07/01/11

O funcionamento, ora aí está

O debate na caixa deste post é interessante, tirando, é claro, as bocas pessoais, incluindo as minhas – mea culpa, mea culpa –, bocas que devem ser levadas na desportiva, de modo a que não nos desviemos do essencial. E o essencial, do meu ponto de vista, é a dificuldade em pensarmos a política fora da forma-partido.

É costume dizer-se, à esquerda do PCP (seja lá o que isto for, dêem-me de barato a geografia da coisa), que o PCP é uma “máquina burocrática”. Ora, o que me surpreende naquele debate é o modo como o Vítor Dias parece assumir com orgulho esse imaginário, atribuindo-se a qualidade daquele que é perito em gerir a máquina, aquele que me ensina como são as coisas e que recorda ao Miguel a complexidade da forma-partido e tudo o mais que nós ignoraremos.

Reparem que o que eu pretendo discutir não é a necessidade ou não de um partido ter funcionários (embora essa discussão também possa ter lugar e a minha posição a esse respeito seja tudo menos categórica) mas de o posto de funcionário tender a ser um posto permanente. Tal permanência cria uma divisão no seio do partido entre quem é quem não é funcionário, que se soma à divisão entre quem é e quem não é dirigente, sendo que entre uma e outra coisa existem problemas que se tocam e não é ao de leve.

E isto é válido para o partido como para outras formas de organização – as tais associações de excursionistas e clubes de bridge, de que o Vítor fala, aliás repetindo os termos snob-obreiristas com que alguns quadros do PCP costumavam falar sobre o BE, o qual, diga-se, hoje já tem um número de funcionários de fazer inveja a muitos (de tal modo que o problema da funcionarização da vida partidária também se coloca aqui…).

Um partido com funcionários – tal como um sindicato com sindicalizados profissionalizados – deverá procurar manter uma certa rotatividade dos seus quadros, para manter uma certa porosidade entre o partido e a sociedade, porosidade, bem sei, que funciona tanto para o mal como para o bem. Mas sem o risco desta porosidade corre-se um risco maior, que é o de pensar que os partidos existem e crescem sobretudo por causa dos funcionários e das suas máquinas burocráticas e não que estas existem por causa do crescimento dos partidos.

Nada disto é uma discussão fácil e nisso concordo com o Vítor Dias. Mas não ter uma solução fácil não quer dizer que não se coloque o problema. Seria demasiado simples colocarmos apenas os problemas para os quais temos soluções fáceis. Não termos as soluções na ponta da língua não quer dizer que elas não existam.

Ou então teremos que começar a baixar a voz quando nos confrontamos com um gestor (da corporação do Vítor Dias, mas situado do outro lado da barricada em que ele e eu nos encontramos) que, perante a nossa insubordinação anticapitalista, se limita a responder que isso de construir um sistema alternativo é tudo muito complexo, que há muito telefonema para fazer e muita carta para enviar e que ele nos ensinará como é que as coisas são. Não é porque os gestores (políticos ou outros) não têm a solução que ela deixa de poder ser ousada.

10 comentários:

Anónimo disse...

A "nossa insubordinação capitalista"? Nossa de quem? Até o leitor mais negligente percebe que as "insubordinações" do Zé Neves não podem ser a do Vítor Dias ou de qualquer outro anti-capitalista ou lutador da esquerda consequente.

A "insubordinação anticapitalista" do Zé Neves é a tal que o leva a apoiar o candidato socialista Defensor de Moura.

Anónimo disse...

Na primeira linha do comentário cite-se, correctamente, "insubordinação anticapitalista". A tal que leva o Zé Neves a apoiar e votar no Defensor de Moura.

Niet disse...

Olá,prof.Z.Neves: O funcionamento de um partido está hoje cada vez mais em contágio- técnico e ideológico- com o imaginário capitalista e as suas manipulações políticas e teóricas. Tudo questões que envolvem um sem número de mediações como afloram nas prevenções que se perfilam no seu texto. De qualquer das formas,o caso dos PC´s tende para uma certa exclusividade no tratamento da relação igualdade/responsabilidade políticas no funcionamento interno, uma vez que, hoje o " movimento operário(partidos,sindicatos) foi integrado na sociedade oficial "(Castoriadis) e o fenómeno de burocratização " privatizou/eliminou quase"- frisa C.C.- a actividade ideológica da classe operária e mesmo de todas as classes sociais..." A exploração na sociedade contemporânea realiza-se cada vez mais sob a forma da desigualdade na hierarquia; e o respeito do valor da hierarquia, apoiado pelas organizações " operárias ", tornou-se no mais decisivo apoio ideológico do sistema. O movimento revolucionário deve organizar uma luta sistemática contra a ideologia da hierarquia sob todas as suas formas, e contra a hierarquia dos salários e dos empregos nas empresas", idem C.C. Salut!Niet

Zé Neves disse...

niet,
de acordo!
mas se me voltar a chamar prof., censuro!
:)
abç

Miguel Serras Pereira disse...

Zé,
subscrevo o que dizes - bem, talvez não, aquilo da barricada… É que, quanto a esta, esqueceste-te - mas o VD ainda to lembrará com a severidade avuncular a que por vezes recorre - que uma barricada e uma insurreição, a tomada do poder ou a construção dos órgãos do governo dos trabalhadores, são assuntos muito complexos, que é preciso tratar com o profissionalismo que só um partido dotado de funcionários permanentes e dirigentes de carreira, especializados nessa função, pode assegurar através do seu estado-maior. Acresce que, vendo bem as coisas, dir-se-ia que tu estás, afinal, interessado no derrubamento de uma barricada, ou divisão do trabalho polítco, que, apesar das suas declarações e/ou intenções subjectivas, íntimas, do foro pessoal, de insubordinação anticapitalista ou coisa que o valha, o VD está apostado em manter e reforçar.

