Quando li esta declaração de Manuel Alegre a propósito do que o distingue de Cavaco Silva: "Eu não…sou adepto de uma economia de mercado, mas acho que o mercado não é Deus. Não se pode sobrepor ao Estado, ao interesse geral ou às nações" —, confesso que a minha primeira reacção foi pensar que, apesar da ilustre plêiade de economistas - dos marxistas, como Francisco Louçã, aos institucionalistas e polanyianos, como João Rodrigues - que o rodeiam, o candidato estava a confundir "economia de mercado" e "economia com um mercado", podendo este funcionar, não como princípio organizador, mas como um meio de provisão de bens destinados ao consumo (privado), sendo a força de trabalho ou mão de obra excluída do seu âmbito (da condição de mercadoria). Se fosse esta a posição de Manuel Alegre, compreender-se-ia que ele a reivindicasse como traço que o distinguiria das concepções fundamentais de Cavaco Silva e do primado que essas concepções atribuem à economia política dominante.
No entanto, para ser possível uma interpretação semelhante das suas palavras, seria necessário que, com imprecisões terminológicas (de importância secundária) ou sem elas, Manuel Alegre dissesse ou sugerisse inteligivelmente que o mercado da economia que tinha em mente estaria subordinado, pelas condições da sua "incrustação" ou "incorporação" institucional no conjunto da sociedade, à democratização da economia (modo de organização e funcionamento do trabalho e das empresas) e a uma política de igualização dos rendimentos assegurando que o voto de cada cidadão enquanto consumidor teria o mesmo peso nesse mercado de provisão dos bens de consumo.
Ora, quaisquer considerações deste género brilham pela ausência tanto na entrevista acima linkada como no conjunto dos discursos e declarações em matéria de política económica de Manuel Alegre. O mais que se pode dizer, pensando nesta ou naquela alusão ao conceito equívoco de "Estado estratega", é que Manuel Alegre defende um papel regulador do Estado mais forte do que Cavaco Silva, podendo afirmar-se como defensor, contra o neoliberalismo do seu rival, de uma "economia social de mercado" ou de um "Estado social".
Não vou entrar aqui na análise das insuficiências democráticas deste modelo nem na ambivalência social e política do tema da necessidade de um "Estado forte" como resposta à crise. Tenho-o feito mais ou menos regularmente neste blogue e alhures, insistindo na necessidade de não se confundir o reforço do papel do Estado com a extensão, através da intervenção dos cidadãos, de um espaço público democrático capaz de alterar efectivamente as relações de poder que governam uma economia que hoje é um lugar supremo do poder que nos governa, e tanto mais arbitrariamente quanto mais denega a sua natureza política. Importa-me apenas sublinhar que, até mesmo no que se refere à definição e consistência do papel regulador do "Estado social" ou da estratégia económica do "Estado estratega" que tem vindo a propor, as posições de Manuel Alegre enfermam de uma indecisão profunda e profundamente inquietante.
As indecisões ou "meias-tintas" ficaram há tempos patentes nos termos em que o "candidato da esquerda" comentou o PEC e na benevolência com que aceitou praticamente na íntegra a ideia da inexistência de alternativas na matéria. Agora reemergem, avassaladoras, nas declarações que fez no final de um encontro com empresários do distrito de Santarém e que Manuel António Pina esvaziou de uma penada, em mais uma das suas crónicas exemplares:
Não foram tornados públicos os sintomas de que os empresários se queixaram a Alegre, mas o candidato já fez o diagnóstico e já tem a solução: segundo a Lusa, se for eleito, irá dar atenção a questões como, entre outras, a "carga fiscal" e a "actuação do Fisco". Aparentemente, os empresários sentir-se-ão "subestimados" por terem, como os restantes portugueses (que, ao contrário dos empresários, em vez de "criar riqueza" só dão despesa), que pagar impostos e por o Fisco lhos cobrar.
24/07/10
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