Abrantes disse...

Bom texto.

Anónimo disse...

Sou há longos anos abstencionista convicto e não haverá lei que me obrigue a votar...
Que farão? Como no Brasil, recusam o emprego público ou o passporte? Cobram uma multa? Recusam assistência médica ou a reforma?
A preocupação dos políticos, e dos comentadores do Sistema, quanto à abstenção, introduzindo o tema do voto obrigatório, diz mais sobre o problema da crescente falta de legitimidade dos eleitos, que os comentários cínicos, para não dizer vigaristas, sobre o frio, ou a chuva, quando as eleições são no Inverno, no Verão sobre a ida dos eleitores para a praia, ou sobre os mortos nos cadernos eleitoriais(esquecendo que eles foram recentemente revistos) ou agora, dos problemas técnicos, que os analistas informados dizem que vai de 1 a um máximo de 2% da abstenção.
Sabem qual foi a abstenção em 1975?
8,3 %.
Isso diz tudo da evolução política e social deste país, e da credibilidade do regime e dos seus políticos.

lucidez..já tarda disse...

tinha algumas vantagens..sabia-se ao certo quantos afinal dos abstencionistas votariam branco ou nulo. e os anarquistas , monárquicos e tal podiam pedir estatuto de objectores de consciência.
mas isto sou eu que acredito no que desejo ( e desejo que o saramago seja assim tipo julio verne ) e acho que os que se abstêm estão fartinhos do vira o disco e toca a mesma música riscada dos quem não têm dedos ( de testa ) nem competência para tocar guitarra e só a arranham porque pertecem a uma orquestra que tem o monopólio da música e está-se borrifando se os músicos são sapateiros , o dinheirinho das entradas é que conta.

Anónimo disse...

O que muita gente não fala é que votar é muitas vezes um acto social, de que de dever cívico não tem nada. Em muitas freguesias as pessoas vestem a melhor roupa e saem alegres porque sabem que vão encontrar muitas pessoas que já não vêem há algum tempo... Votar é uma saída da normalidade das suas vidinhas chatas... Têm mais responsabilidade a combinar os sapatos com a blusa, de que a fazer julgamentos políticos.

E outro caso é de uma população analfabeta e ignorante que não falha uma eleição, mas que não faz ideia de quem vota. Um caso engraçado foi em Gondomar. O Valentim Loureiro era sempre o quadrado de baixo. Numas eleições o quadradinho de baixo foi substituído pelo Bloco de Esquerda. O Bloco teve uma das melhores percentagens de sempre...

Luis Ferreira disse...

Estou de acordo. Teria muito mais interesse defenderem o voto para além da eleição, isto é, o voto que permitiria revogar um mandato antes do seu término.

rui disse...

acho errado o voto obrigatório. e ainda por cima inútil. Desconfio de que o sentido geral das votações sofreria apenas ligeiras flutuações no caso de proibição da abstenção.

rui disse...

desconfio "de que"... enfim, agora olha, aguenta-te à bronca...

Diogo Duarte disse...

Bom, útil e importante post.

O problema actualmente, e é por isso que nestas eleições a abstenção tem dado mais que falar do que nunca, está em que a abstenção já não pode ser facilmente restringida a um "incómodo ideológico": improváveis abstencionistas declararam publicamente, nestas eleições, que se iam abster.

Surpreende-me, sinceramente, e digo-o com toda a humildade, ver pessoas que se consideram democratas colocarem a hipótese do voto ser obrigatório ou justificar o voto com base no "dever". Tal obrigação não só é anti-democrática como resvala para um certo totalitarismo (ao não reconhecer outras alternativas de acção ou participação política, nem o direito ao descontentamento, ou mesmo, porque não, o "direito" à ignorância ou ao alheamento [duas coisas que uma democracia deve procurar compreender porque é que acontecem, se lhe parecem problemáticas, e não censurar ou menosprezar aristocraticamente]). Tornar um dever uma coisa que deve constituir um acto consciente e que exige ponderação, tal como obrigar alguém a cumprir uma acção que é considerada democrática, vai para lá da simples contradição.

Por isso mesmo, acho que nem o voto nem a abstenção devem ser princípios incontornáveis, i.e., não me parece que se deva sustentar o abstencionismo em qualquer circunstância, nem tão pouco o voto - e podemos discutir estas opções, em termos democráticos, dentro dos momentos em que é pertinente fazê-lo, considerando os prós e contras conjunturais e sem deixar de assumir a liberdade de cada um.

A democracia torna-se mais débil quando não somos capazes de sustentar as nossas acções e de reconsiderá-las de acordo com as diferentes situações, legitimando-as através duma questão de “dever” e não através duma ponderação crítica. Esse é o primeiro passo em direcção ao acriticismo, à conformação e ao que tanto assusta alguns “votantes”, já que o atiram como crítica aos abstencionistas, a inércia (porque votar também pode ser sinal de inércia, tal como não votar também pode ser uma acção política).

