26/04/11

A Porca da Ideologia

Este post de José Manuel Fernandes (JMF) é muito revelador do modo como a historiografia tem sido frequentemente entendida no espaço mediático. Mas não é revelador tanto pelas questões de conteúdo (perdoem a simplificaçã0) que levanta, eventualmente as mais polémicas e sobre as quais não me pronuncio, até porque não li o livro da Raquel Varela. É revelador sim pela forma como JMF argumenta. Segundo JMF os historiadores dividem-se entre os que podem ser apresentados como historiadores (porque não são activistas políticos) e os que devem ser apresentados como historiadores e activistas políticos (simultaneidade que lhes retiraria lucidez científica). Isto é, para JMF a historiografia dividir-se-á entre a historiografia científica dos primeiros e a historiografia utópica dos segundos. Eu não sei se o JMF já pensou nas consequências desta brilhante tese. Ela implicaria, por exemplo, que dois dos principais historiadores portugueses, Fernando Rosas e Rui Ramos, fossem atirados para o caixote de lixo da historiografia não-cientítica, uma vez que são simultaneamente historiadores e activistas políticos. Ou que sucedesse o mesmo a Vasco Pulido Valente e a José Pacheco Pereira. A menos, é claro, que o problema de José Manuel Fernandes seja apenas com historiadores activistas políticos de esquerda e não historiadores activistas políticos em geral. Não será certamente esse o caso.


De qualquer dos modos, serve este meu post para fazer o seguinte registo: se um dia reactivarem a Academia das Ciências da URSS, os camaradas saberão que em Portugal poderão contar, para correspondente emérito, com o nosso JMF, zeloso defensor da verdadeira consciência da história contra a porca da ideologia. Isso ou então o facto do problema dos ex-marxistas ortodoxos não ser tanto terem deixado de ser marxistas mas sim insistirem em continuar a ser ortodoxos.

1 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Bem esgalhado, camarada Zé Neves.
Talvez não faça mal acrescentar somente que na historiografia da segunda metade do século XX - para nos ficarmos por ela, porque o mesmo valeria para a da primeira metade, bem como para obras seminais do século XIX, sem dúvida - não faltam os exemplos, não só de historiadores importantes que assumiram posições políticas bem definidas, mas, mais ainda, de historiadores que fizeram da assunção explícita das suas posições políticas (que não da sua neutralização) o ponto de partida e o manancial de hipóteses dos seus trabalhos pioneiros. É o caso, por exemplo, de E. P. Thompson, que revoluciona a história social, ao mesmo tempo que suscita questões fundamentais e, digamos, meta-marxistas no pensamento político contemporâneo. Mas é também o caso de um historiador liberal como Trevor-Roper em ensaios como os que dedicou à caça às bruxas que marcou o refluxo da abertura renascentista ou, em polémica com o determinismo mais ou menos "marxista", à Grevolução inglesa, pondo em relevo a indeterminação fundamental e a criação de novas determinações que a acção política introduz nas suas próprias condições.
Em suma, são sempre os problemas que se põem na polis presente, que se discutem nas suas ágoras, a fonte inicial de que a interrogação histórica parte - como é óbvio, de resto, não podemos pôr problemas que não tenham sentido nos problemas do que somos e fazemos. O que não quer dizer que os do passado tenham sido os mesmos nem que os nossos fiquem intactos depois do reconhecimento do que faz com que os do passado sejam diferentes.

Desculpa lá se prolonguei demasiado esta simples achega.

Abraço para ti

miguel (sp)