05/01/11

Um Elogio da Censura

"La diferencia entre la palabra casi correcta y la palabra correcta es realmente un asunto importante - es como la diferencia entre una luciérnaga y un rayo". Hace más de un siglo que Mark Twain (1835 - 1910) escribió estas palabras en una carta. Y hace ya 126 años desde que Twain publicara Las aventuras de Huckleberry Finn. Desde entonces han sido cientos las ediciones de las aventuras de este niño que huye de su padre en un viaje por el río Misisipi junto a un esclavo negro que busca su libertad: una reflexión sobre la sociedad estadounidense de la segunda mitad del siglo XIX llena de humor e ironía. Hasta ahora todas las publicaciones habían respetado el original, pero una editorial estadounidense va a sacar a principios de 2011 una nueva edición que se puede calificar de "políticamente correcta".

En 219 ocasiones aparece en el texto la palabra "nigger " ("negrata" sería la traducción literal; en España se tradujo como "negro"). Una palabra hoy en día peyorativa que al profesor de inglés Alan Gribben, de 69 años, responsable de esta nueva edición, le parecía ofensiva y racista. Y la ha sustituido por "esclavo". (…)

Gribben, profesor en la Universidad Auburn (Alabama), propuso la edición retocada el pasado verano después de pasar varias décadas leyendo a sus alumnos el libro cambiando el epíteto racial sobre la marcha. La palabra "injun" la forma ofensiva de denominar a los nativos norteamericanos, también será cambiada por "indio".

(…)

Gribben ha expresado su pesar porque el libro ya no se lee en las escuelas, algo que achaca a palabras como "nigger", y dice que esta nueva versión estará dirigida a gente joven y lectores en general, no académicos. "Mi hija fue a un colegio público y una de sus mejores amigas era afroamericana. Odiaba este libro, apenas podía leerlo", ha dicho Gribben.

"Es una pena que una sola palabra sea una barrera entre una experiencia de lectura maravilloa y un montón de lectores", ha dicho Gribben.


Depois de ler esta notícia em El País, fica um cidadão a pensar no que seria uma edição do Diário de Anne Frank em que o termo de "judeus" fosse substituído por outro que os fundamentalistas cristãos e/ou islâmicos pudessem aceitar ( "é uma pena que uma só palavra seja uma barreira entre uma experiência de leitura maravilhosa e uma quantidade de leitores"), ou em várias obras — a de Proust, por exemplo — juguladas, perdão, expurgadas pela Fernanda Câncio das suas incorrecções sexualmente pré-fracturantes.

7 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

Questão muito interessante de facto. Ja tive ocasião de trata-la (juridicamente) diante de um problema concreto com que se deparava uma editora.

Não penso que exista uma resposta simples.

Pela minha parte, fui levado a concluir que, para resolver a questão, devemos proceder como fazemos com os outros caracteres datados da obra que não levantam polémica, por exemplo a gramatica, a ortografia ou ainda a pontuação.

Vamos então, muito provavelmente, chegar à conclusão que tudo depende das exigências que podemos razoavelmente ter em relação aos leitores a quem se destina a publicação. E' obvio que, tratando-se de uma obra classica, ou tida como classica, poderemos exigir dos leitores o esforço de contextualização necessario e suficiente para que não descaracterizemos a obra. Caso surja uma dificuldade, sera normalmente resolvida no aparelho critico ou nas notas de rodapé. Mas repare que nada disto obsta a que se editem versões "adaptadas" da obra, por exemplo para um publico escolar (desde que elas indiquem onde se pode encontrar a obra original). Ja a mesma atitude não me parece poder ser adoptada quando a publicação tem objectivos que tornam negligenciavel a preocupação de respeitar a obra ou de a restituir no seu contexto. No limite, poderemos estar perante uma verdadeira adaptação.

Por isso, esta dificuldade remete-nos para a definição do que é uma obra e daquilo que nela procuramos quando a editamos.

Geralmente, ocorre-nos sempre o caso dos classicos, seja Mark Twain, ou Proust, ou mesmo o tintim do Hergé.

Mas na pratica, a dificuldade não se põe nestes casos, pois sera sempre, ou quase sempre, resolvida no sentido de se respeitar a obra original (com as eventuais correções do autor).

