13/10/10

Alfredo Margarido

Morreu Alfredo Margarido. Alguém, um dia, talvez mais cedo do que mais tarde, haverá de saber colocar nas nossas mãos muitos dos seus textos, que se encontram dispersos um pouco por todo o lado. Conheci-o ao ler os Cadernos de Circunstância. Depois li mais alguns dos seus textos. De um texto seminal sobre o neo-realismo, dos anos 80, creio, às legendas de sua autoria que acompanharam as fotografias de um dos volumes da História da Expansão Portuguesa. Conheci-o de carne e osso há uns anos, quando o convidámos para uma conferência no ISCTE, integrada num ciclo sobre marxistas, cabendo-lhe falar sobre Amílcar Cabral. Terminou a conferência (que tenho transcrita, algures neste computador de onde vos escrevo) dizendo que tinha pena que Cabral tivesse morrido antes de ter sido capaz de fazer suicidar a pequena-burguesia. Depois disso falei com ele pelo telefone, mais três ou quatro vezes, quer sobre a minha tese de doutoramento, quer sobre a história do futebol. Margarido dissertava sobre os fotógrafos de futebol ou sobre os jogos da bola nas prisões, com entusiasmo e sabedoria. Depois dos telefonemas, por mais do que uma vez, abri um documento no computador para registar as inúmeras pistas que nos deixava. Fica aqui um link para um dos seus últimos textos publicados. Ignorem a revisão, que ficou por fazer, e sigam as pistas deixadas pelo tradutor de Moby Dick e historiador e antropólogo do colonialismo, entre muitas outras coisas.

26 comentários:

Niet disse...

O bom do Alfredo Margarido era uma personalidade cativante,atenta,simples e muito corajosa.Travou imensas polémicas políticas e culturais em Portugal, França, Brasil, etc,sobre os mais variados temas. Foi um intelectual combatente que,nos Cadernos de Circunstância, apoiou e solidificou o combate contra a burocracia contra-revolucionária dos " ortodoxos " marxistas-leninistas lusos.E que depois do 25 Abril se revelou e cimentou pelas traduções de Mário Tronti, Denis Authier, entre muitos outras que os " Cdernos " tinham antecipado com grande lucidez e radicalismo. " Haverá quem justifique a prática de colaboração de classe para a qual a oposição portuguesa(PC à cabeça)pretende empurrar a classe operária e todos os que lutam contra a aplicação do plano capitalista, argumentando com a inevitabilidade de certas etapas. A nossa resposta é dupla: primeiro, inevitável ou não, a prática é de colaboração de classes, e aqueles que a prosseguem assumem portanto a respnsabilidade concreta da reprodução alargada das condições de exploração ",C. Circunstância, Janeiro 1970. Niet

Zé Neves disse...

niet, essa citação vale ouro, de facto.

outra coisa: acho que o margarido nunca traduziu tronti. ou sim?

abç

Niet disse...

Meu caro Z.Neves: Acho que devemos "usar " as citações. Umas vezes na hora certa, no momento exacto. Dando força e empenho ao nosso querer, ao nosso protesto. E desvendam sortilégios e novos ângulos de visão. Fugindo ao " cretinismo " demagógico e solipsista ", claro. O Margarido, o Villaverde Cabral, o Fernando Medeiros,o Mário Barroso, o Jorge Valadas( este não tive o prazer de o conhecer)sempre gostaram muito dos italiano(a)s, tipo Tronti. Havia no final dos anos 60 muitos em Paris, a doutorarem-se...Acho que não foi ele que traduziu o Tronti, que eu tinha na tradução lusa. Os C.Circunstância ainda " consegui " salvar e expatria-los... Salut! Niet

Anónimo disse...

José Neves acha que a citação de Margarido feita por Niet vale ouro, o que, admito, pode ser escrito com diversos sentidos.

Eu, por mim, acho que vale pechisbeque, como tantas outras dos Cadernos de Circunstância que demonstram quão erróneas foram a maior parte das concepções então difundidas por aquela publicação.

Quando e se tiver tempo, hei-de ao «Radicalismo Pequeno-Burguês ....» de Álvaro Cunhal copiar umas «pérolas» desses grupos ( o Marcelo queria uma democracia parlamentar, a PIDE já não reprmia, queria sobretudo inibir as consciências, etc e tal).

Esclareço que eu só estou a escrever isto por causa da citação de Niet e que nunca o faria unilateralmente a propósito da mortee Alfredo Margarido com quem aliás tenho uma certa dívida de gratidão.

É que foi graças aos artigos que ele publicou na Seara Novana década de 60 (parece que estou a ver, compostos para aí em corpo 6) que quase me tornei um grande entendido na política italiana de então.

Cristina Correia disse...

