19/04/11

Não falar em nome da vida real das pessoas

Ao contário do Pedro Viana, do Luís Raínha e do Daniel Oliveira, acho (isto mesmo, acho, não tenho certeza absoluta) que o BE e o PCP fizeram bem em não reunir com a "troika". Seria oficializar uma situação que não deve ser oficilizada. E quando falo de situação não me refiro tanto à questão da soberania (mais relevante para o PCP do que para o BE, como já sublinhou o Miguel Serras Pereira), peditório para o qual não dou um cêntimo, mas à questão da democracia.
Estes encontros da troika com os vários partidos são justificados alengado que, estando em vigor um governo de gestão, não haverá legitimidade para acordos como o que será realizado. Mas a pergunta a fazer é: que legitimidade maior poderá advir do facto das reuniões estenderem-se aos demais partidos? A legitimidade só pode ser reposta por novo governo, eleito a partir de nova assembleia, eleita a partir da vontade do povo, ou lá como se diz; isto é, de a legitimidade vem de um novo povo que se forma no momento que vota.

A mim parece que o principal objectivo destes encontros é sentar à mesma mesa a troika internacional e a troika nacional que nos governará nos próximos tempos, PS, PSD e PP, e que nos vem governando já. Encenando uma legitimidade não sufragada (e não digo que, infelizmente, não o viesse a ser). Do ponto de vista de PCP e BE, do que se tratará é de não pactuar com qualquer uma das duas troikas.

De qualquer dos modos, admitindo até que BE e PCP pudessem ir à tal reunião, creio que seria sempre uma decisão de cariz táctico, a que aqui debatemos. Não é, por isso, razão para tanto alarido crítico. E o problema do alarido é tanto maior quando se trata de reduzir a política a esse cariz táctico, como faz o Daniel, que abusivamente depreende que o PCP e o BE, por não terem ido à reunião com a troika, desistiram de lutar pelo que quer que seja. Não creio que o melhor método para fazer ver os riscos de uma liderança ortodoxa seja utilizar o mesmo tipo de retórica. Uso que também se encontra, creio, no post citado do Luís ou neste post do Rui Bebiano.

Em suma, tudo é complicado, tudo está indefinido, o que é bom e mau, e as lideranças dos dois partidos de esquerda não são óptimas, têm imensos defeitos, com certeza que sim; mas não é preciso começarmos a atirar a tudo o que mexe, como se ao desencantamento com o país se tivesse que somar o desencantamento com a esquerda que temos. Sobretudo, era bom que não se falasse da "vida real" das pessoas contrapondo-lhes o "idealismo revolucionário" de BE e PCP. É que a "vida real" dá para muita coisa; tanto dá para legitimar programas reformistas (mais vale a paz, o pão, a saúde e a habitação, do que nada disto) como programas revolucionários (nem só de pão). Se querem a vida real das pessoas, a única via é, em lugar de fazer críticas à táctica assim ou assado de PCP e BE, pensar até que ponto - o Luís e o Pedro sugerem-no, é certo - a política não poderá ser outra coisa que não os tais jogos partidários... Creio que tanto as direcções do PCP como do BE são sensíveis aos limites desses jogos. E os seus críticos?

8 comentários:

Luis Rainha disse...

Zé,
Pelo que me toca, a minha crítica ao "idealismo revolucionário" do PCP passa apenas e tão somente por contrapor ao fatalismo resignado à praxis um monte de fórmulas mágicas que são apenas resultados que todos desejamos: mais produção, etc. Reivindicar resultados em vez de apontar caminhos para lá chegar não é fazer política; é brincar às religiões.

LAM disse...

Estas reuniões, até porque solicitadas pela troyca (lindo nome) nunca poriam em causa que o aval das negociações tem de ser dado pelo poder oficial (governo PS). Aceito também que a extensão destas reuniões para além dos poderes "oficiosos" de PSD e CDS, ao BE e PCP, é meramente para compor o ramalhete, uma vez que ficava mal na fotografia antes do "veredito popular" privilegiar publicamente os partidos da direita. Se há taticismo é aí. Pelo contrário, para o BE e PCP seria da maior relevância política não só conhecerem por via directa o que vem dentro daquelas pastas, e o divulgarem ao people da esquerda, como também de viva voz lhes apresentarem a contestação a essas medidas. Nesta altura, sentarem-se à mesma mesa com os senhores do FMI/FEEF/UE devia ter sido encarado como uma batalha política como qualquer outra, que se sobrepõe a um "radicalismo" (isso sim, tático) estéril.

Zé Neves disse...

luís, mas olha que eu não desdenharia uma definição de política como essa: "brincar às religiões". Na verdade, poderíamos ver a política não como a negação da religião, mas como a negação de Deus. Isto é, tomar os céus de assalto. Mas já cá volto...
abç

Zé Neves disse...

