O Daniel queria que o Jerónimo de Sousa e o Francisco Louçã tivessem ido reunir com o FMI e que no fim tivessem dito aos jornalistas que acreditavam que as suas críticas ao FMI haviam sido minimamente levadas em linha de conta pelo próprio FMI. À semelhança do que fez Carvalho da Silva. Ora, uma e outra coisa não são perfeitamente comparáveis. Eu acho bem que Carvalho da Silva tenha ido reunir com o FMI, tal como acho bem que Louçã e Jerónimo não tenham ido. Compreendo, aliás, que Carvalho da Silva tenha dito aos jornalistas que acredita que o FMI tenha ouvido o que Carvalho da Silva disse. Mas que o Daniel acredite que o Carvalho da Silva acreditava piamente no que estava a dizer aos jornalistas é algo que entra já, parece-me, no domínio da ingenuidade. Ou então da crença.
O FMI não é um monstro, por certo, é apenas e só um adversário. Que em si mesmo não é pior do que os adversários nacionais e podemos até, um dia, falar com o FMI. O FMI não será surdo, seguramente, aos protestos que se ouvirem nas ruas e nos locais de trabalho, sendo que entre estes e o FMI há sempre intermediações importantes, dos dirigentes políticos aos tecnocratas cuja força ou saber advenham (ou pelo menos se relacionem) com o que os marxistas-leninistas, nos seus sonhos mais molhados, gostam de chamar "dinâmica de massas". O que está em causa nestas reuniões, porém, é uma coisa muito diferente. E que tem que ver com princípios. Que interpelam os partidos de modo diverso do que interpelam os sindicatos. Os sindicatos reúnem com quem tem poder. Os partidos reúnem com quem tem poder mas um poder democraticamente legitimado. Estas reuniões do FMI com os partidos servem, sobretudo, para dar legitimidade a um programa de governo que se imporá a todo e qualquer partido que vença as eleições. Um programa que se pretende partidariamente legitimado, mas não democraticamente legitimado. É o cúmulo da partidarização da vida política. E mostra como os partidos são cada vez mais instituições ao serviço dos Estados e menos emanações dos eleitores. É o próprio FMI que o afirma: trata-se de garantir o apoio da maior parte dos partidos de modo a evitar que o resultado das eleições – com essa chatice que são os governos minoritários, a heterogeneidade da vontade popular, a instabilidade política, a democracia e outras comichões que irritam os “mercados” – possa anular o trabalho de consolidação que agora começa a ser feito. Faltar à reunião é um modo de deixar claro que não se alinha com esta fraude eleitoral. Ir à reunião dizer que não se alinha com essa fraude seria outro modo, por certo. Ambos são modos de continuar e recomeçar a luta.
Outra coisa, porém, é pretender negociar um programa de governo nacional com alguém que não foi eleito, como o Daniel praticamente exige. E aqui acho que o Daniel está a levar longe do mais o seu reformismo. Uma coisa é pedir que PCP e BE negoceiem um programa de governo com o PS caso este seja o partido mais votado. Outra coisa é pedir que negoceiem um programa de governo com o FMI não sendo votado. Não sou um defensor do "quanto pior, melhor", mas também não creio que o melhor meio para melhorar as coisas seja procurar simular pequenas vitórias no que é uma clamorosa derrota. A esquerda, os trabalhadores, os benfiquistas, a democracia - como queiram - perderam com a chegada do FMI. Não vale a pena tentar disfarçar. Saber perder é importante para voltar a vencer, como disse, um dia, o grande Jaime Pacheco (ou foi o Manuel José, já não sei).
20/04/11
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11 comentários:
Mas, Zé, surpreende-me a distinção hierárquica que restabeleces entre partidos (que lidam com princípios) e sindicatos (que lidam com factos imediatos), e faço-te notar que isso arruína a tua tese de ontem (e hoje aqui reafirmada pelo menos implicitamente) de que a opção de ir ou não ir à reunião relevava de considerações tácticas.