Ao desfolhar o Jornal Público deparei-me com o desaparecimento de um dos grandes intelectuais portugueses da segunda metade do século XX. Poeta, ficiconista, ensaísta, tradutor, artista plástico, sociólogo, estudioso e divulgador das literaturas africanas de expressão portuguesa, ALFREDO MARGARIDO faleceu esta terça-feira em Lisboa. Longe dos focos mediáticos, a sua morte não tem sido muito noticiada, no entanto, a sua morte significa uma grande perda para a cultura, ensino e investigação portuguesas. Com fortes ligações ao surrealismo introduziu o nouveau roman» em Portugal, traduziu obras marcantes à escala mundial, incluindo o Moby Dick de Melville. Investigador da École des Hautes Études, docente na Sorbonne, teve preponderante influência no meu percurso académico. Na minha consciência fica a pesada carga emocional de nos últimos anos não o ter contactado. Com nostalgia, guardo as cartas que me remetia de Paris com conteúdos programáticos para o curso de Sociologia da UAL. Fica a saudade dos finais de tarde à Sexta-feira. Não eram aulas, eram licões de vida... que muitos poucos souberam apreciar, valorizar e interiorizar. Deixo a minha sincera homenagem a quem já partiu mas que jamais esquecerei. (Cristina Correia)

Zé Neves disse...

Vítor Dias,

Talvez o melhor método seja ir directamente aos "Cadernos de Circunstância". Poderá lá encontrar (mas olhe que não, olhe que não) essa ideia de que a pide não reprimia.

cumps

Niet disse...

Meus caros:Com a dialéctica soberana da prática da " ruse de la Raison", Vitor Dias ataca e absolve os " gurus " dos Cadernos de Circunstância, cujo comité de redacção sinalizei acima, note-se, sem o indicar expressamente na altura. Ora, para tentar ver aonde o " diplomático " V. Dias quer chegar, vou transcrever uma longa citação de um texto do Colectivo dos CC.sobre a deportação de Mário Soares para Timor em 1969. Trata-se de um artigo percutante e muito significativo." (...) Que pensar, por exemplo da deportação do dr. Mário Soares para S. Tomé, acto que tendia objectivamente a prestigiar um elemento judiciosamente escolhido no xadrez oposicionista? A ideia que imediatamente se impôs na altura( e que a evolução recente dos acontecimentos não contradiz, antes pelo contrário), é que a burguesia está a colocar na manga um trunfo para amanhã, uma espécie de saída de emergência...(...) Perante um risco ( que a trombose de Salazar mostrou ser bem real) de luta pelo poder entre as duas facções que partilham o poder (os partidários do imobilismo político e económico e os partidários da liberal-democratização ligados ao capitalismo internacional e à sua estratégia global a longo-prazo). Por isso, " a linha dura " preferiu afastar geograficamente o dr. Mário Soares; mas a " linha mole "saberá utilizar esta deportação espectacular, que não deixa de lembrar a situação daqueles líderes nacionais que passaram directamente da cadeia para o poder e que tem entre nós o precedente histórico de António José de Almeida..Niet.A ascensão de Marcelo Caetano, trazendo na sua esteira o mesmo Vaz Pinto que meses
antes recusara entrar para o último gabinete Salazar, constitui uma primeira vitória indiscutível da linha " liberal " e a libertação do dr. M. Soares não é menos significativa das suas consequências imediatas.(...) Daqui
que a ala " europeia " do capitalismo português não exclua de antemão a possibilidade de recorrer aos bons serviços da social-democracia nacional, que não só está pronta a fornecer-lhe ideias e quadros " inteligentes "( tecnocracia: Miller Guerra, Rogério Martins, Nobre da Costa já tinham sido " fascinados " por M. Caetano...- acrescento eu como exemplo), como puderá ser-lhe de uma preciosa ajuda no caso de as massas populares se tornarem excessivamente ameaçadoras no dia em que o processo dito de democratização se iniciar, com os riscos sempre possíveis de não ser fácil mantê-lo dentro dos limites desejados. Não esqueçamos por último, que, para além de rancores antigos sempre susceptíveis de serem esquecidos,o dr. Mário Soares e o grupo que ele representa são a melhor ponte para sondar as intenções do dr. Álvaro Cunhal e do aparelho do partido ainda chamado Comunista. Não se diz há tantos anos - o que com certeza até é menos verdade do que se julga -que o " partido é a única força organizada da Oposição"?, que ele "representa" a classe operária? Neste caso, não é de pôr de parte a eventualidade de ele também ser convidado a contribuir para a " liberalização " do país e, sobretudo,sobretudo,( é mesmo assim que está escrito!!!)para a integração das massas proletárias e da pequena burguesia mais radical no jogo eleitoral, democrático-burguês, no respeito da Constituição de 1933, da ordem e da chamada legalidade. Foi para isso que serviram os PC italiano e francês( em condições, especialmente em Itália, muito semelhantes às nossas) a partir de 1936 e sobretudo durante a Resistência e depois da guerra ", texto subscrito pelo Colectivo em Nov.1968. Niet

Niet disse...

