13/01/11

De alguns inconvenientes de obedecermos a leis que deixamos que sejam feitas sem nós

Não podemos conceber uma lei definitivamente justa, e é por isso que a justiça, democraticamente entendida, exige que as leis possam ser postas em questão. No entanto, a cada momento, a melhor garantia de justiça das leis é que sejam deliberadas e feitas, igualitária e responsavelmente decidias, pelo conjunto — de uma ou de outra maneira, organizado para esse efeito — daqueles que vinculam.
A este propósito, não resisto de piratear e assim homenagear, uma vez mais, esta crónica de Manuel António Pina, no Jornal de Notícias:

O DN de sábado trazia duas notícias que, na sua edição online, surgiam lado a lado: uma, do JN, na secção "Revista de Imprensa", intitulada "Estado usa ajuda camarária para cortar nos apoios", onde se dá conta de que "as famílias pobres que recebem dinheiro das câmaras para poderem pagar a renda ou a prestação da casa estão a perder o direito a receber outros subsídios do Estado, como o Rendimento Social de Inserção"; e uma outra, paralela, que revela que o "Comandante da GNR subiu 1137 euros o seu (próprio) salário", acrescentando o óbvio: que "A crise não é para todos nas forças de segurança. Os generais já se aumentaram".

O acaso - "divindade mais obscura que as outras", segundo diz Breton no "Manifesto" de 1924 - ter-se-á intrometido na paginação deixando à vista desarmada, sem preocupações de subtileza, a opção ideológica (resultante, recorde-se, do acordo entre um partido socialista e outro social-democrata) que preside à retórica dos "sacrifícios para todos" necessários para fazer face à crise: os "todos" das traseiras da escala social que a paguem.

Porque tanto a exclusão de centenas de milhares de pobres e desempregados de auxílios do Estado como o "auto-aumento" com retroactivos que, a poucos dias de deixar o cargo, o comandante-geral da GNR se atribuiu e ao seu 2º comandante, estão - ninguém duvide - perfeitamente dentro da lei. A lei é que talvez não esteja dentro da lei.

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