O problema põe-se quando se volta a editar uma obra relativamente menor : pense-se numa nova adaptação cinematografica de um guião redigido nos anos 30, ou ainda numa banda desenhada em que se recupera apenas o texto, mas com novo desenho.

Seja como fôr, como todos os problemas que interessam mesmo, é natural que os tradutores, como o Miguel, estejam entre os primeiros a ver a dificuldade.

Até porque a dificuldade é precisamente esta : trata-se de um problema, teorico e pratico, de tradução.

Não tive ainda o privilégio - e o prazer - de ler a sua tradução do Quixote, mas calculo que o Miguel se tenha deparado com inumeras dificuldades ligadas à transposição de um castelhano um pouco arcaico para um português relativamente moderno.

Ora bem, penso que os principios pelos quais se guiou, permitem provavelmente resolver muitas das dificuldades do tipo descrito no seu post.

Abraços

PS : pelas razões expostas, julgo que a questão reveste-se de um interesse filosofico importante. No fundo, até que ponto é que podemos encarar a restituição de um estado de coisas fazendo total abstracção daquilo para que nos serve a restituição ?

joão viegas disse...

Ola,

Questão muito interessante de facto. Ja tive ocasião de trata-la (juridicamente) diante de um problema concreto com que se deparava uma editora.

Não penso que exista uma resposta simples.

Pela minha parte, fui levado a concluir que, para resolver a questão, devemos proceder como fazemos com os outros caracteres datados da obra que não levantam polémica, por exemlplo a gramatica, a ortografia ou ainda a pontuação.

Vamos então, muito provavelmente, chegar à conclusão que tudo depende das exigências que podemos razoavelmente ter em relação aos leitores a quem se destina a publicação. E' obvio que, tratando-se de uma obra classica, ou tida como classica, poderemos exigir dos leitores o esforço de contextualização necessario e suficiente para que não descaracterizemos a obra. Caso surja uma dificuldade, sera normalmente resolvida no aparelho critico ou nas notas de rodapé. Mas repare que nada disto obsta a que se editem versões "adaptadas" da obra, por exemplo para um publico escolar (desde que elas indiquem onde se pode encontrar a obra original). Ja a mesma atitude não me parece poder ser adoptada quando a publicação tem objectivos que tornam negligenciavel a preocupação de respeitar a obra ou de a restituir no seu contexto. No limite, poderemos estar perante uma verdadeira adaptação.

Por isso, esta dificuldade remete-nos para a definição do que é uma obra e daquilo que nela procuramos quando a editamos.

Geralmente, ocorre-nos sempre o caso dos classicos, seja Mark Twain, ou Proust, ou mesmo o tintim do Hergé.

Mas na pratica, a dificuldade não se põe nestes casos, pois sera sempre, ou quase sempre, resolvida no sentido de se respeitar a obra original (com as eventuais correções do autor).

O problema põe-se quando se volta a editar uma obra relativamente menor : pense-se numa nova adaptação cinematografica de um guião redigido nos anos 30, ou ainda numa banda desenhada em que se recupera apenas o texto, mas com novo desenho.

Seja como fôr, como todos os problemas que interessam mesmo, é natural que os tradutores, como o Miguel, estejam entre os primeiros a ver a dificuldade.

Até porque a dificuldade é precisamente esta : trata-se de um problema, teorico e pratico, de tradução.

Não tive ainda o privilégio - e o prazer - de ler a sua tradução do Quixote, mas calculo que o Miguel se tenha deparado com inumeras dificuldades ligadas à transposição de um castelhano um pouco arcaico para um português relativamente moderno.

Ora bem, penso que os principios pelos quais se guiou, permitem provavelmente resolver muitas das dificuldades do tipo descrito no seu post.

Abraços

PS : pelas razões expostas, julgo que a questão reveste-se de um interesse filosofico importante. No fundo, até que ponto é que podemos encarar a restituição de um estado de coisas fazendo total abstracção daquilo para que nos serve a restituição ?

joão viegas disse...

Ola,

Questão muito interessante de facto. Ja tive ocasião de trata-la (juridicamente) diante de um problema concreto com que se deparava uma editora.