Adenda: O comentário ultrapassava os 6400 caracteres. Tive de o cortar, portanto. O que eu quero dizer, no entanto, é que os " Cadernos de Circunstância " respiravam os ventos de mudança que a revista fundada pelo Castoriadis/Mothé/Lefort e Lyotard- " Socialisme ou Barbarie " tinham introduzido no panorama ideológico francês. Fazendo face à fortíssima produção editorial do PCF, por um lado, e concorrendo com Les Temps Modernes( Sartre/Gorz), Arguments( Morin/Lapassade/Touraine), principalmente. Por outro lado, ainda hoje em contacto com Paris, tive a confirmação do " ódio " que os " gauchistes " Margarido,Villaverde, Medeiros e sua equipe inspiravam na " numenclatura " exilada do PCP. Niet

Anónimo disse...

Admito que a ideia da Pide que já não reprimia possa não ser dos Cadernos de Circunstância mas de um outro grupo similar.

O que, para mim, é certo e que 90% das citações aqui feitas dos Cadernos só documentam uma análise errada da natureza do fascismo português e do consulado marcelista e das reais posições do PCP na época.

Como aliás, em grande medida o curso da história portuguesa acabou por mostrar.

E, pronto, até deixo em paz parte aqueles, não todos, que em pleno fascismo só queriam socialismo e que, depois, quando esse horizonte de vislumbrou já não o queriam nem pouco mais ou menos.

Anónimo disse...

Admito que a ideia da Pide que já não reprimia possa não ser dos Cadernos de Circunstância mas de um outro grupo similar.

O que, para mim, é certo e que 90% das citações aqui feitas dos Cadernos só documentam uma análise errada da natureza do fascismo português e do consulado marcelista e das reais posições do PCP na época.

Como aliás, em grande medida o curso da história portuguesa acabou por mostrar.

E, pronto, até deixo em paz parte aqueles, não todos, que em pleno fascismo só queriam socialismo e que, depois, quando esse horizonte de vislumbrou já não o queriam nem pouco mais ou menos.

Miguel Cardina disse...

O meu primeiro contacto com o nome de Alfredo Margarido foi através de uma tradução e prefácio (julgo) a um livro que tinha lido detalhadamente pouco antes e que não sabia existir em português: a Teoria do Romance, do Lukács. E ultimamente lia-o na Latitudes.

Quanto ao que diz Vitor Dias, acho estranho que convoque um dos textos mais infelizes de Cunhal, com um sentido geral que raia a desonestinidade intelectual.

Ricardo Noronha disse...

Na verdade Vítor, uma leitura em primeira mão da antologia dos cadernos só lhe faria bem, a si e aos seus.
A formulação é mais qualquer coisa como «A polícia política procura actuar como uma polícia democrática». E o ponto aqui é que a repressão não acaba apenas por haver formas de legitimação através do voto. A política democrática também pode ser bastante repressiva. Como se vê aliás, nos dias que correm.

Anónimo disse...

Para Miguel Cardina:

Opiniões. Para mim o «Radicalismo...» para alé da bem fundamentada argumentação de desmontagem das principais teses e concepções esquerdistas da época, tem a enorme vantagem e utilidade de sintetizar análises cruciais e capitais de cunhal e do PCP sobre as especificidades do desenvolvimento do capitalismo em Portugal e sobre a natureza da ditadura fascista.

Mas é natural que seja um livro que doa a muita gente. Estão lá expostas teses, concepções e afirmações esquerdistas que, lidas hoje, só podem dar vontade de rir e de ter dó intelectual e político de quem as formulou.

Niet disse...

A repressão em Portugal no tempo de Marcelo Caetano analisada pelos Cadernos de Circunstância. Está inserida no último texto colectivo " Luta de Classes em Portugal", e data de Janeiro de 1970. A análise muito " esquerdizante ",marcusiana e libertária, tem três lances interligados.I). O primeiro aponta: "É assim claro que,hoje, em Portugal, qualquer discurso sindicalista, ou sindicalizante, não só não é contraditório com os objectivos a médio-prazo do regime, como constitui uma contribuição activa para a realização desses objectivos. Portanto inscreve-se já como um discurso castrativo da libertação da iniciativa autónoma da classe operária, como um obstáculo mais à auto-organização dos trabalhadores na sua luta contra o Capital, pela destruição do Capital."II). E avança na questão da política repressiva: " É neste quadro - e não no âmbito de um discurso senil sobre as liberdades públicas -que deve ser evocada, de passagem a questão da repressão. Não vale a pena eternizar o debate sobre a policia política e a sua mudança de nome.Esta mudança de nome cobre, indiscutivelmente, uma tentativa governamental para limitar a relativa autonomia de que gozava a PIDE, no quadro aliàs de uma reforma administrativa geral. Se o Caetano o consegue ou não, é outra questão. (...) A polícia continua a existir, como em todos os países( capitalistas são-nos todos), mas já não se trata tanto de polícia politica no sentido tradicional; trata-se sim de " forças da ordem " .III) Sobre a " libertação progressiva dos presos políticos, e nomeadamente de funcionários do PCP", o texto afirma preto-no-branco: " O que o governo implicitamente visa ao libertar estes militantes é permitir-lhes contribuir para pôr de pé um forte partido comunista capaz de se implantar nas " massas " e de se tornar um interlocutor válido( no género daqueles de que fala a Câmara Corporativa), na medida em que for capaz de assegurar um controle eficaz sobre o movimento operário e sobre a " juventude anarquizante ". Niet

Anónimo disse...