Quanto aos comentários do Anónimo, tendo em conta o que fica dito sobre a complexidade das barricadas, o seu autor que se console organizando uma burricada de apoio a Francisco Lopes - burricada sob a forma de desenho animado e via Internet, claro, para poupar os animais à condução com "mão de ferro" do evento.

msp

Anónimo disse...

In fine, umas observações curtas para este post num blog onde não há um único redactor que se demarque do vómito bilioso do Tunes sobre Francisco Lopes e o Gulag.

Afirma José Neves: « o que me surpreende naquele debate É O MODO COMO VÍTOR DIAS PARECE ASSUMIR COM ORGULHO ESSE IMAGINÁRIO, atribuindo-se a qualidade daquele que é perito em gerir a máquina, aquele que me ensina como são as coisas e que recorda ao Miguel a complexidade da forma-partido e tudo o mais que nós ignoraremos.»

Ora, a este respeito anoto_

- curioso modo de discutir em que José Neves entende por ele que é de burocracia que estamos a falar e vai daí logo escreve que eu pareço assumir orgulho nesse imaginário de burocracia;

- que fui eu que afirmei que a opção de ser funcionário comportava «riscos e limitações» embora acrescentando que o mesmo acontecia em todas as profissões
(coisa de que ninguém gosta de falar mas eu, se estivesse para aí virado, podia fazer um boneco comparativo);

- que nunca fui perito em nenhuma «máquina» e no PCP sempre só lidei com seres humanos e com ideias e as formas de lhes dar eficacia e coerência de intervenção política;

- não teria ensinado nem explicado nada do que tanto incomoda José Neves se Miguel Serras Pereira querubinamente não me tivesse desafiado a explicar porque é o profissionalismo é necessário nos partidos.

Anónimo disse...

Em relação à minha anterior afirmação de que no PCP nunca fui perito em nenhuma máquina, por uma questão de rigor devo informar que, não sendo propriamente um perito, no PCP lidei pelo menos com três máquinas: de escrever, de fotocopiar e de café.

Zé Neves disse...

Vítor, com tanto jeito para a maquinaria, ainda pode colocar operário no cv.
:)

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, Vítor Dias, o problema é sempre o mesmo.
1.Como escrevi num comentário de há pouco, na caixa do outro post do Zé Neves, continuo sem poder descortinar qualquer sombra de argumento que justifique ou defina "a necessidade (democrática, socialista, etc.) do profissionalismo em política, seja lá o que for que isso signifique (diabos me levem, se isso não significa ou pressupõe que há uns mais qualificados para governar os outros do que esses mesmos outros para se autogovernarem - quer dizer, a lógica da sociedade de classes)".

2. Do mesmo modo, "quanto ao Gulag, suas dependências e condições, traços distintivos do regime que o tornou possível e instrumento de governação", além de repudiar o que o João Tunes escreve, você também não diz nada. Parece até não compreender que apresentar um regime do tipo referido como "socialista", mais próximo do que, por exemplo, o "Estado-Providência" das oligarquias liberais (refreadas pelas conquistas seculares dos trabalhadores), daquilo que o PCP defende para Portugal e para o resto do mundo, é praticar uma condenação tão absoluta da democracia superior (que, conceder-me-á, o socialismo não pode deixar de ser) como a que a direita profere.
Reconhece ou não você, e porquê - ou entende ou não, e porquê - que o PCP deveria reconhecer que "a supressão das liberdades políticas e sindicais, o reforço hierárquico da separação entre os produtores e os meios de produção (estatizados), a multiplicação das desigualdades e dos privilégios acompanhada pela multiplicação dos controles burocráticos e policiais e pelas medidas e realizações penitenciárias, a ditadura de um partido que limpava hoje o sebo a quem lhe obedecera ontem, tudo isso e muito mais, não foram erros de uma política socialista, mas antes uma política de destruição radical de qualquer programa que tivesse a ver com o "ideal comunista"- uma política de destruição sistemática da democratização radical pressuposta pelo socialismo"?

Mas receio que, uma vez mais, quando a conversa começa a aquecer e a valer a pena, você se esquive com nova pirueta retórica sobre as máquinas de café, de escrever e fotocopiar e o profissionalismo que manuseá-las requer…

msp

Niet disse...

A questão política ultra-sensível do Gulag é mesmo um tira-teimas decisivo e essencial para se apurar o grau de consciência democrática de qualquer ser humano. Evitá-lo, tentar escondê-lo ou banalizá-lo é prova provada de refinado estalinismo sem limites, o que vai ao encontro de toda a lógica democrática mais elementar. J-M.Vincent bem o demonstrou ao comparar o Gulag a Auchwitz e Hiroshima, frisando que a " barbárie é evidentemente produzida nas relações sociais e por indivíduos mutilados no interior dessas relações sociais ".Será que grande parte da élite portuguesa, dita de Esquerda,se condenou a um assustador autismo de efeitos incalculáveis ao arrepio de todo o mainstream teórico e político mais elementar de denúncia do Gulag e seus crimes? Niet