Não penso que exista uma resposta simples.

Pela minha parte, fui levado a concluir que, para resolver a questão, devemos proceder como fazemos com os outros caracteres datados da obra que não levantam polémica, por exemlplo a gramatica, a ortografia ou ainda a pontuação.

Vamos então, muito provavelmente, chegar à conclusão que tudo depende das exigências que podemos razoavelmente ter em relação aos leitores a quem se destina a publicação. E' obvio que, tratando-se de uma obra classica, ou tida como classica, poderemos exigir dos leitores o esforço de contextualização necessario e suficiente para que não descaracterizemos a obra. Caso surja uma dificuldade, sera normalmente resolvida no aparelho critico ou nas notas de rodapé. Mas repare que nada disto obsta a que se editem versões "adaptadas" da obra, por exemplo para um publico escolar (desde que elas indiquem onde se pode encontrar a obra original). Ja a mesma atitude não me parece poder ser adoptada quando a publicação tem objectivos que tornam negligenciavel a preocupação de respeitar a obra ou de a restituir no seu contexto. No limite, poderemos estar perante uma verdadeira adaptação.

Por isso, esta dificuldade remete-nos para a definição do que é uma obra e daquilo que nela procuramos quando a editamos.

Geralmente, ocorre-nos sempre o caso dos classicos, seja Mark Twain, ou Proust, ou mesmo o tintim do Hergé.

Mas na pratica, a dificuldade não se põe nestes casos, pois sera sempre, ou quase sempre, resolvida no sentido de se respeitar a obra original (com as eventuais correções do autor).

O problema põe-se quando se volta a editar uma obra relativamente menor : pense-se numa nova adaptação cinematografica de um guião redigido nos anos 30, ou ainda numa banda desenhada em que se recupera apenas o texto, mas com novo desenho.

Seja como fôr, como todos os problemas que interessam mesmo, é natural que os tradutores, como o Miguel, estejam entre os primeiros a ver a dificuldade.

Até porque a dificuldade é precisamente esta : trata-se de um problema, teorico e pratico, de tradução.

Não tive ainda o privilégio - e o prazer - de ler a sua tradução do Quixote, mas calculo que o Miguel se tenha deparado com inumeras dificuldades ligadas à transposição de um castelhano um pouco arcaico para um português relativamente moderno.

Ora bem, penso que os principios pelos quais se guiou, permitem provavelmente resolver muitas das dificuldades do tipo descrito no seu post.

Abraços

PS : pelas razões expostas, julgo que a questão reveste-se de um interesse filosofico importante. No fundo, até que ponto é que podemos encarar a restituição de um estado de coisas fazendo total abstracção daquilo para que nos serve a restituição ?

Miguel Serras Pereira disse...

COMENTÁRIO DE JOÃO VIEGAS:

Caro Miguel,

Questão muito interessante de facto. Ja tive ocasião de trata-la diante de um problema concreto com que se deparava uma editora.

Não penso que exista uma resposta simples.

Pela minha parte, fui levado a concluir que, para resolver a questão, devemos proceder como fazemos com os outros caracteres datados da obra que não levantam polémica, por exemlplo a gramatica, a ortografia ou ainda a pontuação.

Vamos então, muito provavelmente, chegar à conclusão que tudo depende das exigências que podemos razoavelmente ter em relação aos leitores a quem se destina a publicação. E' obvio que, tratando-se de uma obra classica, ou tida como classica, poderemos exigir dos leitores o esforço de contextualização necessario e suficiente para que não descaracterizemos a obra. Caso surja uma dificuldade, sera normalmente resolvida no aparelho critico ou nas notas de rodapé. Mas repare que nada disto obsta a que se editem versões "adaptadas" da obra, por exemplo para um publico escolar (desde que elas indiquem onde se pode encontrar a obra original). Ja a mesma atitude não me parece poder ser adoptada quando a publicação tem objectivos que tornam negligenciavel a preocupação de respeitar a obra ou de a restituir no seu contexto. No limite, poderemos estar perante uma verdadeira adaptação.

Por isso, esta dificuldade remete-nos para a definição do que é uma obra e daquilo que nela procuramos quando a editamos.