Pois, pois, fartámo-nos de ver na pele e na carne que já não se tratava de «tanto de polícia politica no sentido tradicional».

Pois, pois, a libertação de presos políticos do PCP, depois de cumpridas longas penas, tirando os que continuaram «dentro» até ao 25de Abril, era para fortalecer o PCP a bem dos sonhos e anseios da ditadura.

Ora, tenham santa paciência, conversa acabada sobre a lucidez e acerto político dos «Cadernos de Circunstância».

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Esta discussão parece-me assaz bizarra. Por um lado, as concepções políticas veiculadas pelos Cadernos de Circunstância, do ponto de vista da ideologia marxista-leninista, porque é a esse quadro ideológico que o PCP afirma ser fiel e é nessa base que as críticas que lhe são dirigidas têm de se referir, são uma miséria franciscana. E são-no quer no que respeita ao desenvolvimento do capitalismo português dirigido pelo regime fascista, quer no que respeita às funções da polícia política, quer ainda no que respeita ao que o marcelismo representava para a reforma do regime, porque baseadas em supostas intenções do Marcelo, nunca confirmadas, ou para o papel que aquele reservaria para o PCP, neste caso, graves, porque, no mínimo, caluniosas.

Naqueles aspectos, as análises do Cunhal eram correctas no essencial e ilustravam bem a diferença de formação política entre ele e os críticos. Aliás, foi a fragilidade das críticas com que se foi vendo confrontado a partir dos anos sessenta que permitiu ao Cunhal, um político pequeno-burguês radical de esquerda, passar incólume na direcção do partido, consolidar o seu domínio e ter sido admirado como grande ideólogo. Por essa razão, foram as posições dos Cadernos de Circunstância, da EDE e doutros críticos dispersos, e não as posições do Chico Martins, por exemplo, que precisamente pelo seu notório esquerdismo constituíam as mais perigosas para a unidade do partido, que o Cunhal tomou para alvo nesse seu escrito. Para o Cunhal, criticar os Cadernos de Circunstância era como bater no ceguinho.

As posições políticas do Cunhal sempre estiveram longe do marxismo-leninismo, desde o tempo da reorganização de 1941, e não apenas desde que retomou o controlo do partido após a fuga de Peniche e a nomeação para secretário-geral. A política da “coexistência pacífica” da URSS, e a linha da “transição pacífica” do capitalismo para o socialismo, em que se traduziu no movimento comunista internacional, consolidando a anterior linha oportunista da “revolução democrático-popular” do VII Congresso da IC e transformando-a na linha da “revolução anti-monopolista e anti-imperialista”, que ficou marcando o descarado revisionismo moderno do marxismo-leninismo, apenas conferiu base teórica às concepções políticas do Cunhal, que até aí lhe faltara (basta recordar que nos anos quarenta, enquanto caracterizava o país dominado pelo capital monopolista, ele definia a revolução portuguesa como sendo a primeira fase da revolução democrático-burguesa, ao arrepio de qualquer relação com o marxismo-leninismo).

O Cunhal pode ser considerado, justamente, o melhor teórico que a pequena-burguesia radical já teve. Toda a sua obra política assenta na crítica dos malefícios do capital monopolista para a pequena-burguesia e para fracções da média burguesia. Em nenhuma das suas análises, a concentração monopolista promovida pelo fascismo constitui factor suficiente para colocar a revolução portuguesa na etapa socialista, independentemente das dificuldades que a luta política por objectivos socialistas pudesse acarretar, nomeadamente, devido ao fraco nível tecnológico do capitalismo português e à reduzida concentração operária que provocava, apesar da concentração monopolista, e da generalização das relações de produção capitalistas, inclusivamente no campo, pelo predomínio da utilização da mão-de-obra barata em relação à tecnologia.
(continua)

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

(continuação)

Foram estas concepções que transformaram o PCP num partido pequeno-burguês para operários e em muleta da burguesia liberal para o derrube do fascismo. Pode-se dizer que o PCP foi, de facto, o partido burguês mais consequente na luta anti-fascista. Daí também, em parte, a simpatia que gozou entre franjas da burguesia e da pequena-burguesia, patente na composição social dos militantes e da vasta rede de amigos e de apoiantes que foi granjeando ao longo da sua história após a reorganização. É claro, tendo deixado de ser um partido comunista, nunca lutou pela revolução socialista proletária. A sua linha não passa dum protesto contínuo contra os desmandos da burguesia e a exploração desenfreada dos trabalhadores, e o comunismo não constitui mais do que uma longínqua aspiração, cada vez mais longe. Basta atentar que até a referência à revolução socialista se foi. Daí também as contradições entre as ilusões de muitos militantes operários e o cinismo dos dirigentes.

