06/06/11

BE: Dos resultados eleitorais à encruzilhada decisiva

O Daniel Oliveira, do ponto de vista da análise eleitoral, tem decerto razão: se o Bloco quer ser cópia do PCP, não só existe o original (que resulta para o seu próprio eleitorado), como, assim, o BE se afasta da sua base de apoio natural. O ziguezague na sua estratégia e a irresponsabilidade de algumas opções recentes foram punidas pelos eleitores. Espera-se reflexão séria e responsabilização dos dirigentes.

Mas o que esta análise perde de vista é, em primeiro lugar, que, no interior do BE, provavelmente, e, com toda a certeza, na área mais vasta a que se dirige e que o potencia, há [uma divisão fundamental, entre os] que, se não o pensam até ao fim, agem pelo menos como se o problema fosse termos um melhor governo e os que apostam — implicando isso, como indico adiante uma extensão urgente da acção à escala da UE, etc.. — numa orientação, a assumir desde já, ainda que a sua plena concretização possa parecer remota, a exigência de outra forma de governo, de poder político, de funcionamento económico, que ponha na ordem do dia uma mudança de regime, a ruptura ou "reforma revolucionária" (chamem-lhe como quiserem, contanto que a terminologia não sirva só para aumentar a confusão) de uma democratzação consequente, insituinte de novas relações de poder. Em segundo lugar, este tipo de análise perde também, e necessariamentem de vista que a política de querer ser "cópia do PCP" só pode conduzir a uma derrota bem mais grave do que o desaire eleitoral de ontem (5 de Junho de 2011).

Com efeito: Apesar de não ter tido de fazer grande coisa por isso e sem ter feito o que poderia ter tentado fazer para animar um processo de democratização efectiva como resposta à ofensiva oligárquica que tem rentabilizado e extraído toda a espécie de benefícios políticos da "crise"; apesar da eleitoralização e parlamentarização excessivas e da distorção do seu funcionamento e do seu relacionamento com os cidadãos pela adopção tácita por parte dos seus porta-vozes de normas hierárquicas de divisão do trabalho político homólogas da economia política dominante; apesar de tudo isso e muito mais ainda, a verdade é que o BE continua a polarizar em boa medida as aspirações de muitos dos que, animados da vontade de lutar contra o regime político-económico dominante, não aceitam ver recuperada essa luta por forças que continuam a propor como alternativa e a organizar a sua intervenção política baseando-se em modelos que historicamente se revelaram tão expropriadores e opressivos como as piores variantes da ordem estabelecida que se propunham substituir.

Assim, não é apenas nem principalmente e vista de melhores resultados eleitorais, que a reflexão se torna necessária. Trata-se de saber, de facto, se, apesar de tudo e pelas razões acima resumidas, o BE poderá contribuir para potenciar a acção realmente democrática dos que (…), "animados da vontade de lutar contra o regime político-económico dominante, não aceitam ver recuperada essa luta por forças que continuam a propor como alternativa e a organizar a sua intervenção política baseando-se em modelos que historicamente se revelaram tão expropriadores e opressivos como as piores variantes da ordem estabelecida que se propunham substituir". A "separação das águas" teria, pois, sido, não só indispensável em termos eleitorais — o BE perdeu fundamentalmente para a abstenção, sendo visível que a sua descida não se traduziu numa subida proporcional dos votos na CDU —,  mas, sobretudo, para tornar possível a afirmação de alternativas que ponham uma efectiva democratização das relações de poder na ordem do dia. E, como é evidente, esta democratização passa, em termos de pensamento e acção, em termos de concepções e de formas de organização,  pela crítica — mantida, reiterada e desenvolvida até mesmo durante a participação em actos eleitorais como o transacto — do sistema representativo e da sua divisão do trabalho político.

Concluo, retomando a ideia de um post que aqui deixei nos princípios de Abril: Qualquer "unidade" que se faça ao preço de importar para o BE — ou de reforçar a sua presença já demasiado sensível nele - os traços de agressividade e de desconfiança no terreno, de absurdo controleirismo, de anti-europeísmo, de subordinação a modelos totalitários e a estratégias do pensamento único que, década após década, e até com algum agravamento nos anos mais recentes, têm dominado o PCP, qualquer unidade desse tipo se traduzirá numa plataforma redutora que, em vez de contribuir para a transformação radical ou superação do tipo de organização hoje dominante no campo dito da "esquerda da esquerda", só poderá limitar e comprometer as condições de emergência de movimentos de democratização alternativa, capazes de oporem à oligarquia novas formas de autogoverno democrático da sociedade — ou, por outras palavras, só poderá limitar e comprometer uma transformação radical capaz de levar a explicitação da vontade democrática que anima a melhor parte da área do BE a tornar este último, em vez de um obstáculo, ingrediente e parte activa desse movimento alternativo. 

4 comentários:

Zé Neves disse...

assinaria por baixo.
abç

Anónimo disse...

eu também.

nelson anjos

Miguel Serras Pereira disse...

Bom, camaradas Zé e Nelson, malha a malha se tece a rede de uma nova Conjura dos Iguais: não uma direcção, vanguarda ou partido representante dos trabalhadores e/ou cidadãos, mas uma rede ou liga ou associação de participantes como os outros, que têm em comum certas concepções, propostas, linhas de acção.

Abraço

msp

Alexandre Abreu disse...

Boa análise.
Ainda assim, parece-me que o Bloco terá perdido sobretudo para o PS e não para a abstenção. Perdeu sobretudo o eleitorado que flutua entre o Bloco e a adesão mais ou menos crítica e de esquerda ao PS - e que desta vez afluiu (erradamente) ao PS por receio (correcto) de que o que aí vem seja ainda pior. Aí talvez seja necessário reconhecer falhas próprias em termos de indefinição na escolha do adversário prioritário (além das presidenciais), pois teria sido preferível canalizar o cansaço anti-Sócrates que advem da pouco sofisticada mas inquestionavelmente existente personalização da política para a grande maioria das pessoas. Seria radicalmente diferente, para além de imensamente preferível, uma situação em tudo idêntica a esta mas com mais e menos 5% para o BE e o PS, respectivamente. Mas isso nao aconteceu, o que entre outras coisas também ilustra como o eleitorado do BE é mais volátil do que o do PCP, requerindo muito mais trabalho acumulado de implantação a todos os níveis. De qualquer forma, a enormidade da tarefa que está pela frente pode ser medida pela vastíssima faixa de eleitores que genuinamente depositam no PSD as suas esperanças de melhoria da sua situação actual - o que a meu ver diz tudo.
Abraços,
Alexandre