Uma das possíveis saídas para este "problema", discutível e que tem os seus prós e contras (mas isso não cabe aqui), é dar à abstenção peso eleitoral, à semelhança do que acontece com os referendos.

Enfim, é um assunto que dá pano para mangas e em que, infelizmente, temos visto a preguiça mental a ter mais protagonismo do que o raciocínio democrático.

lucidez disse...

bem , desconfio que não gostam da ideia do voto obrigatório porque acham que assim a "direita" ia ter mais votos. os velhos reaccionáros iam votar... feio. preferem que as pessoas não votem a que votem no que vocês não gostam? às tantas até gostavam que se proibisse o voto para que as escolhas não fossem públicas e as vossas ilusões continuassem a ser alimentadas pela ambiguidade da abstenção. não compro.

Luis Ferreira disse...

"desconfio que não gostam da ideia do voto obrigatório porque acham que assim a "direita" ia ter mais votos."

Acho que é ao contrário. A esquerda que se manifesta algo magoada contra a abstenção parece achar que existe uma maioria sociológica de esquerda em Portugal e que se toda a gente fosse votar a esquerda sairia vencedora.

rui disse...

É um outro assunto, mas o mito da "esquerda sociológica maioritária" (uma espécie de versão esquerdista da "maioria silenciosa") foi estilhaçado no último processo eleitoral.

João Vasco disse...

«É um outro assunto, mas o mito da "esquerda sociológica maioritária" (uma espécie de versão esquerdista da "maioria silenciosa") foi estilhaçado no último processo eleitoral.»

Não, não foi.
Pelo contrário, nas legislativas a esquerda teve um resultado muito melhor que nas presidenciais, e a abstenção foi muito mais baixa.

Na verdade, a abstenção desfavorece a esquerda, visto que o eleitor médio é mais rico que o cidadão médio, e as camadas muito pobres, menos participativas, votam mais à esquerda que a generalidade da população.

Ainda assim, e sendo de esquerda, tenho TUDO contra o voto obrigatório.
Em termos ideológicos, e em termos pragmáticos.

rui disse...

@joão vasco. são conjecturas... as legislativas foram há um ano. Por outro lado, se a esquerda esquerda inclui o PS na direita, como é que a esquerda é maioria sociológica (admitindo que o seria ao dia de hoje, mesmo que o PS fosse "readmitido"...)? Por dedução teórica? Por inerência de estatuto social? mas se essas centenas de milhares de eleitores recusam nas urnas (e não só) o privilégio, como é possível continuar a debater segundo essa premissa?

Miguel Madeira disse...

"Na verdade, a abstenção desfavorece a esquerda, visto que o eleitor médio é mais rico que o cidadão médio, e as camadas muito pobres, menos participativas, votam mais à esquerda que a generalidade da população."

Não tenho tanta certeza disso. é verdade que a variável "rendimento" pode lever a uma associação abstenção/esquerda. Mas há outros factores que agem em sentido contrário:

- Instrução:

normalmente, controlando para o rendimento, as pessoas mais instruidas tendem para a esquerda; e a instrução também leva as pessoas a votar mais (na realidade, até suspeito que o efeito "baixo rendimento > mais abstenção" é simplesmente um efeito "baixa instrução > mais abstenção" camuflado)

- Interesse pela politica:

Penso que as pessoas de esquerda interessam-se mais pela politica, até porque é quase a essencia da divisão esquerda/direita: a esquerda acrdita que pela politica é possivel melhorar o mundo, enquanto a direita acredita que os problemas do mundo não têm solução (conservadores) e/ou que a melhor maneira de melhorar o mundo é cada um tentar melhorar a sua situação pessoal (liberais). E penso que não é preciso pensar muito para concluir que as pessoas que dão mais importância à politica votam mais.

Luis Ferreira disse...

Não se pode confundir a discussão se a abstenção penaliza mais a esquerda ou mais a direita, com a outra afirmação que existe uma maioria de esquerda na região portuguesa. Tantos anos a seguir políticas neoliberais não permitem esse tipo de ilusão, que me parece estar ao nível dos discursos dos dirigentes dos partidos de esquerda na noite de eleições.

Anónimo disse...

Querem reduzir a abstenção?
Fácil.
Dissolvam estes partidos (todos, claro) e criem outros novos.
Proibam de se candidatar todos aqueles que nos últimos anos desempenharam funções partidárias, cargos políticos e cargos de confiança política (ficando inibidos destas funções pelo menos durante 15 anos).
Criem depois novos partidos sem quaisquer vícios, mentirosos, boy's e afins.
Se conseguirem isso tudo, seguramente que a participação em atos eleitorais será muito maior.