Mas, volto a repetir, comparar as posições estruturadas do Cunhal com o ecletismo e a fragilidade teórica dos críticos é um exercício desanimador, porque os críticos ainda percebiam do marxismo-leninismo menos do que o Cunhal. Por essa razão, nem a utilização abusiva e sem pudor que o Cunhal fazia nesse seu texto de citações do Lenine para defender posições em oposição ao leninismo foi assinalada pelos críticos. E usar o Lenine, o teórico da passagem rápida da revolução democrático.burguesa à revolução socialista proletária na época do imperialismo, para justificar uma etapa intermédia entre a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista, precisamente a “revolução anti-monopolista e anti-imperialista”, na designação cunhalista a “revolução democrática e nacional”, devido à existência do imperialismo, convenhamos que é de um grande descaramento.

Infelizmente, foi este o panorama teórico da intelectualidade revolucionária portuguesa. Tanto do Cunhal, como dos seus críticos. Por isso, esta série de comentários não deixou de me fazer sorrir. Nem hoje, quando os factos podem ser analisados em retrospectiva histórica e por isso podem ser melhor compreendidos do que o foram pelos protagonistas, me parece que os analistas estejam à altura. Nem para julgar o Cunhal nem para julgar os seus críticos. E não falo por qualquer pretensão de dominar o assunto, porque até nem sei onde pararão os textos em referência e faz tempo que os li, mas pelo que recordo duma análise ligeira dos textos e das posições de cada um que em tempos me pareceram claras. O que só confirma que apesar das suas posições políticas pequeno-burguesas, o Cunhal estava a léguas dos críticos quanto a capacidades intelectuais e de análise. O seu problema é que nunca traduzia as análises em termos dos interesses do proletariado. Tal como ainda hoje acontece com o PCP.

Niet disse...

Oh, JMC, cuidado com as " facilidades "e outros tiques cripto-reformistas patentes e envolventes no seu comentário. Afinal em que é que ficamos: cita quais análises dos Cadernos de Circunstância, que tinha na sua redacção dois economistas e dois historiadores de grande calibre?Ao longo dos 3/4 números publicados de 1967 a 70, é possível analizar o imenso trabalho de revisão teórica empreendido: defendem Rosa Luxembourg contra o Lénine do auge da Revolução Russa, citam abundantemente Gorz, Tronti, Authier. Também sei que havia contactos entre Margarido e " socialisme ou Barbarie, por causa da relação de amizade e confiança política que se estabeleceu entre Pierre Vidal Naquet e o célebre intelectual luso agora desaparecido.Como é evidente, o colectivo dos Cadernos elabora um discurso de grande impacto revolucionário e socorre-se do leque mais abrangente das análises de qualidade política que circulavam. Um texto lapidar é o que cita um fabuloso texto do constitucionista Duverger, que antecipa em muito, a dois meses do início de Maio 68, a política de colaboração/contenção de classes do PCF. " O equívoco é primeiramente provocado pelos Partidos Comunistas europeus, que desempenham um papel integracionista. Maurice Duverger, num artigo recente no " Monde "(17 e 18 de Março de 1968) fez notar que os partidos comunistas italianos e francês exercem três funções:a) defesa das categorias sociais desfavorecidas; b) aguilhão e impulsão;c) uma função muito menos conhecida mas de uma importância igual: a função de integração. Em vez de manter um " dissensus " nas sociedades francesa e italiana, como se acreditou durante muito tempo, os partidos comunistas favoreceram o regresso a um acordo. Duverger termina afirmando que " o comunismo ocidental está mais profundamente empenhado do que se acredita ordinariamente num processo de integração na democracia política ". Mas como, simultâneamente, tal comunismo não renegou inteiramente os seus objectivos revolucionários,vive ele dilacerado entre a sua ideologia tradicional e os seus comportamentos concretos ". Niet

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Niet.

Não cito qualquer passagem dos Cadernos de Circunstância nem do Esquerdismo, está bem de ver. A minha apreciação advém de leituras antigas desses textos; e sobre o que está em disputa não advém de qualquer tique cripto-reformista; poderá sofrer de qualquer deformação involuntária, proveniente da argumentação se basear em memórias e não em leituras recentes. Mas não tenho à mão os textos para que pudesse passar-lhes uma nova vista de olhos.

Hoje, enquanto anti-comunista, poderei ser cripto-reformista, mas nos anos setenta não o era. Esta minha condição actual, contudo, não me impede de considerar o comunismo marxista-leninista, e até a sua variante estalinista, como a mais próxima da ortodoxia marxista, muito mais do que as diversas outras versões do comunismo, do luxemburguismo ao conselhismo, e outras que tais, e muito mais realista, porque existiu, do que o lírico anti-marxista anarco-comunismo.

Por muitas voltas que se dêem, não existe outro comunismo para criticar para além daquele que existiu e que se reclamou do marxismo e do leninismo. Nenhuma outra versão de comunismo passou ainda de lírica utopia, e as utopias pouco mais são do que poesia. A matriz do comunismo que existiu, por muitos desvios e perversões, é o marxismo e o leninismo. Para encontrar as razões da falência do comunismo, mais do que a análise dos desvios e perversões interessa considerar os erros da sua matriz ideológica. Não me parece que seja o que fazem os comunistas não marxistas ou os comunistas marxistas não leninistas.