Geralmente, ocorre-nos sempre o caso dos classicos, seja Mark Twain, ou Proust, ou mesmo o tintim do Hergé.

Mas na pratica, a dificuldade não se põe nestes casos, pois sera sempre, ou quase sempre, resolvida no sentido de se respeitar a obra original (com as eventuais correções do autor).

O problema põe-se quando se volta a editar uma obra relativamente menor : pense-se numa nova adaptação cinematografica de um guião redigido nos anos 30, ou ainda numa banda desenhada em que se recupera apenas o texto, mas com novo desenho.

Seja como fôr, como se passa com todos os problemas que interessam mesmo, é natural que os tradutores, como o Miguel, estejam entre os primeiros a ver a dificuldade.

Até porque a dificuldade é precisamente esta : trata-se de um problema, teorico e pratico, de tradução.

Não tive ainda o privilégio - e o prazer - de ler a sua tradução do Quixote, mas calculo que o Miguel se tenha deparado com inumeras dificuldades ligadas à transposição de um castelhano um pouco arcaico para um português relativamente moderno.

Ora bem, penso que os principios pelos quais se guiou, permitem provavelmente resolver muitas das dificuldades do tipo descrito no seu post.

Abraços

PS : pelas razões expostas, julgo que a questão reveste-se de um interesse filosofico importante. No fundo, até que ponto é que podemos encarar a restituição de um estado de coisas fazendo total abstracção daquilo para que nos serve a restituição ?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,
problemas muito interessantes, os que você levanta.
A tradução do tempo, por exemplo: como fazer e em que grau? Levar o nosso tempo a caminho do outro ou trazer o "outrora" a caminho do nosso?
Como a maior parte das vezes, creio que, embora traduzamos sempre para o tempo e as condições históricas que são as da língua da recepção no momento da tradução, deveremos traduzir também a estranheza ou distância temporal própria da voz (escrita) do texto de partida.
No caso vertente, todavia, penso que uma nota prévia poderia explicar - tendo em atenção um público juvenil e facilitando-lhe a tarefa de descobrir que nem todas as épocas falaram e fizeram as línguas da mesma maneira - que, embora Mark Twain não fosse racista, usa um termo que hoje tal seria considerado ("preto", escarumba", o que se entendesse). A solução, que vale para a tradução, vale também para a edição dos clássicos em intenção de um público não-especializado. Assim, quando Gil Vicente usa uma forma do verbo "parir" para se referir a um episódio da vida da Rainha, seria deslocado substituí-lo por uma forma de "dar à luz", a pretexto do carácter hoje menos elegante, aplicado a tão ata figura, do "parir", etc.
Bom, muito mais haveria a dizer, mas, por hoje, terei deme ficar por aqui.
Muito obrigado e um abraço

msp

joão viegas disse...

Caro Miguel,

So um pequeno comentario para dizer que concordo na essência com o que você diz e que, por isso mesmo, digo que a questão não se levanta muito para os classicos, precisamente porque enquanto classicos se supõe que o leitor médio ganha em conhecê-los como foram escritos.

Mas repare que mesmo nos classicos, ha cedências : a ortografia, a pontuação, alguma gramatica. Os Lusiadas não se publicam, ou raramente se publicam, como foram editados.

O que eu digo é que a questão de saber "o que é que é negligenciavel na obra original a ponto de poder ser sacrificado ao proposito de facilitar a sua leitura pelo grande publico hoje" não me parece - em substância - diferente da questão tratada no post.

Isto porque a gramatica, ou a ortografia, não me parecem - em substância - diferentes da moral, são elas também regras éticas.

E se metermos as regras juridicas ao barulho, então o fogo de artificio é total, como vemos nos processos ditos "historicos"...

Enfim, como você diz, da pano para mangas !

Miguel Serras Pereira disse...

Sem dúvida. meu caro. Compreender, "ler", é sempre traduzir. O símile é justo. Espero que tenhamos ocasião de voltar ao assunto.
O meu ponto era mais modesto e menos especializado, todavia: alertava para as devastações - históricas, estéticas e, por fim, também éticas e políticas - que pode causar o intento de corrigir ou "fracturar" deliberadamente a visão do mundo dos autores em nome ou a pretexto de correcção ideológica.
Reabraço

msp