Lam,

Mas e se fossem à reunião e, admitindo que lhes seriam transmitidas as medidas previstas, depois viessem cá para fora dar conta, possivelmente cairia o carmo e a trindade pela falta de sentido de responsabilidade dos dois partidos...

abç

Miguel Serras Pereira disse...

Caros camaradas Zé Neves, Luís e LAM,

não me parece que reunir com o FMI seja legitimá-lo ou legitimar a sua intervenção. Mutatis mutandis, reunir com uma central patronal não significa necessariamente avalizá-la ou avalizar sequer a existência de patrões.
E, depois, caro Zé, a posição do PCP , como aqui escreve, substitui às razões uma espécie de chavões religiosos que mascaram a ausência de qualquer concepção estratégica verosímil (concorde-se ou não com ela). Nisso, é bem mais lamentável ainda do que a do BE.
Tu escreves, Zé, que, "admitindo até que BE e PCP pudessem ir à tal reunião, creio que seria sempre uma decisão de cariz táctico, a que aqui debatemos". É possível, com efeito, ler assim a tomada de posição do BE, sem deixarmos de a considerar errada - pelas razões que já disse e o LAM completou e desenvolveu. Mas não é possível ler assim, sem forçar o texto, a declaração de JS…
Por outro lado, o soberanismo extremo da declaração de JS bastaria aos meus olhos para a tornar inaceitável. Uma das ameaças que pairam sobre a Europa neste momento da crise é o ressurgimento da peste nacionalista, contra o qual toda a vigilância e prevenção não serão demais. O artigo publicado pelo esquerda.net, que o Pedro cita no seu post sobre os "enrolanços nas bandeiras" mostra-o bem.
Quanto ao resto, faço minhas as considerações do LAM, e acrescento que uma forma de acção razoável - que não exclui avanços futuros nem fica sentada à espera da "revolução", confiando que a força das coisas acabará por trazê-la - poderia inspirar-se no exemplo islandês, ou adoptar, até certo ponto e até onde a compreendo, a posição dos social-democratas finlandeses. Não a oposição de princípio a tudo o que venha de fora u acarrete condições, mas a exigência de redefinir em novos termos a "solidariedade" e a "integração" europeias.

Abraço para a troika

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Grande Camarada Zé Neves,

quando escrevi o meu comentário de há pouco, não tinha visto ainda as tuas respostas às serenas, mas radicais objecções, do já lendário camarada LAM, nem o que replicasao nosso intrépido (até à temeridade, não fora a lucidez) factual-viandante Luís Rainha.

Com Deus ou sem ele, não me parece que "brincar às religiões" - tornar a política religiosa - seja boa ideia: uma religião política é sempre proclamação de uma verdade ou lei subtraída à deliberação-decisão daqueles a quem se endereça. A fé e a democracia ou autonomia excluem-se (a menos que, como alguns fazem, deixem a fé religiosa à porta da ecclesia ou assembleia política dos cidadãos).

Quanto ao que respondes ao LAM, tens, sem dúvida, razão: "…e fossem à reunião e, admitindo que lhes seriam transmitidas as medidas previstas, depois viessem cá para fora dar conta, possivelmente cairia o carmo e a trindade pela falta de sentido de responsabilidade dos dois partidos...". Mas a razão que tens só dá, na circunstância, razão ao LAM e ao Luís: a ideia é precisamente essa, fazer cair o carmo e a trindade, propor outra forma de responsabilidade e outras instâncias de responsabilização…

Daqui a nada, vai ser isso mesmo que estarás a reclamar da CGTP - e bem - no caso de esta comparecer numa reunião com o FMI… Ou engano-me muito?

Abraço

miguel (sp)

Anónimo disse...

É curioso como os nossos intelectuais de esquerda, até os mais «independentes», gastam os seus dias a fazer de conta que são «Professores Marcelos»: falam de cenários, de tácticas, de jogos políticos institucionais. Tudo isto muito a sério! Tornam-se verdadeiros comentadores políticos, alguns até com ares de cientistas políticos.
Pelo facto de estarmos impotentes não devemos juntar a isso o sermos idiotas...
O caminho é outro. Basta olhar para a história, ou para o lado.

LAM disse...

Se como alternativa basta o desejo comum de mais produção, mais exportações, diversificação dos mercados com prioridade aos países luso-falantes (como se o interesse desses países não estivesse precisamente na posição de Portugal como integrante da UE), se isso basta, dizia, sem se cuidar da possibilidade e na maneira da sua concretização, então não andamos muito longe do slogan do candidato Vieira de "um Ferrari amarelo a cada português".