Criticar o PCP e o Cunhal pelo seu abandono do marxismo-leninismo também não envolve o reconhecimento de qualquer validade do marxismo-leninismo. Reflecte, tão só, o reconhecimento da hipocrisia e do embuste que constitui o uso pelo PCP da designação de partido comunista marxista-leninista. O PCP poderia ser um verdadeiro partido comunista marxista-leninista e eu criticá-lo-ia com base no logro que essa ideologia constitui, atribuindo ao proletariado o papel de redentor dos pecados da Humanidade, e na sua falácia de identificar o comunismo, sob a forma de capitalismo de Estado monopolista, com qualquer modo de produção distinto do salariato capitalista. Assim como continuando um partido pequeno-burguês reformista radical a minha crítica à sua linha política é feita noutros moldes, por outras razões e com outros objectivos, nomeadamente, pela inconsequência da sua linha protestativa, que não defende convenientemente os interesses imediatos dos trabalhadores assalariados, precisamente pela sua matriz ideológica e característica de classe de partido pequeno-burguês reformista radical.

Mas criticar o partido também não envolve o reconhecimento de qualquer bondade às críticas que lhe foram sendo feitas, nomeadamente, no tempo do fascismo. As críticas, em geral, baseavam-se em análises erradas da sociedade portuguesa e da sua evolução, da caracterização do fascismo salazarista e da função que desempenhava no desenvolvimento e no fortalecimento do capital monopolista, e do que o marcelismo representava como continuidade do regime, procurando atenuar algumas das suas características mais arcaicas, sem que fosse a expressão da burguesia liberal na sua nova vertente tecnocrática e modernizadora (como se confirmou). Salvo as críticas do Chico Martins, e até estas insuficientes, porque restritas ao abandono da luta armada para o derrube do fascismo e sem uma visão clara das tarefas do partido para levar a cabo a revolução socialista proletária, caracterizando-se por um esquerdismo guerrilheirista aventureiro, as restantes críticas ao PCP e às posições do Cunhal não valiam um chavo.

(continua)

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

(continuação)

Por alguma razão o Cunhal conseguiu moldar e dirigir o PCP segundo as suas concepções de político pequeno-burguês radical de esquerda. A fraca formação ideológica e política dos militantes e dos quadros e a ausência de democracia no funcionamento do partido na clandestinidade, em que o centralismo se sobrepunha ao resto, não explicam suficientemente essa realidade. Também fora do partido grassava a mesma fraca formação ideológica e política, quer entre quem se afirmava marxista-leninista, quer entre os que se orientavam por outras variantes não leninistas do marxismo, neste caso caracterizadas por um vanguardismo heterodoxo e eclético. Para além do caso, mais caricato, dessa gente, mais uma vez, à excepção do Chico Martins e, depois, de outros poucos dissidentes, nem pretender constituir um partido revolucionário, ou, como foi o caso de alguns, nem se integrar numa frente anti-fascista, como era a FPLN, e de não passar de intelectual dedicado a exercícios de estilo na análise política. Com eles, o fascismo não cairia nem para restabelecer a democracia burguesa, que era o objectivo estratégico do PCP, quanto mais para implantar o socialismo.

E defender que a burguesia portuguesa, no tempo do fascismo, reservava um papel específico ao PCP, pela sua integração no sistema, na contenção das massas trabalhadoras, era assaz caricato, como a vida confirmou. A burguesia nem teve interesse nem capacidade para transformar o regime fascista, que foi derrubado por um golpe militar de origem pequeno-burguesa, quanto mais teria interesse na integração do PCP na vida democrática do país. O regime fascista era tosco não apenas em relação às formas da modernização e de desenvolvimento do capitalismo português, como também em relação à compreensão das transformações ideológicas e políticas ocorridas no movimento comunista no pós guerra. Nem para a fracção da burguesia liberal anti-fascista, com fraca representatividade social, que tolerou alianças com o PCP isso era seguro, quanto mais para a fracção aliada ao fascismo, e, por todas as razões e mais algumas, isso tinha qualquer consistência no que respeitava à burguesia fascista apoiante do marcelismo.

A integração do PCP na democracia burguesa ocorreu porque enquanto partido pequeno-burguês reformista radical esse era o seu objectivo e porque se aliou à fracção da pequena-burguesia que tomou o poder (a famosa aliança Povo-MFA); esse papel desempenhou-o o PCP pelas suas próprias características e porque a fracção mais moderna da burguesia, que durante a crise política aberta com o golpe de estado militar se aliou à pequena-burguesia e que assim veio a assenhorear-se do poder, compreendeu que os partidos comunistas já não lutavam por qualquer revolução proletária. Apesar das vicissitudes conhecidas provocadas pela grave crise política aberta com a radicalização do movimento operário e popular a seguir ao golpe militar, essa característica do PCP acabou por confirmar-se plenamente. E tanto assim que mesmo depois do seu envolvimento numa tosca tentativa frustada de golpe militar, que daria azo ao contra golpe de 25 de Novembro, o PCP não só não foi ilegalizado como foi mantido no Governo e declarado necessário para a construção da sociedade democrática burguesa.

