20/04/11

Debaixo do Vulcão


Gostaria de relembrar os camaradas e amigos mais entusiastas com o "exemplo islandês" que o FMI está a trabalhar por aqueles lados desde 2008. O referendo realizado há dias não dizia respeito ao conteúdo deste ou daquele pacote de austeridade, mas à indemnização de alguns investidores estrangeiros prejudicados pela falência de bancos islandeses. Claro que isso tem implicações ao nível do rigor e duração da austeridade - e que esta observação em nada diminui a importância do processo ali em curso - mas não se trata, decididamente, de algo semelhante ou praticável na situação portuguesa, onde o défice é em primeiro lugar comercial e só depois orçamental. 
Aliás, o chefe da missão do FMI sublinhou precisamente, em Outubro do ano passado, que um dos pontos-chave fundamental da recuperação económica islandesa foi a recusa do pagamento da dívida do sector privado (leia-se, da banca): "The key will be to keep a lid on financial sector contingent liabilities, and ensure that the public sector does not assume more private sector debt." E já em 2009 considerava que as medidas empregues tinham como objectivo aproximar o sistema fiscal islandês dos seus congéneres sueco e dinamarquês (tornando-os portanto mais progressivos) de maneira "a preservar o modelo básico do estado de bem estar nórdico". 
Ou seja, o FMI entrou na Islândia para fazer uma política que aparenta ser bastante diferente da que nos foi apresentada nos sucessivos PEC e que até não difere assim tanto de algumas coisas que têm escrito os Ladrões de Bicicletas, admitindo um aumento da despesa pública para financiar o crescimento dos apoios sociais e considerando que esse tipo de medidas contra-cíclicas pode manter à tona da água a economia. O que Paul Krugman aqui saúda é uma performance económica de recuperação assente em políticas económicas que combinaram o aumento da receita fiscal e a regulação  do sector financeiro, de maneira a corrigir os efeitos do que considera "excessos especulativos" sobre a "economia real". 
Desse ponto de vista, o caso português, como o irlandês ou o grego, tem uma diferença substancial, que diz respeito à sua escala e à dimensão política inerente à natureza das respectivas dívidas públicas (e, bem assim, às suas necessidades de financiamento externo). O resgate do FMI não é, não pode ser, em Portugal, na Irlanda ou na Grécia, semelhante ao que foi efectuado na Islândia. Há demasiada gente que perderia demasiado dinheiro. O FMI não vem cá fazer figas para que a dívida privada não seja incluída na dívida pública, mas precisamente o contrário. Não é por acaso que lhe chamam Tony Soprano bailout. Quanto às "propostas concretas" relativamente à reestruturação da dívida pública portuguesa, já lá iremos.

3 comentários:

Miguel Madeira disse...

Eu poria a Irlanda (e a Espanha) no mesmo saco que a Islândia - todos eles são países em que a dívida pública só é um problema devido à divida privada que, ou foi assumida pelo Estado (Irlanda e Islândia), ou está toda a gente à espera que vá ser (Espanha).

Já Portugal e Grécia penso que têm mesmo um problema estrutural de deficit no orçamento.

Anónimo disse...

Portugal e a Grécia têm um problema estrutural de deficit: é verdade, e aí temos de concordar com os liberais... Mas há que reforçar a ideia de que isso se deve ao facto de a banca privada, ou o capital rentista, se apoiar em obras públicas que pouco contribuem para exportações. A Irlanda que agora nacionalizou a banca poderá usá-la como uma arma para gerar riqueza, nós não.

Ricardo Noronha disse...

De acordo no que diz respeito à natureza da dívida pública Miguel, mas nota que a quantidade aqui torna-se qualidade: um não pagamento irlandês teria consequências muito maiores do que o islandês, devido à dimensão das somas envolvidas, e seria por isso politicamente inaceitável para o BCE. Para além disso, a Islândia não integra a zona Euro.
Quanto ao papel da banca privada portuguesa, penso que não se deve parar de repetir que a sua competitividade assenta numa situação de escandaloso privilégio fiscal e que ainda se terão abotoado a algum graças à subida das taxas e ao seu papel de intermediário junto do BCE. Também não faz mal nenhum insistir na ideia de que a SLN deve ser nacionalizada.