21/04/11

Cuius regio, eius religio

Cuius regio, eius religio - ou a liberdade de pensamento, de expressão e consciência sofre um grave atentado em Espanha, que introduz limitações permanente no seu exercício - tal parece ser a única conclusão razoável a tirar da notícia que a seguir se transcreve.

La procesión atea que debería circular hoy, Jueves Santo, por el barrio madrileño de Lavapiés infringe "el derecho fundamental de libertad religiosa" amparado en el artículo 16 de la Constitución Española y constituye un "riesgo real y efectivo de afectación del orden público con peligro para personas y bienes". Así lo estima el Tribunal Superior de Justicia de Madrid (TSJM), que ayer respaldó la decisión de la Delegación del Gobierno en Madrid de prohibir la marcha tras estudiar el recurso presentado por sus convocantes: la Asociación Madrileña de Ateos y Librepensadores (Amal), Ateos en Lucha y la Asamblea vecinal La Playa de Lavapiés.

Ellos son las nuevas víctimas de los tentáculos legales agitados por la Conferencia Episcopal Española. Han sido los últimos en ser acusados de un delito que sólo los países confesionales incluyen entre sus normas legales: blasfemar. "Los artículos 512 y 525 del Código Penal fueron creados para proteger las creencias. Pero ahora la justicia los utiliza para todo lo contrario, para perseguir la blasfemia. Esto es comparable a cómo se interpreta la protección de la religión en países como Yemen o Irán", se defiende el denunciado presidente de Amal, Luis Vega, para quien la sentencia demuestra que "el Estado aconfesional no existe". "Todo el mundo tiene derecho a manifestarse, menos nosotros, los laicos", añade ".


O mais instrutivo é notar como a reacção clerical se faz invocando a defesa do pluralismo, do respeito e do reconhecimento identitários, em termos que recorrem ao argumentário multiculturalista e pós-moderno do "politicamente correcto" e da sobreposição dos "direitos humanos" à concepção democrática da política. A pretexto de que as convicções e crenças de cada um devem ser respeitados e protegidos de ofensas a expensas da liberdade de expressão de quem se lhes opõe, o Estado arroga-se o direito de limitar o exercício da crítica e do livre-exame. Podemos, até ver, ser ateus, mas só se reconhecermos que a religião é um bem e abstendo-nos por isso de dizer mal dela em termos que os crentes considerem blasfemos. Passa-se da ideia de que devemos, evidentemente, respeitar o direito dos outros a defenderem e exprimirem as suas ideias, à ideia particularmente imbecil de que de temos de respeitar as ideias dos outros. Farão mal aqueles que, secundarizando o assunto e reduzindo-o a um aspecto menor de uma questão religiosa menorizada, subestimem a ameaça, que, a qualquer momento e segundo a mesma lógica, poderá visar outros alvos e domínios - reduzindo-nos a esse "rebanho pelo medo perseguido", de que falava Alexandre O'Neil, e cujo medo faz a prosperidade, legitimidade e prestígio dos pastores.

3 comentários:

Grunho disse...

A política pode ser uma porca, mas a Grande Porca é a religião.

Anónimo disse...

uma procissão de ateus?

até para um ateu como eu, essa idéia é um disparate...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
o que está em causa não é a concordância ou não com os propósitos da manif garrotada pelo Reino de Espanha. É o atentado às liberdades fundamentais e a pesada ameaça sobre o que escape à expressão menos respeitosa da crítica e das opiniões que esse atentado instaura. Aliás, não o clima de ameaça da evolução do regime- no sentido de uma espécie de liberdade condicional, através da generalização de medidas de evitamento e prevenção - tem vindo a ser introduzido e normalizado em doses cada vez maiores um pouco por vários países da Europa e do Ocidente. E a Espanha tem sido um teatro destacado dessa evolução "pós-política".
Bastante mais disparatadas do que a manif. proibida são, por exemplo, as peregrinações a Fátima. Deveriam ser proibidas? Ou, pelo contrário, deveria ser proibida a delegação de uma Liga dos Ateus Combatentes no município que acolhe o santuário mariano, a pretexto de que ofenderia os jardineiros da memória dos três pastorinhos?

msp