Niet disse...

Caro JMC: Admiro a sua sinceridade, franqueza e espírito de diálogo. Andamos nisto para nos tentar entender,para avançar " pensando " alto. Respeitando a ideologia( democrática ) de cada um e combatendo, por certo, pretensos ares de " prima dona " ou de soberba pacóvia e inoperante. Eu defendo a lógica política estrutural dos Conselhos Operários como processo de combate ao Capitalismo Energúmeno que nos governa.Estou mais perto de Bakounine do que de Marx; e tenho que reler Lenine,Trotski e Rosa Luxembourg para tentar perceber melhor Castoriadis e Pankoek. Trabalho de Sísifo?!? O JMC defende outras vias: tudo bem! Grato pela análise do perfil ideológico do Álvaro Cunhal, com manifesta larga sedução aos pontos de vista de F. Martins Rodrigues: Salut! Niet

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Niet.

Ao contrário do que lhe possa parecer, não nutro qualquer simpatia pelas ideias do Chico Martins, nem pelos seus projectos políticos nem pela forma como tentou pô-los em prática. Isso não me impede de reconhecer a justeza de algumas das suas críticas à linha do partido e às concepções do Cunhal.

Antes que o post desapareça da montra, gostaria de acrescentar mais uns parágrafos que ficaram aqui retidos porque os comentários anteriores já iam longos. O intuito é procurar contribuir para que estes assuntos sejam discutidos antes de serem objecto da análise dos historiadores.

As teses da denúncia do estalinismo e da coexistência pacífica, saídas do XX Congresso do PCUS, têm certamente muitas causas, a que não devem ser alheias as dificuldades da URSS para recuperar da devastação a que fora sujeita pela guerra e para responder à corrida armamentista nuclear que se estabelecera, obrigando-a a desviar para o orçamento militar recursos vultuosos que faziam falta noutros sectores; a transformação da burocracia dirigente numa categoria social com interesses próprios, reflectidos nas opções ideológicas que dariam origem ao abandono do leninismo no que representava de empenhamento no desencadeamento da revolução socialista noutros países; a ascensão ao poder, nos países ocupados pelo exército vermelho, de frentes ou coligações anti-fascistas, que implantaram os chamados regimes de democracia-popular, como ficaram conhecidos; os recursos que a URSS tinha de disponibilizar para assistência a esses países para subtraí-los à influência do imperialismo americano, que lhes acenava com as ajudas do Plano Marshall; o conflito da Coreia e a crescente agressividade do Partido Comunista da China; etc., etc.

É claro que a concepção da coexistência pacífica, apesar das muitas dificuldades atravessadas pelo comunismo soviético, em contraste com a expansão económica americana possibilitada pela reconstrução europeia, não justificava a adopção das teses da transição pacífica do capitalismo para o socialismo, e a teorização da “revolução anti-monopolista e anti-imperialista” como etapa intermédia entre a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista proletária. Algo mais se passou para que uma eventual necessidade de um recuo táctico se transformasse numa transformação estratégica e programática configurando um abandono do marxismo-leninismo, o chamado revisionismo moderno. Esse algo mais, em meu entender, foi a progressiva transformação dos partidos comunistas, que perdendo a sua anterior condição de partidos operários revolucionários adquiriram a condição de partidos pequeno-burgueses reformistas radicais.

A concepção leninista do partido vanguarda e de que a teoria teria de ser levada de fora aos operários, caucionando uma suposta menoridade intelectual de classe, incapaz de gerar líderes políticos radicais e teóricos que pudessem reflectir acerca da sua condição e da transformação do mundo para além da análise sindicalista, continha o risco da transformação dos partidos comunistas em partidos pequeno-burgueses, o que acabou por confirmar-se. Não sem lutas internas, grandes purgas, abandonos e desilusões, como é conhecido. Outras questões menores, como a prevalência do centralismo sobre a democracia na organização partidária, mesmo na situação do poder conquistado ou na de democracia-burguesa, possibilitando e favorecendo o silenciamento das oposições internas e a perpetuação no poder das fracções conjunturalmente maioritárias, e a própria prática do comunismo (a manutenção do estado burguês e a mistura entre o partido e o estado, e o poder social que as hierarquias partidárias adquiriram sobre a classe, e a sua institucionalização como modelo nos restantes partidos), deram também certamente o seu contributo.

Mas as coisas foram o que foram e como foram e não o que ou como gostaríamos que tivessem sido. E é por terem sido o que foram que colocam a necessidade do questionamento não só do leninismo como do próprio marxismo e da sua profecia classista proletária, que não encontra qualquer fundamento na história.

Niet disse...

Caro JMC: Registo com agrado a sua crítica da burocracia política na ex-UR"SS", que não era Soviética nem Socialista, como bem o definiu Castoriadis. E exorto-o a ler os grandes textos de Castoriadis, por exemplo, no volume de entrevistas gerais- " A sociedade à Deriva"- que está traduzido em português pelo MS Pereira. Depois há outros volumes- publicados há 20 anos na Edit. Afrontamento- justamente sobre a Sociedade Burocrática, As relações de Produção na URSS. Depois, como verá, vai ler todos os outros. Salut!. Niet

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Niet.