Acresce que sobrevalorizas - tomando como referência termos em que me habituei a ver-te entender a democracia - a densidade democrática da representação. A escolha dos representantes e dos governantes - mantendo intacta a divisão do trabalho político e a distinção permanente entre governantes e governados, a política profissional, os partidos como instância de mediação obrigatória, etc. etc.- não é democraticamente legítima, embora possa ter, do ponto de vista democrático, um valor defensivo substancial, e é por isso que só não a queremos reduzir a não ser através através de um processo de reforço/instauração da participação igualitária generalizada, o qual não pode evidentemente ser desenvolvido contra a vontade da maioria. Em todo o caso, parece-me que está fora de causa que legitimemos tão fácil e profundamente como o teu post se arrisca a fazer um governo representativo e a adopção da lógica da representação contra a da participação pelas auto-organizações de luta e acção política dos cidadãos (assumam estas ou não a forma de partidos).
Por fim, saber perder, claro, está muito bem, mas só depois de se ter tentado vencer ou resistir num combate tomado a sério, apresentando seriamente alternativas sérias (ainda que pressupondo a redefinição do possível ou do institucionalmente estabelecido). Daí que, no essencial, eu subscreva o que o LAM tem escrito sobre a possibilidade de transformar a comparência na reunião com o FMI num momento da luta e de explicitação de objectivos. E aqui remeto-te para os posts e caixas de comentários aqui publicados, no Vias, ontem e já antes sobre o assunto (o que escreveste, o que escreveram o Luís Rainha, o Pedro Viana, o LAM, o José Manuel Faria, eu próprio e, sem dúvida, alguns outros).
Abraço
miguel (sp)
Como disse o Pannekoek, a democracia parlamentar é abjecta e bem corre o excelente ZNeves ao invocar o " cúmulo da partidarização da vida política " ;e o papel dos partidos " cada vez mais como instituições ao serviço do Estado ", nestes conturbados e inquietantes momentos de crise " sistémica " dos sistema capitalista mundial... O MS. Pereira levanta algumas questões interessantes sobre a falta de legitimidade essencial da democracia representativa, a corrosão pelos vicios e os compromissos do oportunismo parlamentar. De novo Pannekoek para meditarmos: " O papel dos partidos não é senão temporário: num primeiro tempo indicam a via a seguir e explicam os desejos das classes que representam. Mas há medida que se estende e intensifica a luta de classes, ver-se-ão ultrapassados por objectivos mais dificeis e os ideais mais elevados dos trabalhadores . (...) O combate do proletariado não é simplesmente um combate contra a burguesia, pelo poder de Estao enquanto objectivo, é também um combate contra o poder de Estado ". Ele tem também uns conceitos muito interessantes sobre a " duplicidade " política/teórica e organizativa dos partidos estalianos, a que dá o nome de teoria da expectativa passiva...Salut! Niet
Salut! Niet
estou tão cansado
maradona
a democracia - como queiram - perderam?
só há a ganhar democracia com a chegada do FMI
a existente nem dá para encher um copo
se alguém se põe a renovar um quartel caduco com 100 anos
no meio das chuvas invernais
a cleptocracia talvex grite que os 7 milhões gastos são a bem do povo
em democracia há o escol e há o culto democrático do boi manso
100 mil desempregados a 200 euros por mês são 20 milhões/mês
3 obras que se arrastarão durante 1 ano ocupando parcialmente duas dezenas por vezes 3 de homens
custam 2 milhões a menos apenas 18 milhões no pico da crise orçamental para renovar um cinema já renovado 4 vezes nos últimos 50 anos desta vez deve ser para a 3 d
uma vez que atiraram uma parede abaixo
Democracia e densidade democrática
deve ter a ver com generalizações sociológicas com místicas marxistas à mistura???
nã tem?
