Ao contrário de alguns outros observadores, não acho excessivamente insólito que Boaventura Sousa Santos tenha subscrito o documento Um compromisso nacional — e, para dizer a verdade, há outras subscrições que me deixam muito mais chocado. Vendo bem as coisas, à luz do seu antieuropeísmo contumaz, do seu profetismo terceiro-mundista de longa data, do seu desprezo reiterado pela democracia, do seu nacionalismo pós-modernizante, etc., etc., talvez a subscrição do "compromisso" por BSS não seja tão surpreendente como parece a alguns.
Surpreendente é, sim, o alcance da mistificação empreendida, bem documentada no irrefutável post que a Joana Lopes publicou esta tarde sob o título de Boaventuranças à la carte: fazer passar uma "capitulação" tida por necessária ou "necessidade" tida por incontornável - posição de que discordo, mas posso compreender que outros adoptem, sem por isso deixar de a combater - por conclusão de uma lógica de insubordinação e resistência.
É como se Mário Soares em vez de declarar, nos anos de liquidação do PREC, que, dadas as circunstâncias, tinha de pôr o socialismo na gaveta, tivesse declarado que estava mais apostado do que nunca, com as políticas que então adoptou, a levar por diante a construção do socialismo. Por muito aberrante que consideremos a atitude de Soares nessa época - o secretário-geral de um Partido Socialista a encarregar-se da tarefa de engavetar o socialismo -, ou, a outra escala, a de Lenine, quando propôs que os bolcheviques se encarregassem de fazer o Termidor - sem lhe chamar, porém, a Tomada da Bastilha - para conservarem o poder, a mistificação que BSS opera deixa para trás essas e outras aberrações, e só tem precedentes nos traços mais sombrios das mais sombrias expressões do "duplipensar" denunciado por Orwell, ou em certas proezas retórico-propagandísticas que acompanharam as experiências históricas extremas — muito diferentes entre si e não por certo equivalentes sob outros aspectos — do estalinismo (pensemos em certos episódios da história da URSS ou noutros da Guerra de Espanha) e do nazi-fascismo.
10/04/11
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2 comentários:
"duplipensar" é o termo certo para caracterizar o raciocínio estratego-tático-político dos internacionalistas encartados que combatem o 'Império' exigindo a sua intervenção militar contra si próprio: o que é mau é bom, o que é péssimo é ótimo, o inimigo é amigo.
O Professor Boaventura - de seu nome profético - sempre foi um bom católico e um bom social-democrata desde que se tornou adulto. Não sei as razões de tanto espanto espanto por o ver assinar com outros notavéis a favor da «salvação da pátria».
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