As leituras que recomenda já foram feitas no prazo e não me pareceram que acrescentassem algo de inovador. Os factos que apontei, e muitos outros se poderia acrescentar, permitem compreender a transformação dos partidos comunistas em partidos pequeno-burgueses reformistas radicais, desde os que estavam no poder aos que existiam nas sociedades capitalistas ocidentais. Mas não foi pelo poder ser exercido pela pequena-burguesia, nas suas fracções de burocracia partidária, estatal e empresarial, que o comunismo entrou em bancarrota por todo o lado. A transformação dos partidos comunistas explica o abandono da luta pela revolução socialista proletária nos países de capitalismo privado, não a falência dos regimes comunistas.

Existem grandes confusões nas análises do fracasso do comunismo. Uma dessas confusões, cometida em geral pelos adeptos comunistas, é que o comunismo que existiu teria ruído por erros e desvios cometidos em relação a um pretenso modelo teórico, por eles imaginado, que em seu entender teria a capacidade de realizar a profecia marxista; o facto é que foram esses pretensos erros e desvios que permitiram implantar o comunismo, pelo que não terão sido eles que provocaram a sua ruína. Outra, ainda mais absurda, cometida em geral pelos teóricos da “sociedade burocrática”, é a classificação do comunismo que existiu como tendo sido um falso comunismo, como se houvesse uma receita completa para o comunismo marxista ou, ainda pior, para o comunismo anarquista que alguns deles professam. Ora, isto de se pretender julgar a realidade pela teoria é um idealismo pegado. O “se” é uma falácia infantil, porque o que não existiu não é passível de análise.

O que conduziu o comunismo à bancarrota, para além dos problemas sempre colocados por boicotes e limitações às trocas comerciais (que no caso terão de ser menosprezados, pela vastidão territorial e populacional e pela diversidade dos países que integravam o sistema, que se complementavam em muitas produções), foram os seus próprios pressupostos teóricos e não os supostos erros e desvios das práticas. Inclusivamente, o facto de ter sido levado à prática em sociedades atrasadas no desenvolvimento económico, não previsto no marxismo, acabou por ser teorizado pelo leninismo e incorporado no modelo. As práticas, com todos os seus condicionalismos, foram a forma como a teoria pôde ser tornada realidade; as ideias puras dos mais abalizados teóricos não passam de imaginações, de sonhos ou de conjecturas. E ou bem que a prática confirma a teoria ou esta terá de ser jogada para o caixote do lixo.

Devido ao fraco nível do desenvolvimento económico da Rússia, à guerra civil e ao bloqueio, mesmo com elevadas taxas de exploração que permitiram taxas de crescimento económico e de acumulação assinaláveis, sem o afluxo de capitais vultuosos e de tecnologias modernas, e com as limitações conhecidas ao comércio internacional, a modernização produtiva não ocorreu ao ritmo necessário; e, depois, com a devastação provocada pela guerra de agressão nazi-fascista, com uma parte da produção da reconstrução a ser assegurada por tecnologias de antes da guerra, obtidas como compensações, e com recurso à mão-de-obra intensiva, cuja baixa produtividade já não permitia obter taxas de acumulação tão elevadas, para além da parte substancial consumida pelo orçamento militar em expansão, não havia como alcançar níveis de crescimento económico e padrões de consumo comparáveis aos das sociedades de capitalismo privado de nível mediano de desenvolvimento.

(continua)

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

(continuação)

Sem concorrência interna e externa que forçasse o aumento da produtividade, sem capitais vultuosos afluindo de toda a parte que permitissem a renovação tecnológica, sem possibilidade de acesso comercial à tecnologia mais moderna, sem troca desigual vantajosa com mercados externos, só aumentando ainda mais as elevadas taxas de exploração dos trabalhadores seria possível ao comunismo manter-se por mais uns anos. Pelas características do modelo e pela luta política que caracterizou a guerra-fria, que acentuou as dificuldades, a bancarrota era inevitável. A coexistência pacífica foi uma tentativa de desanuviamento para aumentar as trocas comerciais com o exterior e de ganhar tempo para a recuperação, mas mesmo que isso tivesse resultado não eliminaria as restantes condicionantes e só prolongaria um pouco mais o prazo de validade. O que determinou a bancarrota do comunismo, antes de mais, foram as causas económicas (fraco ritmo de desenvolvimento das forças produtivas, baixa produtividade do trabalho e baixo nível de trocas desiguais vantajosas com o exterior ou mesmo trocas desvantajosas) e não a classe que se apropriou dos proventos da exploração (que como se viu não criou ricos proprietários, mas apenas fruidores de pequenos privilégios, ainda que para alguns se tenham traduzido também em chorudas poupanças monetárias).

Anónimo disse...

Caro JMC: Coloquei no post do Z.Neves- O anti-imperialismo barbie- a minha resposta ao seu último comentário.Percalços militantes...Niet