é que parece que um sistema democrático dificilmente pode funcionar em grande escala
Quando um estado que nasceu de um golpe corporativo
se tornou ainda mais corporativo do que o sistema social anterior
há apenas a higiene dos corpos e das casas das gentes das classes sociais mais baixas (1/5 do total
seria 1/3 a 1/2 há 30 e 40 anos atrás
o restante compadrio político
corta-fitismo
e emprendimentos improdutivos do poder político para untar umas mãos
isso continua mais ou menos na mesma
hoje felix mente podemos denunciar isto
e só somos processados
o estigma do trabalho
a deformação dos pobres daqueles que não podem ser funcionários
os párias
Oh. Mr Maradona, desculpe lá se está cansado...De quê? De não poder ser capaz de pensar o contexto em que sofre, é explorado e também a via sacra de ser vitima de " perseguição " dos neófitos do estalinismo luso? Uma boa solução: ler, tentar perceber a politica verdadeira- a arte composta de governar e ser governado: como queria Aristóteles -e ser radical. Vale? Niet
"a arte composta aristotélica de governar e ser governado" és tu que dizes Niet; porém trata-se do mesmo Aristóteles que na sua "escala da natureza" afirma que "a matéria inerte progride até ao homem e isto só pode ser fruto da inteligência divina" assim sendo,
que fiquem todos na paz do Senhor e tenham uma Santa Páscoa trinchando um belo cordeiro acompanhado por uma copito de cabernet sauvignon seus burguesóides infames
Miguel,
Tens razão em parte. Não queria reintroduzir a dicotomia partido-sindicato. Mas queria contrariar a ideia de que há necessariamente uma contradição entre a comparência do Carvalho da Silva e a ausência do Louçã e do Jerónimo. Ou seja, o Daniel jogava o primeiro contra os segundos; e eu acho que era uma jogada forçada, porque eles entendem (eu não, eles sim, ainda que de modos diversos) que há uma diferença entre partidos e sindicatos.
quanto ao resto, é isso mesmo: não me satisfaz a democracia que se limita à escolha dos governantes e representantes; mas só a substituímos por um democracia mais democrática.
abç
OK, camarada. No que se refere às concepções do JS e do FL, tens razão, também tu.
Abraço para ti
miguel (sp)
Sr. xatoo: Continue enrodilhado nessa paranóia cripto- materialista- gosto de o saber apreciador de Cuba...- de onde dificilmente se escapa. E numa tentativa de escape- pretexto mirabolante e contraditório - lá se vai anichar na crítica ( fácil) de Aristóteles. Ora nada se poderá perceber de Aristóteles sem pensar e criticar a política de Platão, a coincidência da " alma " e da " cidade ", como protocolo de uma justiça de classe e ditatorial, podemos hoje dizer,helàs. O que Aristóteles joga contra Platão tem a ver com a magna questão também- a par da de governação, é evidente- de se tentar avaliar se será a mesma coisa ser um homem bom e um bom cidadão.E poder-se-ia acrescentar ainda que nessa recusa da assimilação da alma e da cidade- o que destrói os eufemismos esquerdistas do sr. xatoo-Aristóteles oferece à politica a cotação de virtude principal," ela é a justiça ". E define também por isso a liberdade humana como a capacidade dos humanos fazerem de si " o princípio daquilo que está para vir ". Justamente, como lembra Castoriadis, Aristóteles hesita entre a ideia clássica, segundo a qual a política é a ocupação mais elevada, mais digna e arquitectónica e a ideia, que anuncia os tempos vindouros, segundo a qual o bem supremo para os humanos é a contemplação, a única capaz de realizar a nossa finalidade natural, o nosso telos: " comportarmo-nos, tanto possível, como imortais". Niet
Confesso que ao ler esta intervenção do xatoo, senti por um momento esperanças de estar perante um esboço de transformação ideológica da criatura, ao ver que ao insultar a malta chamando-nos "burguesóides" não fizer com que ao "burguesóides" se seguisse o "e sionistas" habitual, denunciando a conspiração global dos judeus.
Esperança vã. A uma leitura mais atenta, dei-me conta do "cordeiro pascal trinchado" (vá lá não ser uma criancinha cortada às fatias) que os "burguesóides" são supostos ingerir, como piedosos judeus que são. Um neo-nazi ou "antissemita de esquerda" que se preze não poderia deixar escapar esta oportunidade de deunciar o inimigo e explicar como se pode reconhecê-lo pela sua cultura alimentar.
msp
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